- Acredito que antes de começarmos devo desculpas a cada um de vocês. - Eva fixa seu olhar no meu e logo em seguida volta sua atenção para sua mãos apoiadas sobre seu colo. - Meu verdadeiro nome não é Dana Trion como vocês já perceberam, mas sim Eva Becker, além disso, não sou irmã de Robert Trion, ele na verdade foi incumbido pelos meus pais de me proteger e me criar caso algo acontecesse com eles e desde então ele é a pessoa que mais se aproxima de uma família para mim, já todos foram mortos a onze anos atrás - fala com sinceridade e aquilo não me agrada nem um pouco, pois eu odeio Trion e mesmo que Eva afirme que ele é só um irmão nada me tira da mente que ele queria ser muito mais do que isso.
- Por que mentiu ser outra pessoa? - Royal volta sua atenção para Eva que contrai os lábios encolhendo os ombros e resolvo tomar a frente.
- Porque Eva Becker foi morta há onze anos atrás por mim. - Vejo surpresa na expressão de Max, mas Royal continuava impassível tentando compreender toda a situação desastrosa, já Jack se mostrava entediado, mas mantinha o respeito em ouvir tudo em silêncio.
- Você a matou? - Max franze as sobrancelhas confuso. - Não estou entendendo nada.
- Exatamente... - Explico com calma tudo que envolve nosso passado e, nesse momento, todos fazem silêncio prestando atenção em cada palavra que digo.
- Vindo de Donatel isso não me surpreende. - Royal diz e Max concorda.
- A única finalidade dele era criar máquinas sem sentimentos, por isso ele tomou de nós tudo aquilo que considerávamos mais importante do que a máfia. - Max se ajeita na cama e logo em seguida apoia a mão no ombro fazendo uma careta.
- E ainda somos obrigados a deixá-lo vivo para evitar maiores conflitos. Eu juro que quero matar aquele velho com minhas próprias mãos. - Jack se manifesta e compreendo seu ódio, pois o sentimento é mútuo.
- Assim como vocês desejam a morte de Donatel, esse também era meu objetivo, mas como não sabia de exatamente nada sobre meu passado, queria entender o porquê de tudo. Sempre achei que Dante fosse filho único e confesso que chegar aqui e descobrir mais três Voyaller de brinde foi um choque e tanto, entretanto em nenhum momento vocês fizeram parte do meu desejo de vingança. Meu ódio era destinado apenas a Dante e Donatel, e custou para eu entender que os únicos culpados eram nossos pais.
- Você estava no seu direito Eva, veio em busca da verdade e de vingança, em seu lugar acredito que faria a mesma coisa, porém erraria em um sentido, não esperaria a verdade, apenas mataria sem olhar para trás. - Royal diz observando Eva com seriedade.
- Vocês não conheceram Eva quando pequenos, pois era o desejo de Donatel e Frank que somente eu tivesse contato com ela, assim evitávamos conflitos internos. Nenhum de vocês podia se apaixonar e se aproximar já que ela estava destinada a mim - Explico e retiro o papel dobrado em formato de carta de dentro do bolso interno do terno entregando para Eva. Seus olhos receosos observam o envelope com atenção e com a mão trêmula ela segura o envelope. - Esse é o nosso verdadeiro contrato de casamento. Quando você completou dezesseis anos se tornou oficialmente minha esposa já que seus pais assinaram para isso.
Vejo Eva abrir o papel correndo os olhos rapidamente pela escritura, seus dedos trêmulos tocam a assinatura dos pais no fim da folha e a emoção toma seu semblante fazendo meu peito se apertar.
- Ivi... -Sussurro e ela volta seus olhos para os meus enxugando rapidamente algumas lágrimas que escapam.
- Desculpa. - Sorri envergonhada passando as mãos pelas bochechas.
- Quem lhe deve desculpas sou eu Ivi, pois mesmo recusando matar sua família, Donatel não me deu muitas opções ou seguia suas ordens ou meus irmãos pagaria no lugar. Não me importava em pagar com meu próprio corpo, mas desta vez ele usou meus irmãos e se eu não concordasse com seus planos, ele mataria cada uma deles na minha frente e logo em seguida torturaria você. Não quis acreditar, recusei achando que ele não seria capaz de matar os próprios filhos sendo que era benéfico para ele quatro homens no poder, mas estava enganado. Ele nunca se importou conosco de verdade, só se importou com o poder e com o nome que tinha a zelar. Para provar que não estava brincando torturou os meus irmãos na minha frente sem que eu nada pudesse fazer e quando percebi que ele realmente mataria os três, aceitei a proposta com uma única condição, que ele não encostasse em você e a deixasse livre, mas meu erro foi acreditar no diabo de olhos fechados.
- Não posso acreditar. - Max arregala os olhos surpreso. - Naquele dia você não moveu um único músculo em nosso favor. - Max nega com a cabeça decepcionado. - Eu te culpei por anos irmão, me perguntei por que você não nos defendeu, por que não interferiu por Jack que ainda era tão pequeno e não tinha idade para passar por aquilo, mas agora compreendo tudo.
- Naquele momento estava sendo forçado e usado, não queria ceder às vontades de Donatel, mas se eu continuasse em silêncio ele mataria vocês e naquela época a morte de familiares não era uma regra a ser seguida.
- Essa regra só favorece quem está no poder, nos forçando a abaixar a cabeça para nossos superiores e segui-los em silêncio. Somos forçados a não matar um superior e esperar a vontade dele em entregar o trono. - A expressão sombria de Royal faz jus a cada sentimento obscuro dentro de nós.
O sentimento de raiva, incompreensão, vazio e solidão, de ódio, rancor, ira e fúria que só crescia ainda mais em nosso interior.
- Royal tem razão Dante, mesmo você estando no poder não pode ir contra as ordens de Donatel por ele ainda ser nosso superior e mesmo suas palavras tendo o mesmo peso que a dele, se ele discordar de algo que você faz ou fez, a decisão dele se sobrepõe a sua por ser mais velho e ainda estar vivo. Essa regras feitas pelos nossos avôs são patéticas. - Max não esconde o ódio e ressentimento dos nossos familiares.
- Não adianta discutirmos sobre isso, foi votado e assinado, não seremos nós a ir contra algo tão grande, além do mais não ganharíamos essa batalha, pois é cômodo e conveniente para os velhotes. - Apoio as mãos no encosto da poltrona expondo a verdade. -Não é conveniente nos envolvermos com algo tão grande com Donzel esperando um deslize de nossa parte, afinal, isso geraria polêmica e pode abalar alianças fiéis que discordem com nossos atos. Seria imprudência da nossa parte deixar que isso aconteça debaixo dos nossos narizes dando a possibilidade de Donzel atacar sem medo já que nossas alianças estariam enfraquecidas.
- Dante tem razão. - Jack resolve dar um parecer em meio a sua passividade sobre a situação. - Não adianta tentarmos mudar as regras principais, temos apenas que dar um fim no homem que chamamos de pai de uma maneira que pareça natural ou simplesmente vamos ter que forçá-lo a quebrar as regras para o bem de todos.
- Não vamos soltá-lo para deixar que ele quebre as regras - Royal afirma com convicção.
- Não mesmo - Max balança a cabeça em negativo.
- Não estou falando de soltá-lo, estou apenas dizendo que precisamos tirá-lo dos nossos caminhos ou ele nos destruirá. Vocês sabem que para Donatel somos apenas peões manipuláveis. A partir do momento que ele perceber que perdeu nosso total controle, investirá pesado contra nós, pois para ele mais vale morrer demonstrando poder do que sucumbir por nossas mãos. - Jack se levanta passando as mãos no cabelo.
- Jack está certo, veremos o que podemos fazer o quanto antes - Max diz.
- A verdade é que deveríamos ter deixado Eva matá-lo quando teve a chance. - Royal diz.
- Isso não importa no momento, o que importa é que estamos aqui e juntos resolveremos o que será melhor para todos. - Eva se levanta segurando os papéis com certa força. - Não podemos mudar o passado, mas podemos mudar o futuro.
A sua frase pega todos de surpresa inclusive eu, pois aquela visão otimista dos fatos não fazia parte do nosso mundo ou de nós.
- O que foi? Disse algo errado? - questiona percebendo o choque estampado no rosto dos meus irmãos.
- Não temos essa visão esperançosa que você tem Eva, tendemos a analisar tudo o que pode acontecer de ruim e não o que pode acontecer de bom - Max explica.
- Temos que nos apegar às esperanças que nos restam, afinal o que seria de nós sem elas? - Eva balança os ombros e compreendo seu ponto de vista, para ela era simples ver o mundo em cores e cheio de vida, para nós que fomos privados disso não é tão simples.
- Você é engraçada, estranha mas engraçada. - Royal diz a observando com curiosidade e sei que ele vê em Eva o nunca viu em ninguém.
Perseverança e obstinação.
- Tenho alguns assuntos para resolver, discutimos sobre Donatel em outro momento - Royal se levanta e sai da sala atendendo uma ligação e Jack aproveita para se levantar, mas nego indicando que ele permaneceria ali.
- O que foi? Não está satisfeito com a reunião familiar? - Jack provoca, mas ignoro.
- Precisamos conversar.
- Para quê? Não bastou toda sua história? O que quer mais irmão? Terminar o que começou no passado? - Jack não mede suas palavras atingindo um ponto frágil demais que me faz recuar por um momento.
- Jack... Você está indo longe demais - Max o repreende e ante que possa dizer algo Eva se levanta irritada.
- Estou decepcionada com você Jack. Aonde foi parar aquele homem carismático e cheio de atitudes que conheci ao chegar aqui? Não desconte sua raiva em quem faz de tudo para protegê-lo, você não é esse moleque mimado e mesquinho que está se mostrando. - Vejo sua expressão de indiferença morrer diante das palavras de Eva. - Está culpando Dante pelas atitudes de Donatel.
- O que você sabe sobre nós? - ele questiona.
- O suficiente para saber que você não é essa pessoa que fica distribuindo ódio gratuito entre seus irmãos. Você é melhor do que essa casca que está criando para afastar a todos.
- Compreendo toda a sua história, mas defender o homem que lhe acertou um tiro no peito é um pouco... - Antes de terminar a frase Eva desfere um tapa em seu rosto.
- Sim, defendo o homem que atirou na tentativa de me proteger, pois sei que no passado ele foi tão vítima quanto você está sendo agora, e mesmo você sabendo que ele está fazendo de tudo para ajudá-lo, e que ele não pode mudar a sua situação, você insiste em machucá-lo para tentar amenizar o seu egoísmo, então sim Jack, eu defendo e vou continuar defendendo Dante.
Jack leva a mão ao rosto surpreso com a atitude de Eva.
- Você é melhor do que isso, Jack. Estou decepcionada por te admirar tanto.
Jack abaixa a cabeça sabendo que passou dos limites, mas ao erguer o olhar me prontifico em afastar Eva e tomar o seu lugar, pois sabia que não estava agindo com razão e sim com a escuridão das emoções que o tomavam deixando seu olhar sanguinário o suficiente para atacar.
- Vocês acham que sabem de alguma coisa, mas na verdade não sabem nada. Julgar e apontar é fácil, mas não sabe do que terei que abrir mão para concluir a porcaria do desejo daquele velho. - Cospe com tanto ódio e dor que me preocupa seriamente.
- Se não sabemos é porque você não permite, pois sempre estivemos aqui por você. - Eva conclui e Jack ri com escárnio.
- Jack vá tomar um banho, pois está fedendo a álcool e suor, antes que fale algo que se arrependerá depois, você tem um imenso respeito por Eva e sabe disso, não ataque ela sem motivos, compreendo toda a sua revolta e você sabe que estou tentando fazer tudo ao meu alcance para reverter a situação, mas não é tão simples assim.
Mesmo alterado pela bebida o que era visível ele presta atenção em cada palavra e volta sua atenção para Eva com pesar. O que fazia Jack respeitar tanto Eva eu também não sabia, mas ele tinha uma grande admiração por ela para recuar daquela maneira.
Sem dizer mais nada ele baixa a cabeça e sai do quarto nos deixando ali, Max ainda observava tudo em silêncio e apoio a mão na testa sentindo minha cabeça doer.