Ele sabe que eu não gosto disso, prezo pela privacidade, mas mesmo assim tanto ele quanto a minha mãe parecem fazer isso apenas para me tirar do sério. Respiro fundo e me sento na cama, ele adentra mais o meu quarto, o olho rápido e me surpreendo em não vê-lo vestido em seu terno, sua roupa é uma camisa polo azul marinho e uma bermuda bege, com uma sandália. Não é um visual comum, ele sempre está dentro de seu terno com seus cabelos perfeitamente alinhados.
- Oi, pai - respondo baixo, mas sei que ele escutou.
Ele senta ao meu lado na cama, curva a coluna e apoia seus cotovelos nos joelhos e seu queixo em suas mãos.
- A alguns dias, a senhora Lueni veio falar comigo preocupada com você - ele dá uma pausa e respira fundo - Você meu filho, é alguém que me enche de orgulho, é educado e inteligente, nunca se meteu em nada de errado e nunca se desfez de ninguém, eu te amo por demais, então, se está sofrendo com algo, me procura filho, além de seu pai, sou o seu amigo.
Ele sai de sua posição inicial e me olha nos olhos, eu sei que ele me ama, eu também o amo muito, meu pai é sentimental, sempre que pode, tanto ele quanto a minha mãe fala que me ama, o amor que recebo de meus pais é algo que graças a Deus tenho de sobra. Respiro fundo, será que é agora que finalmente vamos ter a conversa sobre garotas? Sinto as pontas dos meus dedos gelar, estou nervoso e envergonhado.
- Eu... - dou uma pausa e respiro fundo, busco coragem do fundo do meu ser - Gosto de uma garota - digo rápido e desvio o olhar.
Não tenho coragem de olhar para meu pai, nunca conversamos nada do tipo.
- Muito bom filho, quantos anos ela tem?
- Dezessete.
- É bonita? Qual o nome da escolhida? - é possível sentir a animação em sua voz.
- Nunca vi mais bela, ela se chama Aya... Aya Millenis - aperto com força os lençóis da cama ao me confessar.
- Por essa eu não esperava, meu filho gasta da filha caçula do meu amigo. Nada mal, Aya é realmente linda e muito educada. É uma boa escolha, filho - meu pai me dá dois tapas nas costas, eu deveria sorrir e ficar feliz com suas palavras, mas tudo o que faço é apenas olhar para o chão e segurar as lágrimas que tentam umedecer meus olhos - Já se declarou para ela?
Essa pergunta faz meu coração se quebrar em mil pedacinhos, a imagem dela com Leandro conversando na escada vem em minha mente me deixando ainda mais cansado, eu sequer tive a oportunidade de dizer um olá para ela.
- Eu não tive oportunidade, e ela se declarou para outro.
- Então ela está namorando...
- Eu não sei, não fiquei para ver a resposta.
Silêncio, é isso que recebo para a minha surpresa, esperava que ele viesse com um longo discurso, mas nada disse, e agradeço por isso, duvido que ele pudesse fazer algo para me ajudar.
- Que tal irmos comer pizza e jogar hóquei no gelo? - pergunta me dando um leve empurrão no ombro.
Se estou com vontade? Não, não tenho nem um pingo de vontade de sair desse quarto, mas ficar aqui dentro não vai deixar a realidade menos dolorosa. Sorriu fraco e aceno positivamente para meu pai.
- Vai lavar essa cara e vamos - fala se levantando da cama.
- A mãe não vai brigar por a primeira refeição ser pizza?
- Se você não contar, eu também não conto - pisca para mim e sai do quarto.
Balanço a cabeça, só meu pai mesmo pra me obrigar a sair dessa fossa. Respiro fundo e em um pulo me levanto da cama, vou para o banheiro, escovo os dentes e lavo o rosto. Vou jogar hóquei em pleno verão, só meu pai mesmo.
Pego minha carteira em cima da mesa do computador e a guardando dentro do bolso da bermuda saio do quarto. Chegando na sala meu pai me espera na porta segurando as chaves de seu carro.
- Vamos aproveitar, você vai começar a praticar o valente - ele joga as chaves pra mim, pego.
- Certeza? - pergunto com uma sobrancelha erguida.
- Claro, você já está com dezoito anos, precisa tirar carteira!
Sorriu e passo primeiro pela porta, sinto a adrenalina percorre por todo o meu sistema nervoso, minhas mãos coçam, já perto do carro, um tesla modelo S de cor preta, sempre quis dirigi-lo mas sempre que pedia meu pai dizia que ainda não estava na hora, então resolvi esperar e agora finalmente a hora chegou.
Sento no banco do motorista e pressiono a chave, meu pai entra no banco do motorista.
- Precisa de alguma orientação? - pergunta sorrindo.
Sorriu também e sem responder começo a colocar o carro para se locomover. A sensação do volante em minhas mãos é muito boa, tenho vontade de acelerar ainda mais o carro, mas me contenho, se eu o fizer meu pai nunca mais deixa eu tocar em nenhum carro.
As ruas estão tranquilas, a velocidade do carro não passa dos sessenta quilômetros por hora, abro os vidros e sinto o vento quente de verão soprar contra minha face me deixando estagnado.
- Vejam só, já pode tirar a carteira filho - comenta e dá dois tapinhas em minhas costas demonstrando seu orgulho.
- Sim, me sinto como um motorista profissional - riu da minha própria graça e meu pai também.
Não demora muito, em menos de dez minutos já estou estacionando o carro no estacionamento em frente a pizzaria, saímos do carro e entramos no ambiente. O cardápio já está sobre a mesa, escolhemos uma pizza de frango com queijo. Minha preferida, bebemos refrigerante de laranja e rimos bastantes com lembranças e história de quando meu pai ainda era criança.
- Filho - ele me chama parando de rir, dou um gole no refrigerante para engolir o pedaço de pizza.
- Sim - respondi limpando a boca.
- Esse ano você se forma, já sabe que curso vai fazer na faculdade?
Meus pais sempre me falaram que eu poderia fazer o curso que eu mais me identificasse, que eu não precisava atender as expectativas de me tornar um executivo como o meu pai, o pai do meu pai, o pai do pai de meu pai, e assim por diante. Mas, nunca pensei em nenhuma profissão, apesar de me achar inteligente, nunca tive paixão por nada, então, por que não seguir o exemplo de meu pai?
- Vou cursar administração pai - digo e dou um pequeno sorriso.
O sorriso que meu pai dá é enorme, sei que ele aceitaria qualquer curso que eu falasse, mas saber que seguirei os passos dele o deixou extremamente feliz, e isso me deixa feliz também, ele sempre fez tudo o que pode por mim. E eu já ouvi uma vez ele conversando com a mamãe que apesar de aceitar qualquer profissão que eu escolhesse, ele gostaria que eu seguisse seus passos e no futuro permitisse que ele se aposente deixando tudo em minhas mãos para curtir as viagens com a minha mãe.
- Fico feliz meu filho, sei que será um profissional excelente! - ainda sorrindo volta a comer a sua pizza.
Também volto a comer a minha, agora eu me sinto mais aliviado, minha mente está tranquila e isso é muito bom.
[ Cristine Millenis]
- Bom dia, filha - mamãe beija minha testa ao entrar na cozinha.
- Bom dia! - respondo e termino de passar o requeijão no pão.
- E a faculdade? - ela se senta na mesa e começa a preparar seu café também.
- Está indo muito bem, minhas notas altas como sempre - falo e mordo o primeiro pedaço de meu pão.
Apesar da mãe ser carinhosa, ela é muito exigente, notas baixas, falta de educação, reclamações, escândalos e por assim afim, são coisas que nem ela e nem o papai aceitam de jeito nenhum, para eles a imagem é tudo, e ser perfeito é nada além que uma mera obrigação.
- Bom dia! - Aya fala se sentando na mesa também.
- Bom dia! - apenas eu retribuo seu cumprimento.
- Já recuperou as notas em filosofia e geografia? - e lá vamos nós em mais uma discussão entre elas.
- Já fiz os trabalhos e estou à espera dos resultados mãe - Aya responde baixo e pega um pão na cesta.
- Espero que não nos envergonhe com mais notas baixas em seu boletim, não pagamos escolas para....
- Eu sei mãe, já disse que vou recuperar as notas, está bem? - Aya interrompe a fala da mamãe.
Por algum milagre aquela conversa acabou ali, a mãe e o pai estão irritados com Aya, suas notas nem chegaram vermelhas, foi oito e meio, mas nossos pais não admitem notas abaixo de nove e meio. Suspiro, é cansativo essa vida, Aya parece tão desligada e na vista de meus pais parece sempre que ela está os afrontando, até às sociais da empresa onde trabalham pararam de levar ela, a última vez ela derramou suco na roupa e meus pais acharam isso vergonhoso. Bem, não posso fazer nada, tudo o que me resta é tentar ser o melhor possível.
Minha relação com ela esfriou depois que entrei na puberdade, mas quando tentei me aproximar, foi a vez dela de entrar nessa montanha russa de emoções, contudo isso não faz eu deixar de amá-la, ela é a minha irmãzinha, a qual irei amar para sempre, pois somos só nós duas, e o dever da mais velha é cuidar da mais nova.
- Tchau mãe, tchau Aya - me despeço e pego a mochila que estava pendurada na minha cadeira e saiu de dentro de casa.
Pego as chaves do meu carro e entro nele, dou partida e sigo para a universidade.