RECOMEÇO - O que fazer quando a vida nos mostra dois caminhos?
img img RECOMEÇO - O que fazer quando a vida nos mostra dois caminhos? img Capítulo 3 O retorno
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Capítulo 6 Na berlinda. img
Capítulo 7 Revelações. img
Capítulo 8 O quê img
Capítulo 9 O quê - parte II img
Capítulo 10 A feira anual. img
Capítulo 11 Revelando detalhes img
Capítulo 12 Primeiro dia de aula img
Capítulo 13 Sala dos professores img
Capítulo 14 Visita a fazenda Alonso img
Capítulo 15 Surpreendida! img
Capítulo 16 Desnorteada. img
Capítulo 17 Lutando contra os sentimentos. img
Capítulo 18 Desabafo. img
Capítulo 19 O pedido img
Capítulo 20 A hora da verdade. img
Capítulo 21 Benjamim. - Encarando a realidade. img
Capítulo 22 O baile dos calouros. img
Capítulo 23 O susto. img
Capítulo 24 A vida voltando ao normal. img
Capítulo 25 O casamento. img
Capítulo 26 Casamento - parte II img
Capítulo 27 Casamento - parte III img
Capítulo 28 Decepcionada. img
Capítulo 29 Exigindo explicações. img
Capítulo 30 O grande dilema. img
Capítulo 31 Colocando às cartas na mesa. img
Capítulo 32 Epílogo - Surpresa de Natal. img
Capítulo 33 Epílogo - Surpresa de Natal parte II img
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Capítulo 3 O retorno

Janeiro de 2017.

Com os olhos firmes na estrada, eu reflito sobre as circunstâncias que me levaram a estar dirigindo esse carro agora.

O dia vinte e cinco de março de 2014, ficará marcado em minha memória para sempre.

Quando recebi a notícia que meu marido resolveu nos deixar de forma inesperada, o meu mundo virou inteiramente de cabeça para baixo, e isso afetou minha família de todas as maneiras. Juro que se pudesse, eu apagaria essa data de todos os calendários existentes no mundo.

E em meio a todo aquele processo que estávamos atravessando, eu senti a necessidade de saber a verdadeira causa da morte dele. Acabei descobrindo que, o que tirou Téo de mim, vinha ocorrendo com mais frequência entre jovens e adultos com menos de quarenta anos. A probabilidade de morte súbita nessa faixa etária, se tornou mais fácil e rápida do que no idoso. No caso do meu marido, o médico me explicou que esse tipo de infarto ocorre quando o fluxo do sangue para o coração sofre um impedimento súbito. Isso pode acontecer por causas de questões genéticas, aumento da pressão arterial ou mesmo por alteração dos vasos sanguíneos por causa de arritmias graves. Enquanto ouvia o doutor dando esclarecimento dos fatos, ao mesmo tempo eu refletia no estilo de vida que meu marido levava, principalmente, nos últimos dois anos. Então, constatei que minhas suspeitas e preocupação com o bem estar dele, tinham lá seus fundamentos. A vida corrida consumia todo seu tempo e por várias vezes, - e olha que não foram poucas - eu o alertei sobre seu lado inconsequente. Téo, teimoso como era, sempre se preocupou mais com os outros do que com ele mesmo. Essa era uma de suas qualidades que seria admirável, se o final não fosse tão trágico para todos nós. Pensar que sua atitude irresponsável nos levou a condição a qual eu me encontro hoje, me faz querer tirar Téo do túmulo e dizer-lhe um monte de desaforos, pois, era isso o que ele merecia ouvir por ter causado tanta dor.

E não falo só por mim, falo também por nossos filhos. Principalmente, Benjamim, que em meio ao caos que se instalou ficou arrasado, perdido, pois o pai era seu alvo de admiração. Na noite seguinte ao enterro, eu fui ao quarto do Ben para ver como ele estava e dar um beijo de boa noite. Eu o encontrei dormindo. Olhei para ele por alguns minutos antes de beijá-lo na testa. Não fui embora de imediato, porque algo me impulsionou a ficar ali por mais um tempo. Então, puxei a cadeira de sua escrivaninha, me sentei ao lado da cama e velei seu sono. Quando finalmente acordou e me viu, Ben começou a chorar e só falou do pai. Transtornado, ele deu início aos seus questionamentos, e quis saber: por que o pai tinha feito aquilo com a gente? Por que ele tinha nos abandonado daquela maneira? Nessas horas, parece fácil para quem está de fora encontrar - ou achar que encontrou – as palavras de conforto certas para dizer. Eu não as encontrei. Porque, não havia nada que eu pudesse falar naquele momento, que aplacasse a dor que meu filho sentia. Então, apenas me sentei ao seu lado na cama e o abracei. Tentei ser forte, fiz o possível e o impossível para confortá-lo; e ali, acabamos adormecendo.

Na manhã seguinte, eu acordei abraçada a ele. Ben repousava sua cabeça em meu ombro e, aparentemente, parecia mais tranquilo. Tirei com cuidado sua cabeça de onde estava e coloquei-a sobre o travesseiro. Antes de sair, fiquei em pé, parada ao lado da cama, olhando para meu menino. E as palavras de ódio que ele proferiu enquanto eu o estava consolando ficaram martelando em minha mente, e uma preocupação cresceu dentro de mim. Sentia-me sozinha, cansada, sem escapatória. Já tinha perdido meu Téo para a morte, não queria perder meu filho para o rancor.

Os últimos anos que seguiram, para mim, se tornaram desafiadores demais, e as dúvidas e os questionamentos de como eu conseguiria seguir em frente sem o Téo, me assustavam. Nos primeiros meses, eu preferi manter a ilusão de que ele estava em uma de suas viagens, e que, a qualquer momento, ele chegaria em nosso apartamento e me diria que tudo aquilo não passou de uma mentira. Era isso ou enlouquecer de vez! No entanto, o tempo foi passando e eu sabia que precisava ser forte o bastante para encarar o fato de que, agora, somos apenas uma pequena família de três.

E é por essa razão que estamos a caminho do interior. Estou retornando para a casa de minha mãe, com meus dois filhos: Benjamim, hoje com dezesseis anos e Manuela, que acabou de completar cinco aninhos há uma semana. Olho pelo retrovisor interno do carro e vejo minha menina sentada no banco de trás. Manu, brinca com a boneca bebê que acabou de ganhar de sua melhor amiga da escola. Ela acalenta a bebê contra o peito, como se estivesse ninando uma criança para dormir. O brinquedo foi um presente de aniversário, mas, basicamente, acabou se tornando um presente de despedida. Benjamim está sentado ao meu lado, no banco do carona. Quieto como sempre. Com a cabeça recostada no vidro da janela, ele olha a paisagem que passa rapidamente lá fora. Eu sabia que seu pensamento não estava nas árvores, nos animais ou em qualquer outra coisa que, supostamente, ele viu passando neste momento. Seu pensamento estava distante. Estava no pai e nas coisas que ele tinha deixado para trás.

Já se passaram quase três anos, mas a dor permanece tão intensa quanto no mesmo dia. Eu tento reprimi-la dentro de mim a todo custo, apenas para não ver meu filho sofrer mais do que já vinha sofrendo. Benjamim era muito apegado ao pai, e a perda tão repentina de alguém que ele tanto idealizava, acabou endurecendo um pouco o seu coração. Manuela ainda era muito pequena quando tudo aconteceu, e juro que não sei como explicar, mas a imagem do pai permanece viva em sua memória. Ela demonstra isso todas as vezes que vê uma fotografia e me pergunta por ele. E as feridas? Essas são abertas a cada momento que nos lembramos do Téo. Várias vezes eu me perguntei se algum dia elas sumiram, ou se para sempre seriam um infeliz lembrete.

Por diversas vezes mamãe me pediu para virmos morar com ela, e eu sempre relutei, por causa de Benjamin. Ele, de certa forma, procurava se distrair com os amigos. Mas eu? Eu não tinha ninguém... Apenas a saudade.

Não conto às vezes que à noite em meu quarto, sozinha, e de portas fechadas, eu me abracei ao travesseiro do meu marido e inalei seu cheiro. Eu desejava que ele estivesse ali, ansiava sentir de novo o seu toque, os seus beijos..., mas Téo não estava lá comigo. E o que me restava era somente chorar a sua ausência. Infelizmente, não existia um manual que me ensinasse a enfrentar tudo aquilo. Eu estava em modo de sobrevivência.

Procurei ocupar meus dias o máximo que pude, concentrando meus pensamentos em assuntos do trabalho, para tentar esquecer o que eu não podia mudar e não deixar a solidão me consumir. Peguei novas turmas, fiz curso de jardinagem, culinária... Nossa! Eu fiz coisas que jamais imaginei ter tempo de fazer, apenas para preencher a lacuna e poder esquecer a dor. Mas nada adiantou, porque o vazio continuava em cada cômodo da casa, em cada lugar que visitamos juntos e que passei a evitar... na nossa cama. Eu sabia que precisava fazer alguma coisa o quanto antes, senão, acabaria enlouquecendo. Eu precisava tomar uma atitude urgentemente! Por meus filhos... Por mim.

Tentei. Juro que tentei seguir em frente sem o Téo, mas não deu. Foi difícil me despedir do lugar onde construímos nosso mundo? Sim, foi. Naquele apartamento eu vivi os melhores momentos da minha vida. Lá nós planejamos sonhos, formamos uma família, vimos nossos filhos crescerem; no entanto, não dava mais pra continuar me iludindo. Naquele lugar, onde antes só havia alegria, hoje reinava apenas a tristeza e eu, realmente, tinha chegado ao meu limite. Só de pensar em pisar naquele apartamento de novo, fico com um nó no estômago.

Então, certo dia, depois do último telefonema de minha mãe, tomei a decisão de voltar para minha cidade natal. Eu tinha certeza, que no começo seria muito difícil para as crianças aceitar a ideia de mudança. Principalmente para Benjamim, que ao receber a notícia deixou claro para mim que era completamente contrário a ideia. No entanto, essa foi a minha escolha, e, definitivamente, o primeiro passo para dar um novo rumo às nossas vidas.

E pensando bem, hoje posso ver que a nossa estada na capital, depois da morte do Téo, durou muito mais tempo do que eu suportei.

Tiro uma mão do volante e de um jeito que Benjamim não veja, enxugo uma lágrima que corre em meu rosto.

Deixo a rodovia para trás e entro na estrada de asfalto. Estamos há horas na estrada e ainda faltam percorrer mais 30 km, até chegarmos à vila.

Dou mais uma olhada no retrovisor. Manuela está dormindo como um anjo. Olho de relance para meu filho - que continua com a cabeça encostada no vidro - e para quebrar o silêncio instalado entre nós, eu comento:

- Mais alguns minutos e estaremos na casa da sua avó.

Silêncio.

- Ouviu o que eu disse, Ben? – Pergunto, esperando uma resposta.

- Hum-Hum. – Ele expressou, desanimado.

Isso não foi bem a resposta que eu esperava ouvir, mas estava valendo por enquanto.

- O seu tio Dom deve estar ansioso por te ver. - digo com voz animada. - A última vez que viemos aqui foi nas férias de final de ano. Você tinha o quê? Uns treze anos se não me engano.

Tento animá-lo, fazendo-o lembrar de alguns bons momentos que tivemos na casa da avó, naquela época. Contudo, ele insiste em ficar calado e eu sei muito bem o motivo: após aquelas férias, três meses depois, perdemos o Téo.

Não aguentando mais o seu jeito desinteressado no assunto abordado, dou um suspiro longo e cansado.

- Ben. – Começo dizendo com voz baixa. Meu estado de ânimo já está esgotado. - Eu sei que mudança às vezes assusta, e também sei que você está chateado comigo, porque pensa que estou te afastando dos seus amigos. Mas preciso que você entenda meu filho, que continuar vivendo lá com tantas lembranças me cercando, estava ficando muito difícil e...

- Não é só pelos amigos. – Disse, me interrompendo, e me encarou zangado. Finalmente, vejo uma reação da parte dele. - Eu preferia estar lá com todas essas lembranças que tanto incomodam a senhora, do que me esquecer dele.

Ah, não! Isso sim já é demais! Eu tentei ser compreensiva, me mantive calma o tempo todo, e agora, esse moleque atrevido me vem com essa! Me acusando como se eu não tivesse amado ou sofrido também, ou, como se tudo que eu fizesse pela família não valesse nada. Seu comentário sem sentido me encheu de raiva e toda a calmaria com a qual eu estava tentando levar essa conversa à diante, foi pelos ares, e eu explodi.

- Nunca mais diga isso, ouviu Benjamim?! – Eu o repreendo severamente – Jamais volte a repetir isso de novo!

Aborrecido comigo, ele voltou o olhar para fora e ficou em silêncio. Esse é seu escape. O isolamento.

Às vezes, quando Benjamim me aborrece com esse seu comportamento infantil, posso ouvir a impaciência no meu tom de voz, e faço de tudo para não passar dos limites com ele. Porém, neste momento eu não me importo, porque o que ele acabou de dizer é completamente contrário à razão e me irritou muito. Definitivamente, estou cansada desse seu gênio forte.

Sinto a exaltação dentro de mim borbulhando como um vulcão que está prestes a entrar em erupção. Cerro os punhos, apertando o volante com força e por um instante mantenho-me imóvel, lutando contra minha irritação.

E em meio a raiva e a decepção, eu me pergunto: como ele pode pensar um absurdo desses, quando tudo o que eu fiz - e sempre farei, - é pensando no melhor para eles? Como pode pensar que o simples fato de mudarmos de cidade, vai apagar tudo o que eu vivi com seu pai, ou, tudo o que vivemos como família?

É difícil para mim saber que, por mais que eu me esforce em fazer o melhor, meu filho sempre será contrário a tudo o que faço. Ben vai dificultar as coisas. - penso de imediato e suspiro. - Sem dúvida que vai... e eu já posso ver que não vai ser fácil.

Com os olhos fixos na estrada, eu reflito sobre o que acabou de acontecer e reconheço que me excedi. Talvez, eu não devesse ser tão dura com ele, e sim, abrir seus olhos para a realidade em que nos encontramos agora. Benjamim precisa entender que muita coisa mudou, e que ele não pode mais continuar agindo como se somente seu umbigo fosse a coisa mais importante do mundo.

Olho de relance para ele e o vejo de cara amarrada.

Nessa hora, me dou conta de que preciso ter cuidado com meus rompantes. Tenho que manter a calma, porque, o que eu quero realmente é me aproximar do meu filho e não o afastar de mim.

Sinto um aperto no peito só de pensar nisso. Não. Afastar Benjamim de mim é a última coisa que eu quero nesta vida.

Inspiro profundamente e solto o ar dos pulmões em um suspiro.

Procuro manter o controle sobre minhas emoções e tento contornar a situação, falando com serenidade na voz.

- Ben... O fato de virmos morar no interior não diminui em nada o que vivemos com seu pai, muito menos, isso vai nos levar a esquecer dele. Esquecer seu pai é algo praticamente impossível! Vocês dois são a maior prova disso.

Ele não me responde. Apenas, mantém os olhos fixos lá fora.

E o silêncio segue por alguns minutos, que mais parecem horas.

- Olha. – Continuo dizendo - Eu sei que não está sendo fácil pra você e também não vou exigir que entenda isso agora; mas, será que você pode pelo menos tentar? – Peço educadamente.

Mais silêncio.

E a impaciência cresce dentro de mim.

Sem desviar o olhar da estrada, eu cobro dele.

- Quando chegarmos à casa de sua avó, me prometa que pelo menos vai se esforçar.

Olho para ele rapidamente.

Ben faz uma careta retorcendo o canto da boca – a mesma que o pai costumava fazer quando estava chateado com alguma coisa - e depois de alguns segundos pensativo, ele responde:

- Eu vou tentar.

Respiro aliviada.

            
            

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