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Não é que Mariah se esperasse que se ficasse louco de alegria. Ela, melhor que ninguém, conhecia a opinião de Rhys sobre a família.
O tema tinha saído poucos meses depois de que se conhecessem. Tinha-lhe pedido que a acompanhasse à bodas de sua amiga Lizzie e ele tinha aceito de bom grado. Estavam na recepção quando surgiu o tema do matrimônio, um tema que o zangou, mal havia iniciado.
-Estive casado, e não penso repetir -havia dito sem mais.
Naquele tempo, ela não sabia nada de seu passado e lhe tinha surpreendido tanta veemência.
-Então, se conhecesse a mulher adequada, mandaria-a passear? -tinha brincado ela, esperando que cedesse um pouco.
Mas não tinha sido assim.
-Nunca chegaria tão longe. Nunca haverá outra mulher adequada porque eu não chegarei nunca tão longe.
Uma clara advertência. Não podia dizer que a tinha enganado.
Mas com advertência ou sem ela, apaixonou-se por ele irremediavelmente.
Conhecia-o fazia três anos, desde que comprou o apartamento de cima do dele. Viviam um ao lado do outro, falava com ele, comia ou jantava com ele, ria com ele, jogava com ele. E tinha descoberto que ele era tudo o que sempre tinha procurado em um homem.
E ele nunca saberia, porque quando ela se deu conta, decidiu não revelar-lhe precisamente porque sabia que ele não procurava uma relação. Sabia que não queria outro amor.
Assim, durante três anos, nunca lhe tinha pedido mais do que ele estava disposto a dar. Durante esse tempo tinha sido o que ele queria dela: sua amiga. Sua companheira. A pessoa a quem chamava quando queria ir correr, ou a brincar um momento no parque, ao cinema ou para tomar uma cerveja no McCabe. A amiga com a qual ia provar um restaurante novo, ou à última exposição, ou a uma partida dos Yankees.
Ela era a única pessoa com a qual tinha estado no Empire State Building.
E agora, poderia ser que já não voltassem a ir nunca mais. Porque tinha visto o desconcerto em seus olhos. Porque tinha visto a negação neles. Porque tinha visto a mescla de fúria e dor que brilhava em seu olhar.
Qualquer esperança que tivesse podido albergar tinha morrido naquele instante.
E a realidade seguia sendo a mesma.
Dentro de sete meses, ia ter um filho de Rhys Wolfe, tanto se ele gostava como se não, tanto se o queria como se não.
Ela sim o queria. Tinha tido tempo de assimilá-lo e, definitivamente, queria-o.
Não é que fosse sua intenção ficar grávida ao descer ao apartamento de Rhys naquela noite. Tinha sido a curiosidade e a preocupação que a tinham empurrado a chamar a sua porta.
Aquela noite, ver a luz acesa lhe tinha surpreendido. Fazia apenas uma semana que havia partido para Inglaterra, e apesar de que seu calendário trabalhista era bastante anárquico já que os incêndios eram imprevisíveis, não era normal que estivesse de volta tão cedo, e se temeu que tivesse ocorrido algo de mal.
Por isso tinha chamado a sua porta. E quando não lhe abriu, utilizou a chave que lhe tinha dado para que pudesse dar uma olhada à casa de vez em quando.
Tinha-o chamado por seu nome e ele não tinha respondido.
Sabia que luz era a que estava programada para acender-se só quando ele não estava, mas não era a que tinha visto de seu terraço, assim havia voltado a chamá-lo.
-Rhys? Está em casa?
Ao entrar viu a porta de seu dormitório aberta e o abajur da mesinha projetava sua luz sobre o chão de madeira.
- Rhys?
Entrou para o interior. A porta que se comunicava com o jardim também estava aberta.
Imaginou que estivesse lá fora contemplando as estrelas e sorriu. Muitas vezes tinham feito precisamente aquilo: sentar-se sob as estrelas e conversar. Ele gostava disso.
Dizia que lhe ajudava a relaxar.
E ali o encontrou, tal e como se imaginava, sentado em uma das cadeiras, mas com os olhos fechados, os braços caídos, a boca fechada. No chão, junto à cadeira, havia uma garrafa de uísque e um copo.
Mariah arqueou as sobrancelhas. Rhys quase nunca bebia, além de uma cerveja nos dias de calor.
-Rhys?
Não se moveu e pensou que possivelmente estava dormindo.
Então, viu-o apertar os dentes e tragar saliva. Agarrou-se aos braços da poltrona e abriu devagar os olhos.
Não saía suficiente luz da habitação para poder ver sua expressão, mas sim para dar-se conta de que se movia como um ancião.
Rapidamente se aproximou dele. Algo não ia bem.
-Rhys? -agachou-se junto a ele. Então viu a dor. O esgotamento. Tomou sua mão. Estava gelada-. O que passa?
Ele não respondeu. Só a olhava.
-Jack -disse ao final.
Foi como um golpe. Não precisou dizer nada mais.
Conhecia Jack Ou'Day. Viram-se em várias ocasiões, e tinha sentido em si mesma o encanto de sua pele morena, seu infatigável bom humor, seu gênio irlandês e a graça de seus movimentos. Rhys não se parecia nada com Jack. Carecia de sua intensidade, de sua determinação, mas apesar de todas as diferenças, estavam mais unidos do que se fossem irmãos.
E vendo a dor no rosto de Rhys, soube. Não precisou dizer nada mais.
Em silêncio se aproximou dele e lhe abraçou.
E também sem uma palavra, Rhys se abraçou a ela. Agarrou-se a ela como se se estivesse afogando, ocultando o rosto na curva de seu pescoço.
Não poderia dizer quanto tempo estiveram assim, nem quando entraram do jardim à casa. Não poderia saber quando seu abraço deixou de ser consolo e se transformou em algo mais, em um sentimento mais forte, e quando a necessidade de Rhys tinha começado a ser desesperada e algo que só ela podia satisfazer.
Possivelmente deveria havê-lo impedido.
Dos dois, era ela quem devia ter feito um esforço para manter um controle, para pôr freio, a dizer que não.
Ou possivelmente, não fosse assim. Possivelmente, se era sincera, nunca teria podido fazê-lo. Fazia meses. Fazia anos.
Porque esse era o tempo que levava lhe amando.
Assim não disse não quando seus lábios procuraram os seus. Não disse não quando colocou as mãos sob sua blusa, quando lhe tirou as calças e se tirou os jeans, quando caíram sobre a cama abraçados e encontraram a paz um no corpo do outro.
Não queria dizer que não. Queria ter aquela noite. O amor. A união. Queria a Rhys.
Esperava... levava nove semanas esperando, que aquela noite de amor chegasse a ser algo mais. Um pouco mais profundo. Algo duradouro.
Não era sua intenção, certamente, que o duradouro fosse um filho.
Deveria ter tomado precauções, é obvio, mas o que tinha ocorrido não era premeditado. Tinha surpreendido tanto a ela como a ele. Mas não o lamentava.
E possivelmente se equivocava nisso, pensou naquele momento, ainda com os lençóis e a roupa apertada contra o peito e enquanto subia devagar a escada até sua casa.
Mas não. Lamentava algumas coisas, sim, mas não ter feito amor com ele nem ter concebido um filho.
Quão único lamentava era que a Rhys seguia lhe parecendo um erro, e que ela não soubesse como lhe fazer mudar de opinião.
Tinha que fazê-lo. E o faria. Mais adiante.
Naquele momento quão único tinha que fazer era chegar a seu apartamento antes de que o enjôo o impedisse.
-Pode-se saber que demônios há...? -Rhys não terminou a frase e olhou boquiaberto à mulher de cabelo castanho que lhe tinha aberto a porta do apartamento de Mariah -. Quem é você?
-Sou Erica, a prima de Mariah -a mulher o olhou com certo nervosismo ante tanta veemência, mas depois sorriu-. E você deve ser Rhys.
-Por que?
Erica tragou saliva com nervosismo.
-Não sei... imaginei-me isso. Ao voltar Mariah me há dito que estava em casa. Espero que não te importe que esteja usando sua casa enquanto que nós estamos aqui. Disse-me que não, mas...
-Claro que não me importo -replicou-. Onde ela está?
Tinha subido correndo a escada assim que tinha reunido a coragem suficiente para fazê-lo. Além disso não estava convencido de havê-la entendido bem. Não podia havê-la entendido bem!
-Está no banheiro. Tomando banho, acredito.
Rhys apertou os punhos. Apertando também os dentes, entrou na sala.
- Esperarei.
Queria estrangulá-la. Como podia dizer algo assim e sair correndo escada acima? Não podia acreditar-lo. Grávida? Dele?
Olhou a seu redor tentando encontrar algo com o que desafogar-se. Algo que quebrar, esmagar ou estrangular. Não havia nada.
Nem sequer lhe resultava familiar aquele espaço. A sala normalmente ordenada e acolhedora estava abarrotado e de pernas para cima. Era como se os extraterrestres tivessem se apoderado dela. Extraterrestres com meninos.
Havia montões de bonecos esparramados pelo chão e roupa transbordando das cadeiras. Não havia onde sentar-se. O sofá fora transformado em cama e um menino de pijama estava deitado nela vendo os desenhos na televisão. Olhou a Rhys com mínimo interesse e em seguida voltou-se para a tela.
Não saia da cabeça. Mariah, grávida?
Cada vez que juntava as duas palavras, era como se alguém lhe desse um soco no estômago.
-Tyler, sente-se e deixe o senhor... eh... Rhys se sentar. É Tyler -disse a Rhys-. Meu filho. Quer que te traga um café? Mariah me há dito que ias dormir, assim não sei se quererá café, mas...
Dormir?
Mariah lhe dizia que estava grávida dele, partia como se tal coisanão o importasse, e esperava que ele fosse dormir?
Impossível.
-Não, obrigado -respondeu. Já tinha os nervos de ponta. Começou a passear pela habitação.
Um soluço infantil soou no dormitório e Rhys deu um pulo.
-O que foi isso?
-Ah... Ashley - sorriu-. É nossa filha. Jeff, meu marido, a está trocando. Tinha que vir esta semana para Nova Iorque para um seminário e nos viemos com ele.
Enquanto falava, encheu duas taças de café e ofereceu uma a Rhys como se não acabasse de declinar o oferecimento.
-Mariah é a madrinha de Ty -continuou Erica-, e faz anos que não o via. Nem sequer conhecia Ashley, assim decidimos vir todos para vê-la. Mariah e Sierra não vêm com freqüência para casa e sentimos falta delas. Já sabe... essas coisas de famílias.
-Pois é, não sei. Erica piscou.
Quando demônios Mariah ia sair? Como podia lhe fazer algo assim? Apertou a taça entre as mãos como se queria estrangulá-la.
-Então não tem família? Erica parecia compadecer-se dele.
-Irmãos -respondeu com secura.
-Ah, isso está bem- sorriu-. E te criaste aqui, na cidade?
Rhys se passou uma mão pelo cabelo e voltou a perambular de um lado a outro da habitação.
Ao final, deixou de um golpe a taça sobre a mesa. O café se transbordou e se esparramou.
-Tenho que ir. Diga a Mariah que preciso falar com ela. Que desça.
Mariah não estava segura de querer ouvir o que Rhys teria a dizer, apesar de que a ducha quente e as duas bolachas que comeu esperava que melhorassem seu estado de ânimo.
-Veio te buscar -dizia Erica enquanto ela se penteava-. Precisava ver-te -acrescentou com curiosidade.
-Descerei mais tarde -respondeu. Quando se sentisse menos enjoada e mais forte. Mais capaz.
- Está como um trem. Por que não nos tinha falado dele?
-Porque não há nada que dizer.
- Pois me parece muito interessado por ti.
-Não nesse sentido.
- Que pena. É que é homossexual?
Mariah quase se engasgou.
- O que?
-Pois se não o é, por que não está interessado? É solteira, preparada, bonita, não te falta nenhum dente... que mais pode pedir?
-Não quer nada disso.
-O que?
- Não importa.
Terminou de pentear-se e respirou fundo. Sentia-se um pouco melhor. No momento, lhe tinham passado os enjôos. Essa era uma das razões pelas quais ficou na casa de Rhys: para que sua prima não a visse com o estômago na boca todas as manhãs e não tivesse mais rações para especular.
Não havia dito a ninguém que estava grávida. Tinha esperado para dizer primeiro a Rhys.
E agora que o havia dito... Mesmo assim, não se atreveu a dizer a Erica. Teria que responder a muitas perguntas, e ainda não estava preparada para falar disso.
Se Rhys tivesse se alegrado... se tivesse sorrido e a tivesse tomado nos braços como fez Gibson, o marido de seu amiga Chloe quando lhe disse que estava grávida... bom, nesse caso teria lhe agradado compartilhar a notícia com o mundo inteiro.
Mas não tinha sido assim. Rhys tinha ficado petrificado. Atônito. Destroçado. Ai, Rhys!
-Vá falar com ele -disse Erica-. Pergunte-lhe se quer vir conosco ao Empire State Building.
Mariah esteve a ponto de começar a rir.
-É com ele com quem você foi, não?
- Sim.
-Então, certamente gostará de ir.
- Acaba de chegar em casa.
-Pergunte você.
-De acordo. Farei-o.
-O que é o que vais perguntar? -quis saber Jeff, o marido de Erica, que entrou naquele momento na habitação com a pequena Ashley de oito meses que entregou a sua mulher depois de beijá-la nos lábios. Olhavam-se com tanto amor nos olhos que Mariah não sabia se os olhava verde de inveja, ou dava a volta precisamente pela mesma razão.
Queria um amor como esse.
-Perguntar ao amigo de Mariah, que por certo está como um queijo, que se nos acompanha hoje - disse Erica.
-Mariah tem um amigo que é um queijo? -perguntou Jeff.
-É somente um amigo - esclareceu Mariah.
- E está como um queijo - insistiu Erica-. Sei que você não necessita um homem, mas sua companhia é agradável.
Não era preciso que o dissesse. De onde teria tirado sua família a idéia de que ela era completamente auto-suficiente? Possivelmente fosse porque tinha já trinta e um anos e durante os últimos oito havia se esforçado muito tentando chegar a ser a melhor jornalista para a revista de tiragem nacional em que trabalhava, o qual não lhe deixava tempo para procurar o homem perfeito.
Mas isso não queria dizer que não estivesse interessada.
Porque o estava. E muito.
Podia ter um chefe que a tinha em muito alta consideração, e uns companheiros de profissão que a admiravam. Os temas de seus artigos, muitos dos quais já tinham sido queimados pelo resto da imprensa, falavam bem dela. Mariah Kelly podia ser uma das cronistas mais respeitadas do círculo dos ricos e famosos da América do Norte, uma mulher que tinha alcançado um êxito que jamais poderia haver-se imaginado.
Mas isso não queria dizer que sua vida fosse perfeita. Não queria dizer que queria passar o resto de seus anos sem um homem. Sem o homem ao qual queria. Rhys.
Respirou fundo. Não podia adiar-lo para sempre. Teria que falar com ele, e lhe escutar, em algum momento.
«Por favor, Meu deus», disse no silêncio de seu coração. «Faz que isto funcione».
Rhys não sabia o que fazer com as mãos, assim terminou por guardar-las nos bolsos. Deu-se a volta e a olhou fixamente.
Como podia ficar sentada no sofá tão tranqüila enquanto ele passeava de um lado para outro como um possesso?
-Você já sabe o que penso da família.
Sabia que parecia estar a acusando, mas não podia evitá-lo. Estava fazendo todo o possível para controlar-se. Entre seus companheiros era conhecido por sua serenidade para trabalhar sob pressão... e naquele momento se sentia como se a tampa fosse saltar-lhe de um momento a outro!
Mariah assentiu.
- Já sei o que pensa da família. Pelo menos, sei o que diz. E eu... compreendo, mas...
-Então, como pudeste...?
- Não fui eu sozinha! -espetou, perdendo a calma.
- Já sei, maldita seja! É que...
Fechou os olhos e tentou serenar-se.
Quando abriu de novo os olhos, viu que Mariah o olhava como se a tivesse esbofeteado. E possivelmente tinha sido assim. Mas ele também se sentia mal. Apanhado. Torturado.
-Não contava com algo assim -murmurou, tentando suavizar as coisas.
-E você acha que eu sim?
-Não, claro que não! Eu queria dizer isso. Deve estar sendo tão horrível para ti como para...
-Não -lhe cortou.
-Como?
-Hei dito que não. Não está sendo mau. Não o é -repetiu-Admito que quando me inteirei, fiquei aturdida. E angustiada, porque não tinha ficado grávida do modo que eu tinha imaginado que seria -sorriu com um pouco de tristeza-. Mas agora já o superei. Estou bem, e quero ter a criança.
Parecia totalmente decidida.
-Quer ter-la? -parecia incrédulo-. Mas se és uma mulher de carreira.
-Montões de mulheres trabalham e tem filhos, e eu vou fazer-lo também.
- Mas nunca havia dito que queria ter filhos!
-Nunca me perguntaste isso.
Ele a olhou boquiaberto e depois moveu devagar a cabeça, incrédulo.
-Não tem sentido. Não tem sentido -repetiu, olhando-a como se não a conhecesse. Nos três anos que fazia que se conheciam, nenhuma só vez tinha dado o sinal mais leve de que lhe interessasse casar-se e ter uma família. Precisamente por isso gostava tanto dela!
Bom... por isso -e porque era uma mulher divertida, uma grande conversadora, que sabia escutar e que era compassiva e generosa.
Sentia-se enganado. Defraudado.
-Tudo isto... foi...?
Não sabia como dizê-lo, mas ela o intuiu e seu olhar se tornou duro como o aço.
- Não, não foi deliberado! E se por um segundo só foste capaz de pensar que eu... -tinha perdido por completo a calma - ... vá para o inferno!
Deu meia volta e pôs-se a andar para a porta.
Rhys correu atrás dela e a segurou pelo braço. De repente ficaram a escassos centímetros de distância, tão perto que pôde sentir sua respiração na bochecha, tão perto que quando seus seios subiram com a respiração, estiveram a ponto de lhe roçar.
E de repente recordou o que havia sentido quando lhe roçaram de verdade.
Soltou seu braço e retrocedeu.
-Não o pensei -lhe disse-. Não... sério. É que... - passou-se a mão pelo cabelo, deixando-o de pé-. É que... estou... arrasado. Não... não esperava algo... assim.
Mariah foi dizer algo, mas ele levantou a mão para que não lhe interrompesse. Tinha que terminar.
-Não é que não tenha pensado em... o que passou. Mas não tinha pensado... nisso.
Possivelmente porque todas as mulheres com as quais havia se deitado desde a morte de Sarah, que não eram tantas, sempre tinham estado preparadas. Procuravam o mesmo que ele, e a gravidez nunca tinha sido uma opção.
Olhou para Mariah. Ela não o olhava. Estava de braços cruzados com o olhar perdido rua abaixo. Baixou o olhar às escondidas tentando descobrir alguma diferença, mas não viu nada. Tampouco tinha visto em Sarah no primeiro mês.
- Só tinha uma pequena barriguinha quando... morreu.
A garganta lse apertou e algo começou a lhe palpitar atrás dos olhos. Doía-lhe.
Tinha que recuperar a calma. A distância. A serenidade que tinha conseguido depois da morte de Sarah, a sensação de caminhar em uma espécie de bolha de vidro, desligado de tudo e de todos.
Era o único modo de sobreviver.
Respirou fundo e tentou tragar o nó que tinha na garganta. Umedeceu-se os lábios.
-Não quero me casar -disse com firmeza.
-Ninguém te pediu que o faça - respondeu ela.
Ele piscou várias vezes.
-Há-me dito isso -a acusou.
Ela se encolheu de ombros.
-Porque tinha direito de saber, mas isso é tudo. Se não querer ter nada que ver com o bebê... ou comigo, não passa nada.
- Claro que passa! Passa tudo! Estás grávida!
- Sim. E vou ser mãe. Vai me encantar sê-lo. O olhou desafiante-. Mas não vou obrigar a ti a ser pai, Rhys.
- Segundo você, isso já está feito.
- Só biologicamente.
E já era suficiente. Mais que suficiente.
-Darei-te dinheiro -disse-. Te ajudarei economicamente. Não te faltará nada. Ao... bebê -quase se engasguou ao dizer a palavra- ...não faltará nada. Mas isso é tudo. É tudo o que posso fazer. Tudo o que quero fazer. Entendido?
Esperava uma discussão. Uma condenação. Que lhe dissesse quão bastardo era. E ele, não o negaria.
Mas ela não discutiu. Não o condenou. Limitou-se a aproximar-se da porta e olhá-lo nos olhos.
-Você escolhe, Rhys. Você perde isso.
Foram ao World Trade Center.
Era mais alto que Empire State Building, disse-lhes Mariah. Se queriam subir o mais alto de um arranha-céu, o melhor seria escolher o mais alto de todos.
-Não tem que convencernos -disse Jeff alegremente-. Iremos aonde você diga.
-Ao World Trade Center -decretou Mariah. E não ao Empire State Building.
Não teria podido suportá-lo.
Se concedesse um Oscar para melhor interpretação da vida real, ela o mereceria. Não só por passar toda uma tarde de visita turística pela cidade quando o que de verdade desejava era escavar um buraco na terra e morrer nele, mas sim por ter mantido a calma ante a explosão de Rhys, por não haver-se vindo abaixo... bom, quase.
Mas o tinha conseguido. Não teria servido de nada zangar-se com ele, discutir, tentar convencê-lo. Ela jamais tentaria ganhar desse modo o amor de um homem, nem para si mesmo, nem para seu filho. Tinha que ser porque ele o sentisse assim.
E sabia que terminaria por ser assim. Só tinha que lhe dar tempo.
E depois de se esquivar o mais habilmente que pôde das perguntas de sua prima sobre Rhys, Jeff e ela se entusiasmaram tanto com tudo o que iam vendo, Tyler fez tantas perguntas, e Ashley reclamou tanta atenção como o bebê de oito meses que era, que ninguém se deu conta de que o sorriso de Mariah empalidecia de vez em quando, que às vezes tinha que segurar as mãos para que não tremessem, e que embora o World Trade Center oferecia uma vista espetacular de Manhattan e do Empire State Building, Mariah não foi capaz de olhá-lo.
Em seu lugar, deixou vagar o olhar pela Staten Island, e tentou não recordar o dia que Rhys e ela tomaram o ferry para ir e voltar para a ilha. E mais, tentou não pensar em Rhys nem um segundo.
Porque se o fizesse, suas emoções se descontrolariam. Começaria a preocupar-se. A assustar-se. E já não teria como voltar atrás.
Era difícil prestar atenção ao que estavam vendo.
-Eu vigiarei o menino - disse a Erica e Jeff, quando eles duvidavam entre desfrutar da vista ou vigiar a seu filho-. Vamos, sócio. Deixemos um momento tranqüilo a papai e a mamãe.
Foi o melhor que pôde ter feito. Tyler resultou ser a distração perfeita com suas mil perguntas, e nenhuma só sobre Rhys.
Apenas lhe dava tempo de recuperar a respiração entre as respostas, o qual não estava mal. Não queria ter tempo de pensar.
Mas não podia evitá-lo. Seria seu filho tão inquisitivo como Tyler? Seria movido e curioso como ele, ou tranqüilo e plácido como Ashley? Teria seu cabelo castanho, ou o cabelo preto como o do homem que dizia não querer crianças? Qual seria sua cor de olhos: cinza escuro como os seus, ou azuis como as do homem que a tinha olhado com tanta ferocidade naquela manhã?
Apoiou a mão em seu ventre como se pudesse proteger a seu bebê da ira e das acusações que tinham brilhado em seu olhar.
-Dói-te o estômago? -perguntou Tyler. María apartou a mão e sorriu.
-Não. É que tenho fome. Eu diria que um sorvete não nos viria nada mal. Você o que acha?
Tyler sorriu.
- Genial!
Rhys despertou sentindo-se ainda pior do que se sentia antes de deitar-se. Por um instante não foi capaz de recordar por que.
Mas um segundo depois, soube. E não lhe pareceu real. Não lhe pareceu possível.
Deu-se a volta com um gemido, abriu os olhos e recordou a última vez que tinha dormido ali. Mariah havia compartilhado com ele a cama.
A lembrança era tão vívida, tão intensa, tão estremecedora que inclusive naquelas circunstâncias, seu corpo se endureceu de desejo.
Com um movimento brusco, apartou a roupa da cama e se levantou.
Entrou no banheiro, abriu a torneira de água fria e colocou a cabeça embaixo. Lavou-se o rosto. Escovou-se os dentes. Barbeou-se. Vestiu-se.
Foi depois à cozinha, preparou a cafeteira e bebeu quase de um gole todo seu conteúdo.
E enquanto estava ali de pé, com a taça nas mãos, pensou em como tinha estado no dia anterior... nervoso, temeroso, perguntando-se se Mariah e ele poderiam superar aquela noite.
Agora já sabia, não sem certa amarga ironia, que nunca poderiam superá-lo.
Possivelmente, pensou, animado pelo café e uma esperança despejada, se mudaria. Não tinha que viver ali por causa de seu trabalho. No verão anterior, por exemplo, ele tinha passado em Hamptons enquanto estavam de obras em sua casa. Talvez decidia ir viver ali.
Assim não teriam que ver-se. E tudo seria mais fácil. Podia lhe enviar o cheque uma vez ao mês ao endereço que lhe desse. Assim faria a sua obrigação . Certamente não lhe pediria mais.
Não tinha discutido com ele. Não havia dito uma palavra. Tinha compreendido.
Respirou fundo e sentiu que o peito lhe expandia, que a opressão que vindo sentindo desde que ela pronunciasse a palavra grávida, remetia. Provou respirar fundo outra vez, e outra.
Sim, sentia-se melhor.
Poderia assimilá-lo. Poderia lutar. Como sempre o tinha feito.
Acabou-se o café. Depois, recolheu sua bolsa de roupa, levou-a ao porão e colocou todas suas roupas na máquina de lavar roupa, tal e como sempre fazia cada vez que chegava a casa.
Tentou concentrar-se em cada um de seus movimentos: medir o sabão e acrescentar amaciante.
Fechou a caixinha, girou o programador e puxou. A máquina começou a encher-se de água, como fazia sempre.
Subiu cantarolando uma canção, como fazia sempre.
Pegou o telefone. E se deteve. Ia chamar Mariah para ver se queria ir comer algo com ele. Bem. Algumas coisas teriam que mudar. Mas não as importantes. Ia seguir vivendo sozinho. Seguiria solitário. Inalcançável. Incólume. Exatamente como ele queria.