RECOMEÇO - O que fazer quando a vida nos mostra dois caminhos?
img img RECOMEÇO - O que fazer quando a vida nos mostra dois caminhos? img Capítulo 5 O reencontro
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Capítulo 6 Na berlinda. img
Capítulo 7 Revelações. img
Capítulo 8 O quê img
Capítulo 9 O quê - parte II img
Capítulo 10 A feira anual. img
Capítulo 11 Revelando detalhes img
Capítulo 12 Primeiro dia de aula img
Capítulo 13 Sala dos professores img
Capítulo 14 Visita a fazenda Alonso img
Capítulo 15 Surpreendida! img
Capítulo 16 Desnorteada. img
Capítulo 17 Lutando contra os sentimentos. img
Capítulo 18 Desabafo. img
Capítulo 19 O pedido img
Capítulo 20 A hora da verdade. img
Capítulo 21 Benjamim. - Encarando a realidade. img
Capítulo 22 O baile dos calouros. img
Capítulo 23 O susto. img
Capítulo 24 A vida voltando ao normal. img
Capítulo 25 O casamento. img
Capítulo 26 Casamento - parte II img
Capítulo 27 Casamento - parte III img
Capítulo 28 Decepcionada. img
Capítulo 29 Exigindo explicações. img
Capítulo 30 O grande dilema. img
Capítulo 31 Colocando às cartas na mesa. img
Capítulo 32 Epílogo - Surpresa de Natal. img
Capítulo 33 Epílogo - Surpresa de Natal parte II img
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Capítulo 5 O reencontro

O meu primeiro despertar em Monte Verde começou com o doce e belo canto dos pássaros. Parece um pouco clichê o que acabei de dizer, mas eu não poderia descrever as manhãs na vila de um modo melhor.

Durante um bom tempo, fico deitada na cama escutando o cantarolar do bem-te-vi, do bigodinho mineiro, do canário... e do inconfundível corrupião com seus acordes diferenciados. Fico feliz em saber que, mesmo eu morando tanto tempo longe daqui, ainda consigo identificar o som de alguns com clareza. Sem me preocupar com horários a cumprir, espreguiço-me o bastante, a ponto de sentir que já estou pronta para mais uma jornada do dia. Só então, eu me levanto e vou para o banheiro. Depois de tomar uma ducha e colocar o short e minha camiseta básica preferida, eu saí do quarto. Em poucos minutos eu já estou de pé na varanda, segurando uma caneca de café e, gole após gole, sigo apreciando a vista. O cheiro do orvalho misturado ao seu aroma, me trouxe lembranças maravilhosas da minha infância e dos períodos de férias, quando eu vinha para cá com minha família.

Eu ficaria morando com meus filhos na casa ao lado, que um dia foi de Dominique, quando ele ainda estava casado. Depois do divórcio, ele voltou a morar com nossa mãe e a casa permaneceu trancada. Até agora. A construção é rústica, como na maioria das casas dessa região, e fica ao lado da casa da mamãe. O sítio é grande e nele existe, além das duas casas, uma piscina na parte mais baixa do terreno e na parte mais alta uma grande oficina, onde meu irmão trabalha em seus projetos da loja.

Dominique tem formação em arquitetura, mas o que ele mais ama fazer, de coração, é trabalhar no fabrico de móveis. Ele acha maravilhoso saber que cada móvel em especial, dará vida nova a um ambiente. E sempre que é solicitado por um cliente, Dominique realiza algum trabalho como arquiteto.

O caminhão de mudança chegou bem cedo, como previsto. Pontualmente às oito horas. Os funcionários da transportadora nos ajudaram colocando cada coisa no seu devido lugar, à medida que iam descarregando. E depois de tomarem um café da manhã reforçado, em forma de agradecimento pelos serviços prestados, eles partiram. Passamos o dia arrumando e organizando tudo: as camas, as roupas dentro dos armários, louças, panelas...

Deus do céu! Nunca imaginei que mudança fosse algo tão trabalhoso. Essa foi a experiência mais cansativa que tive em anos. Reneguei completamente.

À tarde, após o almoço – e depois de me dar uma grande força na arrumação da casa. – Dominique precisou ir para oficina, porque alguém viria pegar algo ou ver algum trabalho que ele estava desenvolvendo.

Eu havia dispensado Benjamim do compromisso de me ajudar para tomar conta da irmã. Manuela é uma menina muito sapeca e eu não queria que por um descuido nosso, ela viesse a se machucar. Por isso, se fez necessário dispensá-lo, porque Ben era o único que podia vigiar a irmã nesse momento. Quando o assunto é Manuela, Benjamim é a pessoa certa para colocá-la nos eixos.

E ficamos somente eu e mamãe, terminando o que faltava.

Perto do final da tarde a casa já estava toda arrumada e finalmente eu pude respirar um pouco.

Lá por volta das cinco horas, – depois de tomar um bom banho e me livrar de toda aquela poeira da arrumação – eu estava passeando pelos arredores do sítio de mãos dadas com minha filha, e fiquei admirando seus cachinhos dourados saltitando sobre os ombros, à medida em que ela pulava.

Sinceramente, eu não sei de onde essa menina tira tanta energia. – Penso, admirada com a capacidade que Manuela tem de se superar.

Ela passou o dia todo correndo pelo jardim, enlouquecendo o irmão com sua hiperatividade e uma hora dessas ainda está desse jeito, pulando e pulando, como pipoca na panela. Até parece uma bolinha de energia inesgotável e constante.

Sorrio para ela quando seus olhos cheios de alegria encontram os meus.

De longe, - num ponto mais alto do terreno - avistei o grande galpão de alvenaria coberto com telhas coloniais. As luzes estão acesas. Percebi que Manuela também se deu conta do lugar, quando ela soltou a minha mão e saiu correndo em disparada.

- Manuela espere! – grito e corro atrás dela. - Não corra tanto menina!

A porta da oficina está completamente escancarada, facilitando assim, a entrada triunfal e escandalosa de minha filha.

- Tio Dom, tio Dom! – ela entrou aos gritos chamando meu irmão.

Eu entro logo em seguida, esbaforida, e quase sem fôlego.

- Manu, vá mais devagar. Desse jeito você pode se machucar e...

De repente, paro de falar assim que vejo o homem - que antes conversava com meu irmão - virando para mim.

Ele me encara. Eu fico sem jeito. Não sei onde enfiar a cara de tanta vergonha.

Permaneço parada na entrada da oficina, totalmente sem ação. Por um momento, só nos olhamos a distância, não parecendo nada. Achei algo familiar em seus olhos castanhos. Era como se já os tivesse visto em algum lugar, mas não lembrava onde.

Vejo de relance Dominique conversando com Manuela. Eles estão atrás de uma enorme mesa de madeira, com inúmeros objetos de trabalho espalhados sobre ela.

- Desculpem a intromissão... – digo, toda sem graça, e me justifico. - É que minha filha é muito levada.

- E pelo que vejo, mais rápida também. – Rebate o homem, olhando para mim com diversão.

- Err... – respondo, constrangida.

Automaticamente pairou um silêncio em todo ambiente. Todos nós ficamos sem dizer uma só palavra. Só ouvíamos o som ensurdecedor que Manuela fazia com uma peça de madeira, que mais parecia uma matraca pelo barulho que fazia. Olho rapidamente para o objeto em sua mão e percebo que se trata mesmo de uma matraca. Imagino que Dominique tenha dado de presente a Manu, quando ela entrou na oficina. Tudo em volta parecia ter perdido o sentido para minha pequena, a partir do momento que ela ganhou aquele brinquedo barulhento.

Volto a olhar para o homem de pele clara, cabelos e olhos castanhos, firmes, e com uma charmosa covinha bem no centro do queixo.

Ele ainda está me encarando.

Meu Deus! Onde foi que eu já vi esse rosto?

Os olhos de Dominique passam de mim para o homem sem parar.

Afirmo que isso já está me aborrecendo.

Aí então, meu irmão finalmente decidiu falar:

- Su... Você não lembra dele? – Perguntou surpreso.

Balanço a cabeça algumas vezes, fazendo uma expressão negativa no rosto.

- É Miguel! – exclamou ele, tentando refrescar minha memória.

- Miguel? – Repito, franzindo de leve a testa, tentando me lembrar de quem ele estava falando.

E os olhos do suposto Miguel continuam fixos em mim.

- Da fazenda Alonso. – Acrescentou Dominique.

Então, uma vez passado o impacto e o embaraço, como num estalar dos dedos, minha mente volta a funcionar. Levanto as sobrancelhas, surpresa, por finalmente lembrar quem ele é.

O sorriso em seu rosto me revela que ele gostou de ser lembrado.

Ora, ora! Quem diria que depois de tantos anos, o famoso amigo arteiro do meu irmão estaria parado bem aqui, na minha frente. - Reflito, encarando o homem diante de mim. - Quando criança, ele vivia atormentando a minha vida. Andava com meu irmão o tempo todo, de um lado para o outro, tomando banho de rio, empinando pipa e fazendo todo tipo de arte que se possa imaginar. Esses dois eram incontroláveis, porém, Miguel Alonso era o pior! Ele implicava comigo, caçoava de mim, e sempre que podia me assustava com os bichos nojentos que trazia do rio.

Aaaah!

Eu fiquei tão irritada quando ele fez aquilo. Minha maior vontade era a de bater nele, mas meu corpo franzino não era páreo para um moleque tão travesso. E pensando bem, acho até que ele só pegava no meu pé, porque eu era pequena e magrinha. Coisa que não mudou muito com o passar do tempo.

Uma das minhas maiores alegrias foi quando ele decidiu sair do país, e isso aconteceu, assim que ele completou dezoito anos de idade. Segundo Dominique, ele tinha dito que iria estudar na Inglaterra, porque já estava cansado de viver aqui. Nessa época, eu reconheço que sua implicância comigo havia diminuído bastante. Mas juro que quando ele foi embora eu agradeci aos céus, por finalmente me ver livre desse... Problema ambulante.

Daí por diante, eu só ouvi falar dele quando visitava Monte Verde com minha família. Meu irmão fazia questão de me mostrar os cartões postais e os presentes caros que o amigo enviava da Europa para ele. Miguel viveu no exterior por muitos anos e foram raras as vezes que ele voltou ao país.

Eu sempre pensei que, como ele era o único filho dos Alonso e herdeiro de todo patrimônio, Miguel deveria ter sido mais agradecido e visitado os pais mais vezes. Mas, eu não sabia o que havia por trás de tudo isso, e também me convenci de que esse assunto não era da minha conta.

A única coisa que eu tinha certeza, era que a família Alonso possuía riquezas imensas: terras, imóveis espalhados por toda cidade, no exterior... e a grande fazenda histórica onde, certamente, Miguel morava atualmente. Essa propriedade fica a, aproximadamente, um quilômetro de distância do nosso sítio.

Lembro-me que quando Dominique era menino e fugia para lá, mamãe ficava uma fera. Sorri, ao recordar que na maioria das vezes, era eu quem entregava ele a nossa mãe.

Miguel não desviou o olhar de mim nem por um minuto, e continua exibindo aquele sorriso debochado que eu conheço muito bem. Eu me sinto invadida de alguma forma, porque tenho a sensação de que ele pôde ouvir meus pensamentos. E é neste instante, que eu chego à conclusão de algo que nunca passou pela minha cabeça, oca, de menina: que com certeza Miguel Alonso me odeia!

Mas agora, a coisa é diferente. Ele não está mais diante daquela menina inocente, e sim, de uma mulher madura, por isso, não vou deixá-lo me intimidar. Tento dar uma de durona, empinando o queixo e encarando ele com mais firmeza.

- Tudo bem com você, Susan? – perguntou ele calmamente. O seu tom de voz não saiu tão atrevido como antes.

Sem insultos! - penso, impressionada.

Fico relutante, por não saber que tipo de jogo ele está fazendo agora, pois sei que Miguel tem o mau hábito de me provocar nas mínimas coisas. E mesmo não entendendo a mudança do seu comportamento, baixo a guarda por um momento.

- Sim. – Respondo cautelosa e sorrio para não parecer indelicada. - Desculpe Miguel... Faz tanto tempo que não nos vemos que não te reconheci, e você está tão... Diferente.

De fato, ele agora está bem diferente daquele menino que eu conheci no passado. Tem certa hombridade em seu jeito de agir e se comportar, que deixa com uma aparência máscula e viril. Noto também que o tempo lhe favoreceu muito, pois, o menino magro que vivia sempre suado e de cabelo bagunçado correndo pelo sítio, hoje, se transformou em um homem bonito. Tento ser o mais discreta possível, quando rapidamente examino ele de alto a baixo, e confirmo: muito bonito por sinal. Se não me falha a memória, ele tem a mesma idade que Dominique - hoje, com quarenta e dois anos - e os dois são apenas um ano mais velhos que eu.

- Desculpas aceitas. – diz ele, dissipando os meus pensamentos e me trazendo de volta a realidade.

Vejo em seu olhar que ele notou que eu o observava, mas teve a decência de disfarçar.

- Você também, está bem diferente daquela menininha que conheci anos atrás.

- E bem mais esperta agora. – Respondo de imediato me defendendo.

A gargalhada dele ecoou por todo o ambiente, chamando a atenção de Manuela. Ela o olhou intrigada, sem entender o que fez ele agir daquele jeito. Mas logo em seguida ela deu de ombros, e voltou sua atenção para o brinquedo em suas mãos.

Miguel tem mesmo o dom de me irritar e fazer eu me sentir acuada!

Forço mais um sorriso, agora completamente sem graça, por conta do seu comportamento descabido.

Enquanto isso, Dominique só nos observa.

- E então... - começo dizendo, desconcertada, enquanto aliso meu antebraço para disfarçar minha inquietação. – O que você tem feito da vida?

- De tudo um pouco. – E não diz mais nada, apenas me olha da cabeça aos pés, me examinando por completo.

Miguel observa meu corpo lentamente, sem revelar um único pensamento, e quando finalmente seus olhos encontraram os meus, um olhar de aprovação aparece em seu rosto e seu sorriso revela que tudo que ele viu, lhe agradou muito.

Sinto meu rosto corar.

Sinto-me invadida, e fico constrangida por ele ter dado uma conferida de maneira tão óbvia. Toda sem jeito, desvio o olhar para minha filha e estendo a mão, chamando-a para perto de mim.

- Vamos Manu, já está tarde. Vovó deve estar nos esperando para o jantar.

Manuela dá um beijo na bochecha do tio e passa por Miguel saltitando. Seus olhos seguem o caminho que os passos de minha filha fazem, até chegar onde estou.

Segurando a mãozinha dela, levanto o meu olhar para encontrar mais uma vez o dele; então, eu me despeço.

- Foi um prazer revê-lo Miguel.

- O prazer foi todo meu. – Sua voz soou doce e sincera, quando acrescentou: - Fico feliz que tenha voltado.

Pela primeira vez na vida, em todo esse tempo que conheço o Miguel Alonso, não me sinto afrontada por ele. Pelo contrário, noto sinceridade em suas palavras de boas-vindas.

Eu aceno a cabeça num gesto agradecido e me viro para ir embora.

Prestes a alcançar a porta e com Manuela segurando a minha mão, eu me divirto ao ver novamente a forma como seus cachos loiros ficam saltando em seus ombros, enquanto ela caminha dando pulinhos.

- Susan! - Escuto Miguel me chamar. Paro de andar e me viro para vê-lo.

Olhando em minha direção, seus olhos brilhantes e provocativos pousam em meu rosto. Seu olhar me paralisa, me deixando confusa, e me fazendo sentir algo que há muito tempo eu não sentia: um frio alojar-se em minha barriga. A sensação foi real demais, eu sei disso, porque já tinha vivenciado coisas semelhantes.

Talvez... a carência desses últimos anos solitários estão me deixando sem juízo, e eu estou vendo coisa onde não existe. – Penso, assustada com o que acabei de experimentar.

- Ela se parece muito com você quando criança. – diz, apontando com a cabeça para minha filha.

- Ah! – Olho para Manuela, em seguida olho para ele novamente. - Sim. - Concordo. - Obrigada Miguel... tenha uma boa noite.

Ele só assente, cordialmente, com um sorriso e eu saio.

                         

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