Hoje faz um mês desde que o Adam se foi, minha mãe chorava muito desde que voltamos para casa e a única coisa que eu conseguia fazer era abraçá-la, sem muitas palavras, nesse momento não tinha muito o que dizer. Contar para o meu irmãozinho foi difícil, ele ainda é muito novo, mas saber que não veria o pai novamente o abalou. Minha mãe tem tentado ser forte, tentamos cuidar uma da outra para que juntas possamos fazer o melhor para o Brian, a professora dele conversou conosco na semana passada e disse que ele tem ficado muito sozinho, afastado das crianças e não se anima quando está no parquinho. Nós tentamos conversar com ele, mas sabemos que será difícil, Adam sempre foi muito presente, e não tê-lo mais em nosso dia a dia é muito doloroso. Precisei largar o studio, não conseguiria manter a casa e o aluguel, as meninas entenderam, e ainda mantenho contato com todas. Esperamos um dia conseguir voltar, aquele era nosso refúgio e se despedir não foi fácil para nenhuma de nós. Hoje tive o retorno da oportunidade de estágio do grupo Gonzalez, me chamaram para uma entrevista amanhã às nove horas da manhã, preciso muito conseguir essa vaga, as nossas despesas são altas e o dinheiro que tínhamos guardado está acabando, eu prometi para o Adam que cuidaria deles e preciso cumprir. Mamãe queria arrumar um emprego, mas eu pedi que esperasse a resposta do estágio, caso eu conseguisse, com um pouco de aperto, não precisaríamos que ela trabalhasse, não acho que seria bom para o Brian nesse momento que ela ficasse muito tempo fora de casa. Já está de noite, mamãe está preparando o jantar e chove muito, tem sido assim a semana toda, eu estou no quarto quando vejo Brian abrindo a porta e vindo em minha direção.
– Cecília, eu estou com medo, posso dormir aqui com você hoje? – Brian nunca gostou da chuva, Adam contava histórias pra ele até que ele dormisse.
–Claro que pode, nós vamos jantar e depois eu posso te contar uma história ou podemos assistir um filme até você dormir. Tudo bem?
– Sim, mas não quero jantar, minha barriga está doendo. – Brian diz. Nesse momento eu coloco uma das minhas mãos em sua testa e noto que ele está muito quente, com certeza está com febre, isso me deixa preocupada. Pego um termômetro e para o meu desespero minhas suspeitas se confirmam. Desço as escadas e aviso minha mãe que precisamos dar um banho gelado nele para que a febre não aumente. Já são duas horas da manhã e não consigo dormir, a madrugada está sendo difícil, a febre vai e volta a todo o momento, minha mãe queria levá-lo para seu quarto para que eu conseguisse descansar, pois hoje terei a entrevista, mas não dormiria sem saber que ele está melhor. Quando finalmente conseguimos dormir já está amanhecendo e não demora muito para meu despertador começar a tocar, me levanto apressada e com muito sono devido a noite anterior, olho para Brian dormindo e agradeço mentalmente a febre ter ido embora, entro no banheiro e começo a fazer minhas higienes matinais, olho no espelho e vejo minha olheira evidente, tomo um banho e vou em direção ao armário atrás de uma roupa apresentável. Decido colocar um vestido preto que valoriza meu corpo e um blaser bege social, prendo meus cabelos em um rabo de cavalo alto e tento fazer uma maquiagem básica para disfarçar o olhar de exaustão, mas ao olhar o relógio percebo que estou atrasada, se eu não for agora, não chegarei a tempo da entrevista. Saio do meu quarto e desço as escadas correndo, encontro minha mãe na cozinha preparando um café e logo que me vê, ela diz.
–Filha, preparei um café para você. Coma alguma coisa antes de sair.
–Mãe, estou atrasada. Não terei tempo de comer nada, Brian está dormindo, vamos deixá-lo assim, a noite foi difícil e ele precisa descansar, aproveite e faça o mesmo. Qualquer coisa me liga, estarei atenta ao celular.
– Sei que Adam, onde quer que esteja, está muito orgulhoso de você. E eu também, você se tornou uma mulher forte e dedicada. – Minha mãe diz e sinto vontade de chorar. Ela vem em minha direção e me abraça, ficamos um tempo ali, precisávamos disso. O ônibus demora mais que o esperado, fazendo com que eu chegue ainda mais atrasada. Quando chego no prédio da empresa vou até a recepção e me avisam para subir para o décimo andar. Corro em direção ao elevador, não demora muito e já estou no andar informado, chegando lá, vou em direção a uma mulher que está olhando para o computador, acredito que ela saiba me informar sobre a entrevista, estou próxima de sua mesa e noto que ela ainda não me viu aqui.
–Olá, bom dia! Me ligaram ontem para confirmar a entrevista de estágio, acabei me atrasando pois tive um problema em casa, a moça da recepção me informou ser nesse andar.– Falo simpática, mas nervosa, aqui todos são muito chiques e exalam poder, me sinto deslocada. A mulher me olha de cima a baixo e percebo seu olhar de desaprovação.
–Você não tem vergonha? A entrevista estava agendada para as nove horas, seus problemas não me interessam. Agora se retire daqui antes que eu chame os seguranças.– Ela diz e sinto meu sangue ferver.
– Você não me conhece, não pode me julgar por algo que não tem conhecimento. Eu não permito que fale comigo dessa maneira, você deveria se colocar no lugar das pessoas antes de começar a julgar. – Digo e ela logo rebate
–Vou preci..–Ela não termina de dizer, seus olhos vão para trás de mim e percebo que tem alguém se aproximando, me viro e quando meus olhos se reencontram aos dele eu sinto meu corpo gelar, é o mesmo homem que estava na boate.
...
Após um estranho reencontro, saio da sala do meu mais novo chefe, ele me leva até o elevador, passando por uma secretária nada feliz. Nos despedimos rapidamente, e então eu vou embora, nesse momento já estou atrasada para a faculdade, sigo apressadamente em direção ao ponto de ônibus quando esbarro em uma pessoa no meio do caminho.
–Me desculpa. – Digo olhando para o homem que sem querer eu esbarrei.
–Não tem problema.
–Doutor Lúcio? – Digo surpresa
–Apenas Lúcio, por favor. Não nos vemos desde o enterro. Como vocês estão? – Doutor Lúcio nos ajudou a preparar o enterro do Adam, não tínhamos cabeça pra nada e ele praticamente resolveu tudo sozinho. Não nos falamos desde então, mas sou muito grata pela ajuda que ele nos deu.
–Estamos tentando seguir em frente..–Falo com tristeza.
–Gostaria de tomar um café comigo?
–Infelizmente terei que recusar, estou atrasada para faculdade e acho que acabei de perder meu ônibus.
–Eu estou de carro, se não se importar, posso te levar até lá.
–Não precisa se incomodar, eu peço um táxi.
–Não é incômodo algum, Cecília. Vamos, você está atrasada, certo? – Ele sorri e eu confirmo com a cabeça, timidamente, mas aceito a carona. Logo entramos em seu carro e vamos em direção a faculdade , durante o caminho eu lhe contei como foi a minha entrevista e como todos naquela empresa são nariz em pé, rimos bastante e então chegamos a faculdade.
–Chegamos.– Eu digo sorrindo.
–Seu sorriso é muito bonito.– Ele diz e sinto meu rosto corar.
–Gostaria de sair para almoçar comigo amanhã?– Fico surpresa com o convite, penso em negar mas ele foi tão gentil que não consigo.
–Sim, seria legal. Mas só tenho uma hora de almoço.– Digo e ele sorri.
–Está perfeito.
– Combinado então, tenho que ir agora, muito obrigada pela carona.
–Por nada, Cecília.– Ele responde me dando um beijo no rosto, então eu saio do seu carro, caminhando em direção a entrada da faculdade. Lúcio foi uma boa companhia hoje, consegui rir pela primeira vez depois de semanas chorando, não é como se fosse rolar algo, mas ter um amigo com quem eu possa conversar me parece bom.
...
Na faculdade eu encontro Emma e conto para ela sobre o cara da boate que agora será meu chefe e falo sobre o convite para almoçar de Lúcio. Ela me escuta com toda atenção e quando termino de contar sobre o meu dia, ela fala:
–Você viveu tudo isso em um dia? – Ela diz e ri
–Só isso que você tem para me dizer?–Eu a pergunto, rindo de volta.
–Amiga, você tem dois gatos interessados em você, não sei qual mel você passou hoje mas eu quero um pouco também.
–Emma, isso não tem graça. Um deles é meu chefe, e o outro é só um amigo. Eu não estou pronta para relacionamentos, tenho problemas demais.
–Cecília, sei que prometeu que cuidaria da sua mãe e do seu irmão, você ainda irá fazer isso, mas não significa que não possa viver. Você é jovem, bonita e precisa se permitir ser feliz, ou você pretende ser virgem pra sempre?
–Emma.– digo, repreendendo-a. Mas acho graça da forma que ela fala.
Após uma conversa super constrangedora com a minha amiga, seguimos para casa. Encontro mamãe e Brian sentados no sofá assistindo tv e de uma certa forma me sinto confortável, a dor da perda é irreparável mas o amor nos fará seguir em frente.
...
Hoje é meu primeiro dia como estagiária na Gonzalez Office, ainda estou sem acreditar que fui contratada, e ainda mais pelo homem que me viu dançar na boate, ele agiu como se não fosse nada demais, eu fico feliz com isso, mas ao mesmo tempo algo nele me deixa intrigada. Prefiro não pensar nisso e focar no meu trabalho, levanto mais cedo para me arrumar com calma e chegar com antecedência, assim tiro a impressão errada do dia anterior. Vou ao banheiro e depois de um bom banho, vou ao armário para decidir o que vestir, escolho uma saia preta de cintura alta, uma blusa de cetim verde e nos pés um salto alto preto. Escolho deixar meus cabelos soltos com uns cachos para dar mais volume, no rosto eu faço uma maquiagem simples, finalizo com apenas um gloss nos lábios e estou pronta. Desço e vou até a mesa de café da manhã que minha mãe preparou, fico feliz ao ver Brian comendo, ele melhorou e isso me deixa mais aliviada para sair.
–Fiz panquecas como você gosta, precisa se alimentar para chegar bem no seu primeiro dia. Adam estaria tão feliz por você..– Ela diz enquanto vem me abraçar. Eu retribuo e a respondo em seguida.
–Ele sempre estará com todos nós, em nossos corações.– Falo lhe dando um sorriso confortante.
–Tenho certeza disso, querida. Agora venha, antes que seu irmão coma tudo. – Ela diz e sorri
...
Após o café da manhã, sigo em direção ao ponto de ônibus, dessa vez estou adiantada então não me preocupo com a demora, após uma hora chego no prédio da empresa e fico feliz por não estar atrasada. Entro no elevador e quando ele está fechando, alguém o impede de subir, entrando logo em seguida.