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-Ah, é você.
Eram oito e meia da manhã e Mariah tinha um aspecto horrível com aquela enorme camiseta, o cabelo revolto e as olheiras marcadas.
-Uma noite dura, não é? -ironizou Rhys, cada vez mais incomodado. Não sabia a que hora havia retornado, mas ele havia ido dormir depois das duas horas e a luz de sua casa seguia acesa.
Estava pálida, quase cinzenta, e não parecia contente de vê-lo.
Pois ele tampouco estava contente de ver ela com aquele aspecto.
-Está horrível -espetou.
-Muito obrigado.
-É a verdade. E não estaria assim se descansasse mais. Não deveria estar de festa todos os dias até as tantas da madrugada.
Mariah abriu a boca para responder, mas não o fez.
-Não pode ser bom dormir tão pouco -continuou ele-. As mulheres como você precisam descansar mais.
-As mulheres como eu?
-Grávidas -esclareceu entre dentes-. Tem que descansar mais, Mariah. Pelo menos teria que dormir oito horas. E tampouco deveria beber e...
-Eu não bebo!
-Deve comer bem. Tome -lhe ofereceu o pacote de pescado fresco-. Dom e eu estivemos pescando esta semana, e tivemos muita sorte. Faça-lhe isso para jantar. É peixe. Muitas proteínas e ácidos gordurosos.
Ela abriu os olhos e ficou branca como a parede. Não disse nada. Poderia lhe ter agradecido, pelo menos, pensou ele. E também podia aceitar o pescado em lugar de olhá-lo horrorizada.
Então a viu tapar a boca com a mão e sair correndo.
-Mas que demônios...? -Rhys, com o pacote na mão, foi atrás dela, e a porta do banheiro se fechou em seu nariz-. O que está...? Oh.
E enquanto escutava as ansias de vômito do outro lado da porta, chegou-lhe o aroma do pescado que tinha na mão. De repente a palidez de Mariah e seu aspecto doentio teve outro significado.
-Maldita seja -murmurou-. Em seguida volto.
Não sabia se lhe teria ouvido ou não, mas desceu correndo as escadas, colocou o pescado em sua geladira, lavou-se as mãos para tirar o aroma e subiu a toda pressa.
A porta do banheiro seguia fechada.
-Mariah?
Não respondeu. Rhys caminhou de um lado a outro como um leão enjaulado. Como ele ia saber que tinha náuseas pelas manhãs?
O silêncio do outro lado da porta era sepulcral.
-Mariah? -chamou com os nódulos à porta-. Estás bem?
Por fim Mariah abriu a porta.
Seguia parecendo uma morta, mas decidiu não voltar a dizer-lhe. Seu primeiro impulso foi lhe oferecer a mão para que se segurasse, mas não o fez.
-Como estás? -perguntou, guardando as mãos no bolso-. Estás melhor?
- Sim, melhor -respondeu com secura-. Genial. Não se nota?
Olhou-o com desgosto e foi descalça ao seu dormitório.
Rhys a seguiu.
-Não sabia. Que ficavas tão mal assim. Não pensará que te trouxe o pescado de propósito.
Ela se deixou cair na cama e se cobriu os olhos com o antebraço como se ele não estivesse ali.
Rhys não sabia o que fazer. Sentia-se inútil.
-Posso... posso fazer algo?
-Algo mais?
-Vamos, Mariah, já te hei dito que não foi de propósito. O que posso fazer por ti?
-Acredito que já tem feito suficiente, Rhys.
Seguia com o braço sobre os olhos.
Não podia lhe ver o rosto, e precisava ver-la. Assustava-lhe vê-la assim.
Aproximou-se da cama e se sentou junto a ela. Mariah se deu a volta, mas ele puxou devagar a sua mão para afastar o braço, e embora ela resistiu, não a soltou.
Parecia ter recuperado um pouco de cor, embora certamente fosse de raiva e não de que se encontrasse melhor. Olharam-se. Parecia cansada.
-Quer que te traga um copo de água?
-Não.
-Uma camomila? Deveria beber algo.
Não sabia por que, mas lhe parecia o mais lógico.
Ela suspirou.
--Há tónica na geladeira.
-Trarei-lhe isso.
-Não necessito que me faça favores.
Mas ele não fez conta, saiu do dormitório, encheu o copo e o levou.
Mariah se recostou contra a cabeceira da cama e o levou aos lábios.
-Deixa de me olhar -murmurou ao vê-lo plantado diante da cama.
Mas não podia. Era a primeira vez que a via de perto fazia séculos. Era a primeira vez que a olhava de verdade desde muito tempo. Parecia frágil, o qual era surpreendente. Mariah nunca lhe tinha parecido frágil.
-Hei dito que deixe de me olhar -lhe disse.
-Perdoa - aquela vez, sim apartou o olhar e se voltou a caminhar pela habitação. Mas não havia nada que lhe interessasse. Só ela. Assim que se deu a volta outra vez-. Melhor?
-Sim, obrigado -resmungou-. Não tem por que ficar.
- Acontece-te isto todos os dias?
- Só quando me plantam diante do nariz um montão de pescado. Ou guisado de carne e salada de repolho. Sierra me trouxe isso no outro dia para comer -explicou-. Ao final, a comida ficou em bolachas com manteiga de amendoim.
-Quer que te traga umas quantas bolachas?
-Não tenho fome.
- Tem que comer - além de frágil, parecia mais magra-. Deveria estar ganhando peso, e não perdendo-o.
-Não estou perdendo. Já não.
-Então o perdeste?
- No princípio. Algumas mulheres perdem peso no princípio se tiverem náuseas.
-Você teve muitas?
Não parecia capaz de deixar de fazer perguntas.
- Todos os dias. O médico me disse que podia tomar algo, mas eu não gostei de me medicar se não era absolutamente necessário. E além disso, posso suportá-lo. Estou melhor. Sobre tudo se começar o dia um pouco mais tarde e com mais calma.
- Antes te levantava cedo - sentiu uma pontada de culpa-. Pensei que você gostaria de um pouco de pescado -murmurou. Não disse nada de sua decisão de subir ali a lhe fazer lamentar a noite anterior.
Onde demônios teria estado?
Esteve a ponto de formular a pergunta, mas não era assunto seu onde tivesse estado e, além disso, não lhe importava.
-Não tem que ficar, Rhys -disse ela, deixando o copo sobre a mesinha-. Não me vai acontecer nada. Não são mais que náuseas.
-Já sei -respondeu. Sarah também as tinha sofrido, e ele lhe levava bolachas e soda. Tinha-a mimado. Tinha estado a seu lado.
O telefone soou e Mariah respondeu.
- Olá, Kevin! Acabo de me levantar -bocejou-. Sei. Eu também o passei muito bem. Está tarde? -fez uma pausa para dar uma olhada à agenda que tinha junto à cama-. Sim, genial. Depois nos veremos. Até mais tarde.
Rhys percebeu um sorriso em sua voz ao despedir-se daquele Kevin. Recordava bem aquele sorriso. Muitas vezes a tinha utilizado com ele.
-Um de seus homens? -perguntou com ironia.
- O que? Ah, sim. Poderia dizer que sim.
Mariah sorriu então, mas o sorriso parecia ser ainda para Kevin.
- Acreditas que estarás bem para sair esta tarde? -não pôde evitar perguntar.
Mariah assentiu devagar.
-Acredito que sim -e depois acrescentou-: com certeza que sim.
Ele franziu o cenho.
-Você verá. Pode ser que quando ele chegar esta tarde, encontre-te o bastante bem para descer e recolher o pescado.
Certamente fechou a porta com mais força do que o devido ao sair.
Kevin começaria a rir quando o dissesse.
Kevin Maguire era o menino pelo qual estavam loucas todas as mulheres do edifício.
Kevin era companheiro seu e nunca tinha querido sair com ele porque passava pelas mulheres do mesmo modo que Sierra passava pelas distintas cores de cabelo. Kevin era o homem com o qual tinha estado até as três da manhã tentando compor uma história. Kevin era o último homem do mundo que quereria sair com uma mulher grávida.
E essa era a razão de que Mariah se surpreendesse tanto aquela tarde quando, depois de lhe dizer que o tinha utilizado como escudo de defesa, lhe respondeu:
-E por que não? O que vais fazer esta noite? Por que não saímos?
Não podia imaginar por que a convidava para sair, e o perguntou.
-É que nunca saí antes com uma mulher grávida -respondeu com um sorriso.
-Então sou uma novidade.
-E um escudo de defesa também. Todas as demais mulheres com as que saio nesta cidade tem o matrimônio metido na cabeça. Você não... ao menos comigo -inclinou a cabeça-. O que te parece?
Mariah sempre tinha gostado de Kevin... isso sim, a distância. Desfrutava trabalhando com ele, e acreditava que sair para jantar com ele seria preferível a fazê-lo com qualquer dos homens da lista de sua irmã.
-Por que não? -respondeu-lhe.
Depois se arrependeu, e quando estava a ponto de mudar de opinião, olhou pela janela e viu Rhys com uma loira estonteante no jardim.
-Lá vou - se disse.
A verdade é que passaram bastante bem. Kevin a levou a um restaurante pequeno e muito acolhedor do East Side e conversaram sobre esportes e livros.
Apesar de ser um homem incrivelmente bonito e encantador, Kevin era uma estupenda companhia e Mariah desfrutou muito com ele, assim quando ao levar-la de volta para casa perguntou se queria repetir, ela concordou imediatamente.
-Que tal amanhã?
Também concordou. Afinal, o que tinha que fazer em casa?
-Passei-o estupendamente -lhe disse já em sua porta, e roçou sua bochecha. Mariah se perguntou brevemente se ia beijar-la e o que faria ela se assim fosse. Mas ele sorriu e lhe piscou um olho-. Boa noite, Mariah.
-Boa noite, Kev.
Na noite seguinte foram jantar e depois a um clube de jazz. Duas noites depois, foram ver um filme na Tribeca. Na semana seguinte, um passeio no parque e um baile no pavilhão do Lincoln Center
Todas as mulheres solteiras do escritório estavam atônitos. Kevin, quem nunca saía mais de uma ou duas vezes com a mesma mulher, estava colado como um marisco a Mariah.
-O que tem você que nós não temos? -perguntavam-lhe.
«Um bebê», estava a ponto de responder.
Mas certamente não seria uma resposta que queriam ouvir. E ela já tinha entendido por que Kevin era tão resistente ao matrimônio.
-Tenho uma noiva -lhe confessou Kevin na primeira noite-, em Cincinnati. Ou isso acredito, se é que recupera a razão. Por agora não está preparada para sentar a cabeça. Quer que nos vejamos com outras pessoas -fez uma careta triste-. Assim é isso o que faço. Mas quando saio com outras mulheres, todas querem ir a sério, assim só saio com cada uma um par de vezes se muito. A verdade é que me sinto muito incômodo fazendo isso. Para mim, és como um presente divino.
«Essa sou eu», pensou Mariah. «Santa padroeira dos solteiros de Nova Iorque».
Mas o bom Kevin também cumpria à perfeição com seu papel.
Rhys supunha que deveria sentir-se aliviado. Era o que queria, não? Que Mariah encontrasse um homem que a apoiasse, que estivesse a seu lado. Um homem que lhe levasse as bolachas e a soda, que lhe desse massagens nas costas e fosse às aulas de preparação do parto com ela. Um homem que assistisse um dia às reuniões da associação de pais, que ensinasse ao pirralho a conduzir e que se preocupasse quando ela não voltasse na sua hora para casa.
É obvio que era isso o que queria!
Mas também queria saber se esse tipo estava à altura das circunstâncias.
Ao menos tinha que lhe conceder que tinha boa cara. Moreno, magro, musculoso, alto.
Devia ter pouco mais ou menos sua própria idade. Vestia-se sempre com roupa informal. Estava acostumado a usar calças curtas e uma camiseta, ou calças jeans e camisa branca ou azul arregaçada e sem gravata.
Dominic sempre usava traje e gravata. Quando ele trabalhava na empresa de seu pai, também. Não seria um marginalizado, não? Uma espécie de gigolo que se estivesse aproveitando de uma mulher indefesa... E se não tinha trabalho?
Como averiguá-lo?
Chamou a seu irmão Dominic.
-O que faz quando quer investigar a alguém?
-Um competidor, quer dizer? -perguntou Dominic.
-Sim. Bom, não -Rhys se coçou a nuca-. Demônios... não sei. O que quero é saber algo de um tio. Quero saber quem é, a que se dedica. Se for digno de confiança.
Houve um silêncio no outro lado da linha, mas Dominic não chegou a lhe perguntar por seus motivos.
-Como se chama?
-Kevin.
-Kevin que mais?
-Não sei. O... averiguarei-o.
E como demônios ia fazer-lo?
-Estás bem, Rhys?
-Sim, claro. Só estou fazendo um... favor a um amigo.
-Já não parecia convencido-. Me dê seu sobrenome e eu indagarei.
O problema era que Rhys não tinha nem idéia de como consegui-lo. Não tinha muito tempo. De fato, tinha que reincorporar-se ao trabalho dentro de dois dias, e se sentiria muito melhor se soubesse em mãos de quem estava Mariah.
Pensou em chamar Sierra e lhe perguntar sem mais quem era aquele tipo. Depoisr recordou o encontro com suas botas e mudou de opinião. Também podia chamar Izzy ou Chloe, mas terminou rechaçando igualmente a idéia. Izzy o tinha olhado franzindo o cenho no último dia que o tinha visto no supermercado. Normalmente falava com desembaraço, e nem sequer lhe tinha dirigido a palavra. Tinha visto Chloe no Zabar.
-Rhys, como pudeste? -tinha-lhe perguntado.
Não precisava perguntar-se mais: todo mundo sabia.
Só havia uma pessoa a qual se atreveria a perguntar: à própria Mariah.
Sim, falaria com ela. Expressaria-lhe suas preocupações.
Esperou que Kevin a trouxesse para casa uma noite... mais tarde que a meia noite, pensou irritado, e uma vez lhe ouviu partir, subiu para sua casa.
Mariah abriu quase imediatamente.
-O que há esque...? Ah -seu tom trocou e o sorriso se desvaneceu-. O que quer?
-Quero saber como se chama.
-Quem?
-Seu noivo.
Mariah abriu os olhos e as bochechas ruborizaram.
-Como diz? -perguntou colérica.
-Já me ouviste. Como se chama? É de confiança? Tem trabalho? Passa aqui dia e noite!
Não pretendia acusar-la de nada. Só queria lhe fazer umas quantas perguntas e obter respostas.
-Vá ao inferno, Rhys -espetou, e foi fechar a porta, mas ele colocou o pé para impedir-lhe.
- Espera um momento!
- Não, espera você! Como tem a desfarçatez de te apresentar aqui e fazer-me perguntas sobre minha vida íntima?
-Como teu amigo...
-Amigo? -burlou-se.
Rhys sentiu que também lhe ardiam as bochechas.
-Amigo, sim -repetiu-. Somente porque...
-Estou grávida de ti, você não quer saber nada nem do bebê nem de mim, e ainda pretende ser meu amigo?
-Quero o que é melhor para ti.
-Claro... -ironizou.
-Não quero que qualquer um se aproveite de ti por...
-Vá embora daqui, Rhys. Agora mesmo! -exclamou, e deu outro empurrão à porta. Estava avermelhando-se, e ia fazer se mal empurrando assim.
Rhys tirou o pé e a porta se fechou em seu nariz.
-Bem -disse com menos veemência da que lhe tivesse gostado-. Adiante. Te case com ele.
E desceu rapidamente as escadas.
As horas passaram e Mariah não deixou de recordar a cena. A dissecou, analisou-a parte a parte, mas quando chegou o dia, seguia sem compreender nada.
Aquilo não tinha sentido.
-Pode ser que lhe importe -disse Sierra, que tinha ido ver-la-. Que estranho.
Também lhe parecia muito estranho. Um mês antes teria tomado a interferência de Rhys como um sinal de que se importava com ela, mas agora já não podia estar segura. E tampouco sabia se devia albergar esperanças ou não.
-Eu conheço uns quantos tios muito simpáticos -disse Sierra-. Na semana passada conheci um quando estava trabalhando em uma sessão no Central Park. Está ótimo -acrescentou sorrindo.
Mariah tentou sorrir também.
-Parece-me que não.
-Segue estando louca por esse porco?
-Temo que sim.
Era vergonhoso admiti-lo, porque o que queria era não sentir absolutamente nada por ele.
Ele tampouco sentia algo por ela... não?
Foi um verdadeiro alívio partir.
Assim que tomou o táxi para o aeroporto, começou a sentir-se melhor. Respirava com mais facilidade. Uns quantos quilômetros mais e recuperaria o equilíbrio. Quando acabasse a semana que ia durar o curso que ministrar no Texas sobre incêndios em poços petrolíferos, voltaria a ser ele mesmo.
Estava convencido.
Quando estava extinguindo um fogo, nada existia fora daquele momento. Nada importava exceto o presente.
Jamais pensava em outra coisa.
Nunca até aquele momento.
Ao subir no avião, tinha visto uma grávida e não podia deixar de pensar em Mariah. No aeroporto viu vários exemplares da revista para a qual trabalhava.
Parecia persegui-lo onde quer que fosse. Comprou uma revista esportiva, um jornal semanal, e uma novela de intriga. Assim teria no que manter-se ocupado quando não estivesse trabalhando.
Mas não funcionou. O beisebol só era uma ligeira distração. O tênis nunca tinha sido um de seus esportes favoritos. A novela de intriga não era muito interessante.
Alugou um carro para ir a South Padre Island quando terminou de trabalhar, mas aquilo lhe produziu a sensação de estar de férias, e sempre tinham significado para ele passar mais tempo com Mariah.
Seguiria tendo tantas náuseas pela manhã?
Seguiria estando Kevin todas as noites com ela?
Alegrou-se de que terminasse aquela semana e poderia passar para outro seminário. Mas Santa Barbara não resultou ser mais distraído que Houston.
Teria fechado a água da pia?
Pois claro que sim! Como ia partir deixando a torneira aberta?
Sempre podia chamar Mariah e lhe pedir que descesse para dar uma olhada.
«Sim, claro. Posso chamá-la e dizer: por certo, acredito que faz dez dias que me deixei a torneira aberta».
Mas se não a chamava e o tinha deixado aberto de verdade, passaria o resto da vida pagando a fatura da água.
«Não seja chato! Seguro que a fechaste!», disse-se.
Mas a sensação não desapareceu. Não podia estar seguro a menos que chamasse Mariah e descesse para comprová-lo.
E assim o fez.
Ela se surpreendeu ao ouvir sua voz.
-Rhys? Por que chamas? Ocorre algo?
-Nada -respondeu ele; a verdade é que se sentia um pouco ridículo-. É que... tenho um problema com a torneira da pia. O encanador tinha que ir arrumar-la, e me perguntava se te importaria de descer e ver se tudo está bem... quer dizer, se não estar caindo água.
-Eu não vi a nenhum encanador.
-É que te passa todo o tempo olhando a porta de minha casa?
- Claro que não! É que... está bem. Descerei.
-Tome seu tempo. Chamarei-te dentro de um momento.
Deu-lhe dez minutos, tempo suficiente para que tivesse podido descer para sua casa e voltar a subir. E quando voltou a falar com ela, pôde averiguar como de passada que tal se encontrava.
-Eu acredito que o encanador não esteve lá -disse-. Não vi nada novo.
-Obrigado. Que tal... que tal estás?
-Eu? -parecia surpreendida de que perguntasse-. Bem.
-Segue tendo náuseas?
-Não.
-Então te encontra melhor, não?
-Muito melhor.
Silêncio.
-Bom, pois me alegro. Obrigado outra vez. Até logo.
E desligou...
Mas que idiota era! Para que demônios se incomodou em chamar? Para nada. Absolutamente para nada.
Mas, curiosamente, dormiu melhor naquela noite.
Com quatro meses de gravidez, Mariah já não podia usar jeans nem calças curtas. Colocou as mãos sobre o ventre. Acreditava recordar que Chloe não estava tão gorda aos quatro meses.
E quando jantou com Chloe e Gibson na sexta-feira seguinte, Chloe o confirmou. A pobre estava tremenda, já que tinha que dar a luz em qualquer momento, e não parecia capaz de encontrar a postura na cadeira.
-Eu não necessitei roupa de gestante até quase os cinco meses -disse, e olhando a barriga,- suspirou-. Parece difícil de acreditar que alguma vez estive tão magra como você -olhou o ventre de Mariah com inveja-. Bom, já não vai durar muito -disse, acariciando-se-. Estás preparado, filho?
-Ainda não -respondeu Gibson-, que ainda não jantamos.
- Supõe-se que não devo comer se estiver de parto.
Ele a olhou assustado.
-Então o estás?
-Não -sorriu Chloe, apertando sua mão-. Lhe direi isso com tempo suficiente.
Gibson suspirou e olhou a Mariah.
-Sabe que quando chegar o momento, vai dar-me um ataque de pânico, e lhe parece divertido.
Mariah sorriu. Era divertido, em efeito, e comovedor. Vê-los juntos era sempre divertido e comovedor.
Ver Gibson e Chloe, ou Finn e Izzy juntos era sempre comovedor. Ambos os casais estavam tão apaixonados, tão unidos... Finn e Gibson eram homens de personalidade forte e temperamental. Suas mulheres eram muito distintas: Izzy um pouco amalucada e Chloe doce e prática. Mas ambos os matrimônios funcionavam.
Porque se amavam.
Mariah lhes invejava esse amor, que fosse recíproco. Sorriu com tristeza.
Voltou para casa pensando em Rhys. Não deveria. Não lhe fazia nenhum bem. Não havia voltado a chamar; é mais, nem sequer sabia por que tinha chamado na primeira vez. E todas essas tolices de encanador! Teria chamado para ver como estava? E se fosse assim, o que podia significar?
O telefone tocou.
Incorporou-se, assustada. Era muito cedo.
-O que acontece? -perguntou. No relógio da mesinha viu que eram cinco e quarenta e cinco da manhã.
-É um menino! -anunciou Gib.
Mariah sentiu como se ficasse sem ar nos pulmões e se recostou contra a cabeceira da cama.
- Ouviste-me? - insistiu Gibson-. Três quilos e duzentos gramas. Cabelo loiro... bom, os três cabelos que tem são loiros. E tem os olhos violeta. Juro-lhe isso, Mariah, que tem os olhos violeta!
Mariah se riu.
-As garotas vão ficar loucas por ele.
Gib se riu também e ela teve a impressão de que tinha estado chorando.
- Tudo a seu tempo - respondeu-. Primeiro tem que crescer um pouco.
-Não muito. Depois irei ver-lhes. Quero ser uma das primeiras em ficar louca por ele. Como está Chloe?
- Bem - suspirou-. Foi valente. Deus, quase que desmaio, e ela nem pestanejou.
Mariah seguiu escutando ao marido apaixonado e ao orgulhoso pai.
-Estão muito bonitos -concluiu-. Os dois.
-Sei -Mariah estava convencida disso-. Depois irei ao hospital -e acomodando-se de novo na cama, acrescentou-: Parabéns, Gib.
Desligou o telefone e colocou um travesseiro sobre a barriga. Gostava de sentir seu calor. Outras mulheres tinham as costas de seus maridos para se aproximar, mas ela somente um travesseiro.
Tragou saliva e piscou para ver através da umidade repentina de seus olhos. Era somente felicidade por Gib, Chloe e o recém-nascido.
Não tinha nada que ver com sua própria vida. Podia consegui-lo com um travesseiro. Outras mulheres o faziam.
Outras mães solteiras seguiam adiante com sua vida.
Ela também o faria.
-Já verá como tudo vai bem - disse ao bebê-. Você e eu formaremos uma boa equipe. E tudo sairá bem, ouve-me?
E se acariciou a barriga por debaixo do travesseiro... e obteve resposta!
Sua primeira reação foi afastar a mão, mas depois voltou a colocar-la. E voltou a senti-lo. Era movimento!
-Meu Deus... -murmurou, e incorporando-se, afastou a roupa da cama e olhou o ventre. Apoiou as duas mãos no ventre e esperou, completamente imóvel.
E voltou a senti-lo! E se sentiu melhor. Mais feliz. Mais forte. Já não estava sozinha contra o mundo.
Embora nada tinha mudado, tudo era diferente.
- Ai, Rhys! Não sabe o que estás perdendo.
Foi ao hospital aquela tarde. Estava desejando chegar e conhecer Brendan Gibson Walker.
Encontrou-o dormindo na caminha junto a Chloe, com um dedo na boca. Sob o orgulhoso olhar dos pais, Mariah se aproximou para contemplá-lo.
-É precioso -disse-. Precioso.
-Gib já lhe tem feito um montão de fotos - se riu Chloe.
-Para que ter uma câmara então, se não a usar? -protestou Gib, e depois de piscar um olho a Mariah, olhou a sua esposa com uma expressão tal de amor e ternura que Mariah voltou a sentir uma tremenda inveja de uma relação como a deles.
Pensou em Rhys. Ele possivelmente havia sentido aquilo mesmo por uma mulher, e não pôde evitar desejar que o sentisse por ela. Tragou saliva. Não era o momento de deixar-se levar por ilusões inalcançáveis, mas sim de alegrar-se pela alegria de seus amigos.
Justo então Brendan abriu os olhos, piscou e bocejou.
-Meu Deus -exclamou-. Vais ter que tirar as garotas de cima.
-Incrível, verdade? -comentou Chloe e Brendan começou a mover-se no berço, ao que parecia em busca de sua seguinte comida-. Quer trazer-lo à cama?
- Eu?
Mariah parecia surpreendida.
-Importa-te? Assim pode começar a praticar.
-Ah. Sim -com certo nervosismo, Mariah tomou ao pequeno Brendan nos braços. Era tão... pequeno. Tão frágil. Tão indefeso que experimentou um momento de pânico. Como ia arrumar-se com alguém como ele dependendo dela?
Roçou sua mão e imediatamente Brendan se aferrou a seu dedo. Tinha uma força surpreendente e olhando-a com seus olhinhos ainda desfocados, protestou um pouco.
-Um momento, bonitão -lhe disse, e o levou aos braços de sua mãe.
Brendan encontrou o peito imediatamente e começou a sugar.
Mariah enquanto tentava compreender o sentimento, sentiu uma revoada no ventre. Seu murmúrio de surpresa fez que Gib e Chloe se voltassem para olhá-la.
-Dá-te pontapés? -perguntei Chloe.
-Não são pontapés de verdade. Suponho que ainda tem bastante lugar para mover-se.
-Deve estar nadando -comentou Gib com um sorriso-. A primeira vez que senti Brendan mover-se, não podia acreditar isso. Foi a primeira prova que tudo era real.
-Claro. Você não tinha náuseas, nem a roupa lhe ficava pequena.
Os dois sorriram. Mariah esteve com eles ainda uns minutos mais e depois disse que tinha que partir.
-Tenho consulta com o médico. Fará-me uma ecografia.
-Então, vais ver o nadador -disse Gib.
Não o tinha pensado, mas a idéia lhe fez sorrir. Partiu um pouco depois e os deixou ainda sorrindo...
Rhys nunca antes tinha ficado feliz em apagar um incêndio, mas naquela ocasião, a distração foi como um presente do céu. Não lhe importou que lhe fizessem sair da cama no meio da noite para lhe enviar ao Alaska.
Concentrou-se no que teria que fazer assim que chegasse.
Mas não podia estar brigando contra o fogo dia e noite, e tampouco podia controlar seus sonhos.
E era então quando Mariah lhe aparecia.
Sentia-se irritável e nervoso. Agressivo e impaciente. Estava incômodo consigo mesmo por não ser capaz de esquecê-la.
Queria esquecê-la! Precisava esquecê-la!
Mas era incapaz. «É porque está sozinha», disse-se.
Uma chamada mais não podia fazer nenhum mal.
Olhou o relógio. Eram quatro horas da tarde em Nova Iorque. Um bom momento para localizá-la... já se teriam passado as náuseas se é que ainda estivesse padecendo, e certamente fosse muito cedo para que Kevin já tivesse chegado.
Marcou o número antes de que pudesse mudar de opinião.
Então desprenderam o telefone.
-Alô?
Tinha a respiração alterada, como se tivesse corrido.
- Sou eu, Rhys -disse-. Acaba de chegar?
-Eu... sim, sim.
-Mariah? Estás bem?
- Sim. Estou bem.
Genial. Outra conversa como a anterior. Mas então ela disse de repente.
-Sinto-os mover-se, Rhys -disse, e havia excitação em sua voz-. Fui hoje ao médico e os vi na ecografia.
Havia até mais excitação em sua voz. E também surpresa. E Rhys, repetindo suas palavras na cabeça, começou a sentir medo.
- Você os viu?
Ela riu, mas pareceu muito mais uma risada histérica.
-Sim! São gêmeos!