Capítulo 3 Rumo à América

"Amado sobrinho,

Adianto-lhes que será de meu imenso prazer e alegria receber sua preciosa filha Victoria e sua amiga Alice, em nosso lar. É de seu conhecimento e da amada Harriet que as portas sempre lhes estiveram abertas. Todos estão me devendo uma visita há décadas! Acho inaceitável não conhecer nenhum de seus filhos pessoalmente.

Obrigada por pensarem em mim para as recepcionar. E quem diria que nossas aventuras perseguiriam gerações, uh? Posso sentir nossa família se revirando no jazigo. E sinto-me radiante com isso!

Anseio para conhecê-las. A casa Walford estará pronta!

P.S.: Me tragam fotos de toda a família!!!

Com todo o amor do mundo,

Clarice W. Burky"

Exatamente trinta e cinco dias depois da carta endereçada à tia Clarice - que estava do outro lado do oceano -, ter partido da casa Walford, essas palavras chegaram em uma carta. Victoria vibrou ao ler as palavras naquela folha de papel. Na próxima semana, estariam embarcando rumo à América do Norte e elas estavam estonteantes com isso.

Suas malas estavam prontas há semanas, apenas aguardando por uma resposta. Agora, com as cartas em mãos, nada as impedia de pegar o próximo navio para Nova Iorque.

Alice estava sendo cortejada pelo Duque de Clark. Ele não colocou objeções em sua viagem e prometeu que esperaria até que ela voltasse de sua aventura. Victoria sabia, mais do que ninguém, que a amiga estava apaixonada e que essa poderia ser a melhor chance dela de se casar com alguém da aristocracia. E céus, haveria algo melhor do que se tornar uma duquesa?

E de um lindo e cavalheiro duque! Que maravilha!

- O próximo navio sai amanhã. - declarou o conde, sem muito entusiasmo. - Ainda há tempo para desistir, tudo bem?! Podem adiar a viagem se assim desejarem. Tia Clarice não ficará irritada! Eu explicarei para ela por carta... - o conde pestanejou.

- Sei que está preocupado conosco, pai. Mas estaremos e ficaremos bem, não se preocupe. Nada nos faltará. Prometo-lhe que escreverei todos os dias até que eu volte para casa! Talvez eu até documente as palpitações de meu coração para que vocês tenham noção de que está tudo bem. Lhes darei orgulho! - Victoria respondeu, o cortando. - Partiremos amanhã.

- Você já nos dá orgulho, filha.

Ela sorriu para o seu pai, que sorriu de volta. Alicia admirou isso - o conde era mesmo um pai excepcional.

Durante a manhã daquela segunda-feira, elas embarcaram no navio

Durante a manhã daquela segunda-feira, elas embarcaram no navio. O porto era muito barulhento e não cheirava bem, mas elas tinham certeza que isso logo mudaria. Foram para suas acomodações no navio - que dividiam uma com a outra - e se instalaram, antes que o navio zarpasse. Após isso, voltaram para acenar para a vida que estavam dando oficialmente uma pausa.

- Você também está com essa sensação? - questionou Alice.

- De que sensação estamos falando? - Victoria disse, com os olhos fixos no porto. - Estou sentindo liberdade, e acredite, está sendo fantástico.

Alice sorriu com o entusiasmo da amiga.

- Não sei. Estou com um frio na barriga... insegurança, talvez. Medo de viver coisas novas. Seu título permite que viva despreocupada, mas e quanto à mim?

Victoria entendeu o que Alice queria dizer. Assentiu com a cabeça para amiga.

- Eu prometo que nada lhe faltará - falou, pegando na mão de Alice. - Você pode estar deixando a Inglaterra como minha criada, embora eu não a considere assim. Mas acredite: está entrando na América como minha irmã.

Uma lágrima escorreu dos olhos de Alice.

- Ah, Vic. Você é mais doce que açúcar!

E então se abraçaram.

O navio estava dando indícios de que estava prestes a partir, então começaram a acenar para as pessoas que estavam no porto: principalmente à família toda de Victoria. Foram necessárias duas carruagens para que todos pudessem se despedir dela por uma última vez, e todos saíram às pressas. Estavam tristes com a partida delas, mas felizes por estarem seguindo seu coração (embora desconfiassem que Alice estava seguindo mais o coração de Victoria do que o seu próprio, já que o duque ficaria para trás).

- E então, para quem especificamente está acenando? - uma voz masculina as surpreendeu, por trás.

Era o Duque de Clarke! Céus, ele havia ido atrás de Alice!

- Vossa Graça - cumprimentaram-o com uma reverência, em uníssono.

- Eu não acredito que está aqui! - Alice disse, entusiasmada. Ele riu. - O que está fazendo aqui? - Alice perguntou, embora estivesse mais que óbvio.

O duque era um homem muito bonito e charmoso. Talvez um dos solteiros mais cobiçados de Londres em todas as últimas temporadas, quer seja por aparência, quer seja por título.

O olhar dele faria com que qualquer pessoa desejasse ter um ducado ao seu dispor.

- De repente, decidi que seria bom ir fiscalizar meus negócios nas Américas - falou, rindo. - Mas desconfio que um alguém possa ter adiantado essa viagem.

- Vossa Graça! - exclamou Alice, feliz e fingindo indignação.

- Lorenzo. - corrigiu-a. - Sabe disso - falou, pegando na mão de Alice.

Alice corou, Victoria riu.

- Olhe só! Está vermelha como um tomate! - observou Victoria.

Riram.

- Poderia me encontrar mais tarde aqui para jantarmos juntos, Alice? - perguntou lorde Lorenzo, duque de Clarke.

- Claro, Voss.. Lorenzo. - falou Alice, se corrigindo em seguida.

Fizeram reverência e voltaram aos seus quartos, deixando Lorenzo sozinho.

- Vamos escolher sua roupa! Estou tão feliz por ti, minha amiga! - Victoria exclamou.

Alice sentou na cama, espalmando as mãos em sua face.

- Ora, o que é? - questionou Victoria.

- Não sei o que vestir na presença de um duque, Victoria! - Alice respondeu. - Estou arruinada!

- Não entendo... Já esteve com o duque antes! Não precisa se preocupar. Você ficaria linda até em um saco de batatas, minha querida. - disse sorrindo.

Alice sorriu de volta.

- Estou nervosa, nunca jantei com ele antes. Não sei nem como devo me comportar!

- Vestirá algum vestido meu e colocará minhas jóias, não se preocupe. Irá ficar com uma beleza arrebatadora, mais do que já possui. - lhe lançou uma piscadela. - Jantar com um duque não é diferente de jantar com um conde. Mas lembre-se de que ele se apaixonou por você, Alice Davis. Seja você mesmo e isso será mais do que suficiente! Somente um tolo não se apaixonaria por você!

Alice se jogou na cama, de braços abertos, grunhindo.

- Levante-se, dama! Em questão de semanas você será a duquesa de Clarke. Alegre-se!

Alice riu, fechando a cara preocupada em seguida.

- MEU DEUS. Você acha que ele pedirá minha mão nesta noite?

Victoria gargalhou.

- Naturalmente, minha querida. Vamos escolher o vestido! - Victoria disse, indo até um de seus baús.

Já estavam há algum tempo navegando e provavelmente já estavam razoavelmente longe da Costa.

Separaram o vestido, as jóias e o sapato que Alice usaria no jantar. Ficaram durante o dia todo conversando sobre os seus planos. Estavam ansiosas para chegar ao destino final. Amedrontadas, mas ansiosas.

Quando a noite chegou, Victoria ajudou a amiga a se vestir. O vestido escolhido era ombro a ombro, em um tom de creme. O tecido era esvoaçante e possuía um caimento esplendoroso, que fazia com que Alice parecesse uma imperatriz romana. Uma gargantilha de ouro em formato de folhas preenchidas com diamantes e esmeraldas era o que preenchia seu pescoço. Os brincos, que faziam conjunto com a gargantilha, eram da mesma esmeralda e diamantes que adornavam seu pescoço. Apesar de o sapato não estar à mostra pelo comprimento do vestido, usou-se um sapato acinzentado de laços.

- Sua pele é tão perfeita que não necessita de pó de arroz. Mas irei passar um pouco de rouge em suas maçãs do rosto e lábios. O que acha?

- Eu acho maravilhoso. Obrigada por estar me ajudando, Vic. - falou Alice, dada às mãos com Victoria.

Alice era somente dez anos mais madura que Victoria. Entrou para a família Walford aos treze anos de idade para os servirem. Ela teve a mesma educação e tudo o que era feito aos filhos, também era feito à ela. Foi a criada mais nova da casa, sendo tratada igualmente como filha. Iniciou os cuidados à Victoria quando a pequena possuía 3 anos. Ela estava começando aprender a falar, e desde que Alice a incentivou, Victoria nunca mais parou.

O duque possuía 30 anos, Alice tinha 28. Já estava velha para se casar perante à sociedade, mas era admirável: ela esteve disposta a se casar unicamente por amor, embora esse tivesse demorado a chegar. Ela não possuía perspectiva alguma de entrar para a aristocracia, mas aparentemente, isso iria acontecer!

Ninguém questionaria um duque.

Assim que o rouge acabara de ser passado, conferiram as horas no relógio pendurado no meio da parede.

- Está na hora, milady - Victoria anunciou, ajudando sua amiga a se levantar. - Não se preocupe, tudo dará certo!

Deram às mãos e Alice saiu, indo até o seu jantar. Não havia muito o que fazer naquele quarto ao não ser esperar a amiga chegar com as novidades: o jantar fora servido, mas ficou quase que intacto. Não estava com muita fome; viagens lhe faziam perder o apetite.

Andando de um lado para o outro enquanto apertava os dedos, resolveu sair para respirar ar puro. Afinal, a noite estava belíssima.

Subiu até o convés, indo em direção ao parapeito. Inclinou levemente o corpo para a frente, enquanto fechava os olhos sentindo a brisa fresca da noite.

Naquele instante, Victoria se sentia livre. Estar ali naquele navio, sobre as estrelas, lhe dava a mais plena sensação de liberdade. Agradeceu mentalmente à sua família, por ter lhe permitido viver o que havia escolhido.

- Também sempre gostei de pensar de noite - uma voz masculina disse. Victoria esteve tão entretida em seus pensamentos que mal percebeu aproximação. - Na verdade, sempre foi o único tempo livre que tive para pensar.

Abriu os olhos, receosa. Era um rapaz de estatura mediana e pele queimada pelo sol, com cabelos pretos desgrenhados. Estava com uma face curiosa, a encarando.

- Ah! Não se preocupe. Não quis te atrapalhar, só vim aqui para pensar também. - disse, ainda a analisando. - A senhorita não fala?

Arqueou as sobrancelhas, com ar de riso.

- Desculpe, senhor. Só estava pensando e não o percebi chegar - admitiu. - Realmente, a noite é um ótimo momento para reflexões.

Ele sorriu de maneira que não mostrava os dentes. Era um rapaz até que ajeitado, pensou.

- Com quem tenho a honra de dividir meus pensamentos nesta noite, senhorita?

Sorriu para ele, estendendo sua mão direita.

- Lady Walford. - respondeu, esperando que ele beijasse sua mão. Mas ele somente pegou sua mão e a apertou, como se fossem dois cavalheiros.

Olhou de canto, surpresa com a ação do rapaz. Mas não reclamou.

- Philip Howard, à seu dispor.

- Como Catherine Howard? - perguntou, rindo levemente.

- Sim. - confirmou Philip. - Mas da parte pobre. Não temos ligações familiares, eu acho.

Gargalharam.

- Mas acredito que o seu nome não seja Lady, certo?! - supôs. - Gostaria de saber o seu nome de nascimento, sabe? Como as pessoas da sua família te chamam.

- Victoria.

Sorriu para ela.

- Como a rainha, Majestade? - curvou-se em reverência, brincando. - Ainda bem que estou com um de meus melhores trajes!

Isso tirou um riso de Victoria. Estava sendo bom se divertir, afinal.

- Não nego que a rainha tenha sido a homenageada com o meu nascimento - confirmou. Victoria conhecia a rainha, depois de tantos bailes. - Mas sou apenas a filha de um conde, senhor.

- Hmm - murmurou. - Uma nobre. Que elegante! Nunca conversei com uma. Não uma conversa de verdade, pelo menos.

Parou, pensativo. Era engraçado o fato de ele não se importar com isso, já que ela estava acostumada com muita adulação após revelar quem era.

- Foi um prazer então, Victoria! - falou, de repente. - Até mais ver, senhorita! Ah, e cuidado: ficar aqui por muito tempo pode lhe trazer um resfriado.

Ela sorriu com o aviso.

- Estarei segura, senhor. Não se preocupe.

Enquanto dava às costas e seguia o seu caminho, gritou:

- Senhor está nos céus, eu sou Philip!

E a cada vez que ela lembrava dessa frase, se pegava rindo como uma criança.

                         

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