- Espera, senhorita Vargas? - pergunta arrancando uma risada
minha.
- Sim, aliás, não vai acontecer... Você sabe como funciona; primeiro
a gente conhece a pessoa, depois damos nosso primeiro beijo, as coisas vão
acontecendo devagar, começamos a namorar, nos entregamos de corpo e
alma e só depois nos casamos. Eu não serei assim, conhecerei meu marido
no altar e nem sei o seu nome direito.
- Porque não quer, é só pesquisar que saberá - responde Lucy
revirando os olhos. - Pense que ele é um bom partido, é um homem
importante nos negócios, ao menos terá uma vida tranquila, sem precisar se
preocupar em não ter dinheiro.
- Mas eu não quero viver dependendo de um homem - digo
suspirando. - Quero estudar, fazer uma faculdade, conhecer o mundo,
pessoas.
- Se o seu marido for um homem bom, poderá fazer isso tudo, não
vivemos mais no século XVIII, estamos no século XXI. Será que ele seria
tão retrógado assim?
- Acho que não - respondo como um murmuro. - Pelo menos eu
espero que não.
- Você saberá daqui uma semana - responde Lucy segurando
minha mão. - Não se preocupe, tenho certeza de que você irá se
surpreender.
Torço para que ela esteja certa.
***
Sabe quando você tem a sensação de que o tempo passa mais
depressa?
Quando você precisa que seu dia tenha quarenta e oito horas e, na
verdade, dura menos de cinco?
Estou me sentindo assim nesta semana de pré-casamento. Parece que
a cada segundo, as horas passam mais rápidas e quando pisco já se encerrou
mais um dia.
Agora falta apenas quatro dias para o casamento acontecer e estou
cada vez mais nervosa com isso tudo. É como se a minha sentença de morte
estivesse pronta e eu esperasse este acontecimento.
E para falar a verdade, não duvido que seja isso mesmo.
A cada minuto, hora e dia que se passa, eu sigo para uma morte lenta
e dolorosa.
Estou perdida...
***
Como combinado, a festa será em casa, com um buffet extraordinário
e muita comida. O casamento ocorrerá em uma igreja reservada, não tão
longe de casa, levando em consideração que moramos na cidade grande,
próximos a prédios e casas gigantescas.
- Está distraída - diz mamãe me tirando dos meus pensamentos. -
Na verdade, desde o dia que soube sobre o casamento, você parece viver no
mundo da lua.
- Meu sonho que isso fosse verdade - digo cruzando os braços. -
Só estou tentando processar tudo que vem acontecendo.
- Imagino que sim... Você vai se casar em quatro dias, precisa de
descanso e bem-estar, além de que está com olheiras enormes.
- Não tenho dormido muito bem, tive pesadelos a semana inteira -
confidencio a ela que suspira triste.
- Sabe, filha, meu casamento com seu pai não foi fácil, mesmo nos
casando por amor, temos as nossas diferenças.
- Para ele te trair, acredito que tenha mesmo - digo e sou
repreendida pelo seu olhar duro.
Mamãe se aproxima e se senta ao meu lado no sofá, segurando
minhas mãos.
- Isso é um detalhe que deve ser esquecido.
- E se acontecer o mesmo comigo, mamãe? E se meu marido me
trair por aí?
- Será mais fácil, já que você não sente nada por ele.
Concordo mexendo no meu cabelo, com a intenção de que isso alivie
os pensamentos.
- Eu sempre sonhei em me casar, mas não tão cedo e nem assim,
sem querer.
- Eu sei, minha filha, e nunca irei me perdoar por isso...
- Mas é necessário, eu sei. - A corto, esboçando um sorriso. -
Como papai está com essa história toda?
- Se quer realmente saber, ele está bem. Sabe que está sendo difícil
para você, mas está aliviado que tudo passará.
- Uma coisa que eu não entendo é porque papai teme tanto o
Eduardo. Não consigo acreditar que ele seja capaz de fazer algum mal.
- Eu também não acreditava que seu pai seria capaz de matar uma
mosca, mas quando você não tem para onde correr, precisa fazer escolhas.
- Escolhas essas que machucam outras pessoas. - Suspiro. -
Entendi.
- Uma hora você entenderá tudo.
- Então você está me dizendo que tem algo mais além do que eu
sei?
- Possa ser que sim - responde tristonha. - Por que você não
chama a Lucy para um chá? Seria bom você se distrair um pouco, ainda mais
que agora ela será sua governanta.
- Aliás, obrigada por isso, ter Lucy comigo será muito mais fácil.
- Não agradeça - responde se levantando. - Não vou abandoná-
la, filha, tenha certeza disso.
Concordo apenas com um movimento de cabeça e fico em pé,
decidida a esquecer isso pelo menos por um momento.
***
Quatro dias, se tornaram três, que logo viraram dois e quando vejo,
estou no banheiro, encarando o espelho.
A casa está cheia, como já era de se esperar e pessoas vão para
todos os lados com arranjos de flores, cadeiras, mesas e muitas outras
coisas. Há garçons e garçonetes, um buffet repleto de comida e música
teatral. Acho tudo exagerado, mas não reclamo, minha maior preocupação
neste momento é o que vai acontecer depois do sim.
Me despindo, caminho até a banheira, que Lucy me auxiliou no
preparo do banho. Mergulho, molho meu cabelo e fico imersa na água por
um longo minuto, saindo após não aguentar segurar mais a respiração.
Ensaboo meu corpo e lavo meu cabelo, hidratando-o com cheiro de rosas.
Assim que finalizo, depilo minhas pernas, sabendo que terei que manter
minha depilação em dia.
Ao terminar, saio do banheiro e sigo para o quarto, sendo recebida
por Lucy, mamãe, Cayenne, um maquiador e um cabeleireiro. Respiro fundo,
ignorando o falatório a minha volta e visto a lingerie de renda branca na
frente deles, sem me importar se estão me vendo nua. Após fazer isso, me
enrolo em um roupão e sigo até uma cadeira em frente ao espelho, soltando
meu cabelo molhado.
- Hoje é um dia muito especial, senhorita Vargas - diz Cayenne.
- O Joseph vai cuidar do seu penteado e Josh da sua maquiagem, queremos
você impecável.
- Obrigada, não consegui dormir nos últimos dias de tanta
ansiedade - digo soando sarcástica.
- Imagino que sim, casamentos são tão lindos - diz animada.
Forço um sorriso e Joseph começa seu trabalho, escovando bem meu
cabelo.
O processo leva menos de uma hora, quando dou por mim, meu
cabelo já está completamente escovado e ele começa a fazer o penteado.
Peço que seja algo simples, como um topete alto na frente e o comprimento
preso em um coque frouxo. Na frente, deixamos algumas mechas soltas,
colocando em volta da minha cabeça uma tiara de prata, com pequenas
pedras semipreciosas que pertencera a minha vó.
Fico surpresa em ver como o simples objeto antigo realçou meu rosto
e um sorriso sincero se forma em meu rosto quando Josh se aproxima e
começa a me maquiar.
Escolhemos uma maquiagem simples, apenas esfumaçando meus
olhos em preto para realçar meu rosto e um batom tom de pele. Ele passa o
delineador e finaliza com o pó no meu rosto, assim que termina, Josh se
afasta e me encaro no espelho.
Não posso negar, realmente estou muito bonita e por um milésimo de
segundo, a ideia de me casar se torna boa.
- Filha. - Saio dos meus pensamentos ao ver mamãe e me viro
para ela, que está emocionada. - Você está linda, querida.
- Obrigada - digo emocionada. - Não me deixe chorar, se não
vai borrar toda a maquiagem e Josh será obrigado a refazer.
Mamãe sorri concordando, então me viro e vejo Cayenne com o
vestido em mãos. Sinto meu coração cada vez mais acelerado, como se ele
pudesse sair do meu peito e ela se aproxima.
- Você está pronta?
- Acho que sim - digo receosa.
- Certo, vamos lá.
Como no dia da prova, Cayenne me ajuda a colocá-lo e me sinto
cada segundo mais nervosa, sabendo que dessa vez não estou me vestindo
para uma prova, mas sim para subir ao altar. Assim que ouço o zíper ser
fechado, uma onda de sentimentos cresce dentro de mim, como se eu fosse
uma bomba-relógio que pudesse implodir aqui mesmo.
Respiro fundo tentando me manter firme e abaixo um pouco a cabeça
para o véu ser colocado. Quando termina, Cayenne, o joga para trás e vejo
meu reflexo no espelho.
Assim como na prova, estou deslumbrante, o que me deixa bastante
surpresa.
Como uma roupa poderia subjugar tanto o corpo de uma mulher?
Fico estarrecida e dou uma volta, vendo a cauda deslizar pelo
ambiente.
- Estou linda - digo realmente emocionada.
- Você está mesmo, Laureen - diz Lucy batendo palmas de
felicidade.
Sorrio e me viro para mamãe que chora baixinho.
- Querida, nunca imaginei que você ficaria tão linda em um vestido
de noiva.
- Concordamos com isso, eu também nunca imaginei - digo rindo.
Ela sorri se aproximando de mim e me abraça forte.
- Estarei torcendo pela sua felicidade, mas se precisar de alguma
coisa, não hesite em me procurar.
Concordo sabendo que posso confiar em suas palavras.
- Acho que está na hora - digo sentindo minhas mãos tremerem. -
Mãe, me leve ao altar.
- Pensei que iria sozinha, seu pai me disse...
- Sim, mas quero que você me leve - digo interrompendo-a.
- Claro, minha filha.
Sorrio com isso e suspiro, encarando minha imagem uma última vez
no espelho.
Não há mais nada para se fazer, o momento está chegando e irei me
casar.
Acidente de trânsito
Sinto meu coração cada vez mais acelerado quando desço a
escada em direção a saída da casa. Minhas mãos estão molhadas por conta
do suor e minha respiração está entrecortada.
- Mantenha a calma - sussurra Lucy ao meu lado.
Levo minha mão até a sua e a aperto.
- Obrigada por estar ao meu lado neste momento.
Vejo seu sorriso se alargar e percebo que o tempo não está tão
favorável, pois o céu está escuro, carregado de nuvens, até mesmo parecia
que alguém havia morrido e eu não duvido disso. Estou morta por dentro por
ter que me casar com um completo desconhecido.
- O carro já está vindo - diz mamãe me trazendo para a realidade.
- Certo, e papai?
- Já está na igreja, ele preferiu ir na frente para recepcionar os
convidados.
Concordo e fico em silêncio, esperando.
Não demora e vejo um carro adentrar o jardim ao lado da nossa casa
e mamãe junto com a Lucy me ajudam a descer os degraus, segurando a
cauda e o véu do vestido.
- Lucy e eu iremos em outro carro, encontrarei você na igreja.
- Por quê?
- Quero te dar um tempo sozinha - diz afastando o cabelo do seu
rosto.
Apenas assinto, agradecendo mentalmente, entro no veículo, pego
meu buquê e me despeço das duas ao ver a porta ser fechada.
Logo vejo mamãe e Lucy seguirem para outro carro e seguro minha
respiração contando até cinco. O ato me ajuda a manter a calma pelo menos
um pouco, até o carro começar a se movimentar saindo do jardim do meu
antigo lar.
Me viro de costas e olho pelo vidro traseiro a casa que passei a
minha vida inteira ficar cada vez mais longe. Penso que nunca mais irei
voltar para cá, a partir desta noite, serei uma mulher casada e com
sobrenome diferente.
Logo o veículo está andando pelo trânsito da cidade, coloco o buquê
no assento ao lado e torço minhas mãos de nervosismo.
Como será que meu noivo é?
De repente, penso que minha atitude de não querer vê-lo pelo menos
na internet é um tanto quanto infantil, mas a dele de não vir me conhecer
pessoalmente é pior ainda, o que me faz rir.
E se ele for um homem feio, com mau hálito?
A ideia de encontrar um ogro no altar me causa boas risadas e dor no
estômago.
Não é porque irei me casar sem vontade que meu futuro marido tem
que ser feio.
Continuo um bom tempo pensando em como será meu futuro marido,
relembrando o pesadelo que havia tido.
E se fosse uma espécie de alerta?
E se realmente meu noivo que desconheço, é uma pessoa
assustadora?
Fecho meus punhos com força, chegando a sentir minhas unhas
machucarem a palma das minhas mãos. Tento me acalmar e fecho os olhos,
desejando que isso tudo não passe de um pesadelo.
E então algo acontece...
Sinto um solavanco forte e sou jogada para a frente, batendo com
tudo meu peito no banco. Solto um gritinho de dor e o buquê rola pelo chão
do carro, com meu coração acelerado por conta do baque.
- O que foi que aconteceu? - pergunto me sentindo assustada.
- A senhorita está bem? - pergunta o motorista, se certificando que
não estou machucada.
Sei que ele não se importa, está apenas vendo se não me machuquei
para não perder seu emprego.
- Estou bem - respondo. - Parece que bateram no nosso carro.
Respiro fundo sentindo a dor no peito.
Ele estaciona o carro no meio-fio, abrindo a porta e saindo
rapidamente. Abro a janela do carro e o vejo indo para trás, analisando a
traseira.
- Como é que estamos aí?
- Ferrados - diz suspirando.
Abro a porta e com um pouco de dificuldade, saio, olhando o veículo
que bateu na gente, parar com a frente destruída.
- Não poderia ser melhor - balbucio revirando os olhos.
Vejo a porta do carro que nos acertou abrir e o motorista sair.
Seu olhar é bastante sério e percebo o nervosismo dele.
- Vocês estão bem? Por favor, me perdoem, acabei acelerando mais
do que deveria.
- Está desculpado, mas deveria se atentar um pouco mais - digo
com o meu motorista me observando. - Veja que ironia, você acelerou para
ir mais rápido e agora está aqui parado, perdendo tempo.
- Sinto muito de verdade, senhorita - diz sincero. - Você vai se
casar.
Não é uma pergunta já que estou usando vestido de noiva, com véu, o
que não tem outra explicação a não ser um casamento.
Quem sairia assim à toa?
- Sim, e você me atrasou para o meu casamento.
- Sinto muito.
- Na verdade, obrigada - respondo com um sorriso.
Vejo a porta traseira do carro se abrir e um homem sair.
Assim que o vejo, é como se cada detalhe a minha volta
simplesmente desaparecesse e estivéssemos somente nós dois aqui, parados,
um encarando o outro. Não posso negar, ele é um homem muito bonito. Seu
cabelo é escuro e seus olhos acastanhados demostram uma fúria que fico
curiosa em desvendar. Sua barba está bem alinhada, marcando seu lindo
rosto angelical. Posso afirmar que em toda minha vida, nunca vi um homem
tão bonito como ele.
A pele clara se destaca ainda mais com o smoking preto que ele usa.
Noto a gravata borboleta e ele ergue a sobrancelha, talvez sem entender o
porquê estou o encarando.
- O que está acontecendo aqui, Reginald? - questiona com a voz
grossa e sensual.
Fico arrepiada ao ouvi-lo e me repreendo mentalmente por isso.
- Só me certificando que a senhorita está bem - diz Reginald, o
motorista.
- E você está bem? - pergunta o homem me encarando.
- Sim, estava dizendo ao seu motorista que ele me atrasou para o
meu casamento, mas está tudo bem.
- Certo, nos perdoe por isso, o carro eu posso mandar consertar,
desde que você não se importe que seja feito isso outra hora, também estou
atrasado para o meu casamento.
Fico surpresa ao ouvir isso e com a coincidência em saber que este
homem também irá se casar.
- Tudo bem, meu motorista pode cuidar disso com o seu, o que
acha?
O homem assente e vejo meu motorista se aproximar do seu, trocando
algumas palavras que não ouço. Vejo Reginald dar um cartão para o outro e
encaro o homem que me observa atentamente.
- Bom casamento para você, senhorita...
- Laureen, me chamo Laureen.
- Certo, me chamo Gael. Mais uma vez, me perdoe.
- Tudo bem, um bom casamento para você também.
Um sorriso sincero se forma em meu rosto e o vejo fazer o mesmo.
Sinto pingos de chuva começarem a cair e entro no meu carro
acenando para o rapaz, o perdendo de vista.
Não demora e meu motorista volta para dentro do veículo me
encarando.
- A senhorita está bem mesmo?
- Sim, estou, agora vamos seguir logo para a igreja.
- Vai ser uma entrada e tanto com o carro amassado - responde
mais para ele do que para mim.
Rio com isso e movimento a cabeça em concordância.
O carro passa ao nosso lado e vejo o homem uma última vez,
marcando bem seu olhar sério e enigmático.
***
Conto de 10 a 0 e quando vejo, estamos em frente à igreja. Respiro
fundo e avisto mamãe e Lucy do lado de fora, ao perceberem o carro
amassado, seus olhares se contorcem e se aproximam rapidamente de nós.
- O que houve? - pergunta mamãe, assim que o carro para em
frente à entrada da igreja.
- Fomos acertados por um motorista um tanto imprudente - digo
suspirando.
Elas me ajudam a sair do carro e arrumam a cauda do vestido,
esticando-o e alinhando. O véu também é arrumado e mamãe me observa.
- Vocês estão bem?
- Sim, até que foi divertido, acredita que o rapaz que nos acertou
também estava indo se casar?
- Que loucura, mas vamos esquecer isso por um momento. Quando
você estiver preparada, entraremos.
Sinto o medo voltar a tomar conta de cada parte do meu corpo e
minhas mãos suam cada vez mais. Respiro fundo, mentalizando coisas boas,
como se isso fosse apenas uma fase e se depender de mim, acabará em
breve.
"Tolinha!"
Ouço meu pensamento e vejo o quanto é verdade.
Isso não irá acabar, pelo contrário, está apenas começando e será
ainda mais difícil a partir do momento que eu disser "sim".
- Segure minha mão, mamãe, e não me deixe vacilar.
- É claro, querida - diz mamãe já me agarrando. - Vamos.
Movimento minha cabeça e quando Lucy já está dentro do local,
posicionada no seu devido lugar, subo os degraus da igreja, caminhando
devagar para o meu destino.
Entrar em uma igreja para se casar chega a ser cômico, já que estou
me direcionando para o verdadeiro inferno, mas me mantenho firme e sorrio
respirando fundo, aceitando o destino que me foi dado.
Finalmente eu irei me casar...
Casada com o CEO
Caminho devagar em direção ao altar, segurando a mão de
mamãe com força. Ouço a marcha nupcial e na minha mente ela se transforma
na marcha fúnebre, então, ergo meu olhar em direção ao meu futuro marido e
o encaro, o que me faz congelar travando no meio do caminho.
A igreja está cheia e todos os convidados me encaram, surpresos
com a minha atitude. Fico parada por um bom tempo, o olhando atentamente,
sem acreditar que o homem que vi no trânsito e bateu no meu carro, é meu
futuro marido.
Como ele se chama mesmo?
"Me chamo Gael."
Ouço sua voz em minha mente e sinto um arrepio percorrer minha
espinha, então mamãe aperta minha mão, me trazendo para a realidade.
- Está tudo bem? - pergunta baixinho.
O som no local é alto.
- Foi ele que bateu no meu carro - sussurro.
Volto meu olhar para o altar e vejo papai, Lucy, Eduardo, o padre e
Gael. Todos me encaram sem entender e o olhar inexpressivo do meu pai me
fita, como se pudesse me matar aqui mesmo por esta vergonha.
- Falaremos disso depois, é melhor seguirmos, as pessoas estão
olhando.
Concordo com mamãe e voltamos a caminhar, agora com todos
demonstrando um certo alívio em seus olhares.
Será que eles esperavam eu desistir deste casamento?
Dou alguns passos, como se, ao invés de me aproximar, eu ficasse
ainda mais longe do altar. Então vejo o homem que chamou minha atenção
pouco tempo atrás, me encarar.
- Laureen - sussurra me observando. - Então é você, a noiva do
trânsito.
- Que ridículo! - disparo. - Me desculpe, quis dizer que a
situação é ridícula. Nos conhecermos assim, em um acidente, sem sabermos
que iriamos nos casar.
Um sorriso angelical se forma em seu rosto e me sinto sem graça,
então o padre pigarreia e nos viramos para ele, com Gael se aproximando e
segurando minha mão. Um arrepio percorre cada parte do meu corpo, como
se o seu toque disparasse cargas de eletricidade, me trazendo à vida
novamente, o que é estranho.
Por que estou sentindo estas coisas?
- Boa tarde a todos - começa o padre nos encarando. - Antes de
tudo, vamos ler um versículo da bíblia.
Fico quieta, achando isso tudo muito ridículo e desnecessário. Nunca
fui uma pessoa muito cristã, mas sempre sonhei em me casar na igreja.
Porém, um casamento tradicional, verdadeiro e por amor.
- Sua mão está suando - sussurra Gael, enquanto o padre lê o
versículo que não presto atenção.
- A sua é quente - disparo me repreendendo por isso.
Outro sorriso se forma em seu rosto e noto a sua beleza, ficando sem
graça.
- Nesta tarde, duas pessoas decidiram se unir em prol do amor -
diz o padre me fazendo rir.
Ele me encara e fico sem graça.
- Desculpe - murmuro.
- Continuando... - O padre retorna e vejo Gael segurar a risada
também. - O amor mais uma vez falou mais alto e estes dois jovens
decidiram se unir em uma só carne.
Vejo Gael segurar ainda mais a risada e faço o mesmo.
- Padre, poderíamos pular esta parte? - peço, notando os
convidados rirem conosco.
- Vocês que mandam - diz nervoso. - Gael Brown, você aceita se
casar com Laureen Vargas de livre e espontânea vontade, prometendo honrá-
la, protegê-la e amá-la pelo resto dos seus dias?
- Sim - responde Gael se controlando para não rir.
- Laureen Vargas, você aceita se casar com Gael Brown de livre e
espontânea vontade, prometendo honrá-lo, protegê-lo e amá-lo pelo resto de
sua vida, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença?
Encaro Gael e desvio meu olhar para papai que demonstra medo e
receio, então me viro para mamãe, que chora baixinho, talvez de
arrependimento, talvez de alergia. Nunca saberei...
Volto meu olhar para Gael Brown que sorri de lado.
- Aceito - digo sentindo que estou entrando em um lugar obscuro
que jamais poderei sair.
- Então, com a permissão que me foi dada, eu os declaro casados.
- diz o padre aliviado. - Pode beijar a noiva.
Vejo Gael levantar meu véu devagar e meu coração se acelera cada
vez mais, então o visualizo mais uma vez e ele se aproxima, colando seus
lábios nos meus.
O beijo começa devagar, talvez esperando minha permissão, então
abro a boca e Gael mergulha sua língua, nos misturando por completo. Sinto
o gosto do seu beijo; uma mistura de pasta dental e morango, e correspondo
o ato, sabendo que não terei escolha.
Não é ruim, muito pelo contrário, sinto uma sensação tão diferente
que o puxo para próximo de mim e ficamos nos beijando por longos minutos,
ouvindo as pessoas à nossa volta nos aplaudir.
Volto a realidade e o afasto devagar, com ele finalizando com um
selinho. Assim que nos separamos, assinamos os papéis e ele me observa.
- Esposa - murmura sorrindo de lado.
- Esposo - respondo sem graça.
Gael estende a mão para mim e a seguro, sentindo meus batimentos
cada vez mais acelerados, então ele me guia em direção ao tapete e vamos
andando até a saída da igreja, comigo sem entender.
Os convidados se colocam em pé e nos aplaudem, com alguns
jogando arroz em cima de nós. Vejo o carro amassado parado do lado de
fora, Gael se desvencilha de mim, indo até o veículo e abre a porta. Desço
os degraus devagar, ele me ajuda a entrar no carro, fechando a porta e dando
a volta.
Não demora e ele está ao meu lado.
Olho para o lado de fora e observo os convidados gritando e
aplaudindo. Procuro entre as pessoas um rosto conhecido até que encontro
mamãe que acena para mim e jogo o buquê, com o veículo começando a se
movimentar rapidamente, sem eu ter a chance de saber quem o pegou.
- Para onde estamos indo? - questiono sem entender.
- Para sua antiga casa, iremos antes dos convidados para que você
possa colocar uma roupa mais leve. Acredito que este vestido esteja a
incomodando.
- Um pouco - digo encarando seus olhos.
Ele me observa e me sinto sem graça, como se estivesse exposta.
- O destino é engraçado - diz olhando pela janela. - Nos
encontrarmos pela primeira vez em um acidente de trânsito.
- Às vezes o destino gosta de brincar conosco - respondo. -
Posso fazer uma pergunta?
- Tecnicamente você já fez, mas claro que pode.
- Por que você não foi me conhecer antes? - questiono ignorando
sua piada sem graça.
- Acho que deve saber que sou um homem de negócios - diz
voltando a me encarar. - Fiquei tão surpreso quanto você quando soube do
casamento, no dia, estava viajando e só voltei ontem.
- Você só voltou para se casar com uma desconhecida?
- Sim - responde seco.
- E você vê isso como algo normal?
- Na verdade, não, e se eu disser a você que queria me casar,
estarei mentindo, mas a vida inteira meu pai tomou as decisões por mim, eu
já esperava que isso aconteceria em algum momento.
Fico em silêncio ao ouvir isso, me sentindo ao menos um pouco
aliviada em saber que ele também não queria se casar.
- Mas, e você.
- Eu o quê?
- Queria se casar comigo?
- Claro que não, como poderia querer me casar com uma pessoa
que nem conheço?
- Bem, se não lembra, você fez isso minutos atrás - responde
dando de ombros.
- Por falta de escolha - digo. - Me desculpe, não quero ofender.
- Não está - responde. - Estou curioso com uma coisa.
- Qual?
- Você não pareceu me conhecer quando nos encontramos no
acidente... Você não foi atrás para saber quem eu era?
- Não, preferi esperar, assim não ficaria tão nervosa, sem contar
que fiquei com medo de você ser um homem horrendo.
Gael dá risada e me vejo rindo com ele.
- E eu superei suas expectativas?
Fixo meus olhos em cada detalhe do seu rosto angelical.
- Bem, já que somos casados agora, não posso reclamar em relação
a isso, você é muito bonito - digo envergonhada.
- Você também é muito linda.
- Obrigada. Agora me diz, você realmente é um CEO das empresas
do seu pai?
- Sou sim, ele me deu o cargo tem um ano, desde então, minha vida
se tornou um verdadeiro inferno.
- Por quê?
- Muitas viagens.
- Então nos veremos pouco - afirmo.
- Na verdade, não, aceitei o casamento se ele concordasse diminuir
as minhas viagens. Você foi a minha salvação.
- Fico feliz em saber que servi para alguma coisa - respondo
rindo.
Ele fica em silêncio.
Encaro o lado de fora, percebendo que o trânsito está tranquilo, no
entanto, a chuva cai forte.
- Posso fazer outra pergunta?
- Fique à vontade, esposa - diz me olhando.
- Você também não pareceu me reconhecer, não sabia como eu era?
- Não, assim como você, preferi não vê-la até o dia do casamento
- responde.
Concordo e sorrio.
- Mamãe estava do lado de fora da igreja quando eu cheguei, ela
não te viu?
- Entrei pelos fundos para evitar que alguém me visse.
Ouço isso e seguimos o restante do caminho em silêncio, com Gael
sem encostar em mim, o que me deixa tranquila.
- Sou uma péssima noiva, eu sequer vi quem pegou o buquê -
digo.
- Você vai acabar descobrindo isso, não se preocupe, ainda temos
uma longa noite pela frente.
Me arrepio sabendo que teremos que manter um papel de casal feliz
por mais algumas horas.
- Você é um bom ator, foi convincente na hora do beijo - digo
puxando assunto.
- Na verdade, eu não estava atuando naquele momento, o beijo foi
real, assim como da sua parte.
- Como você tem certeza de que o beijei por querer? - pergunto
cruzando os braços e o observando.
Seu olhar demonstra certa euforia.
- Um beijo daqueles não dá para fingir, mas se você quiser, posso
ser um ótimo ator pelo restante da noite.
- Seria bom, quero dizer, pelo menos em relação a estarmos felizes
com esta união, se é que me entende.
- Entendo.
É a única coisa que ele diz e quando vejo, já estamos próximos de
casa.
Assim que o carro para, Gael sai e dá a volta para abrir a porta para
mim, me ajudando a descer do veículo. Seguro sua mão, sentindo o calor
dela e saio, olhando para a casa que morei a minha vida inteira.
- Cheguei aqui mais rápido do que imaginei.
- Você pensou que se casando comigo, não voltaria mais aqui,
mesmo a festa sendo na casa dos seus pais?
- Basicamente isso - digo rindo.
Subimos os degraus com Gael ainda segurando minha mão e entro no
local, olhando em volta da casa que passei minha vida inteira.
- Bonita - diz observando em volta.
Noto que a casa continua bastante agitada, por conta da preparação
da festa.
- É melhor eu ir me trocar logo - digo apontando para a escada.
- Claro, estarei aqui embaixo bebendo um uísque.
Concordo e sigo com dificuldade para o andar de cima, indo para o
meu quarto. Assim que entro, observo que na cama há um vestido mais
simples, porém muito bonito. Tiro o vestido de noiva com certa dificuldade
e assim que finalmente consigo, fico apenas de lingerie e me sento, refletindo
sobre o que está acontecendo.
Agora não tem como voltar atrás, estou casada com um homem que
por enquanto apenas sei o nome e que é um CEO na empresa do seu pai.
Gael é uma incógnita e me vejo em um dilema, eu quero conhecê-lo.
***
Uma batida na porta me tira dos meus pensamentos e rapidamente me
enrolo no vestido de noiva, vendo a porta ser aberta e meu marido entrar no
meu quarto.
- Me desculpe por entrar assim, é que as pessoas já estão chegando
e sua mãe ordenou que eu viesse atrás de você.
- Por que ela mesma não fez isso?
- Acho que está ocupada com os convidados - responde e me
encara. - Desculpe, você ainda nem se vestiu. - Aponta para o vestido na
cama e fico sem graça. - Vou sair para que se arrume.
- Tudo bem, pode ficar, apenas fique de costas, se mamãe o ver no
corredor e eu trancada aqui dentro, é capaz de achar que tem alguma coisa
errada.
Ele me encara e assente virando de costas.
Rapidamente jogo o vestido de noiva na cama e pego o outro, me
vestindo mais rápido do que consigo.
Suspiro, aliviada e me olho no espelho.
O vestido branco bordado com pérolas marca minhas curvas e realça
meus seios. Meu penteado continua intacto, com a tiara da vovó realçando
minha beleza.
- Estrou pronta - digo me virando para Gael.
Ele me encara um minuto inteiro em silêncio e vejo seu pomo de
adão se mexer.
- Você é realmente muito linda - murmura. - Meu pai escolheu
uma bela esposa para mim.
- Obrigada - digo sentindo meu rosto ruborizar.
- Não tem o que agradecer. Vamos descer?
Concordo e ele estende a mão para mim.
A pego e seguimos em direção a saída do quarto, andando devagar
até a escada. Paro olhando a movimentação das pessoas e todos nos encaram
aplaudindo. Me preparo com Gael para o meu melhor teatro.
A noite acaba de começar...