O banheiro não estava tão cheio, um cara que usava o mictório reclamou, e eu mostrei o dedo do meio para ele enquanto procurava uma cabine livre. Era estranho como o banheiro dos homens não estava podre como o das mulheres.
Depois de quase virar o pé três vezes na tentativa de fazer xixi sem me encostar ao vaso, sentei-me e dei risada, que merda eu estava fazendo ali? Eu me limpei e dei descarga, depois subi as calças me apoiando nas paredes e saí, numa tentativa falha de andar em linha reta até a pia. Encarei meu reflexo e dei risada novamente - Deus sabia o quão bêbada eu estava.
Bebi um pouco de água da torneira, na esperança de que dois goles d'água fossem capazes de me livrar de uma ressaca das bravas, e ajeitei a maquiagem dos olhos, que parecia borrada. Tirando aquilo, até que eu não estava nada mal.
Lembrei-me da minha insanidade na pista de dança e gargalhei sozinha, pensando na provocação gratuita, mas logo parei de rir, pois fui interrompida pelo barulho alto da porta batendo e anunciando que eu não estava mais sozinha. Havia um segurança dentro do banheiro, isso normalmente não me deixaria nervosa, mas o homem para quem eu havia dito que não precisava de ajuda estava lá também, me encarando com um sorriso de canto nos lábios finos
e mãos nos bolsos de sua calça jeans, que deveria ser muito cara.
- E-e-está perdido? - trancei a língua, mas ainda soava compreensível em inglês; meu coração batia nos ouvidos graças ao medo de algo acontecer contra a minha vontade. Obrigada, fogo no cu, pela bebida!
- Eu não falo sua língua, mas você parece falar muito bem a minha - o homem falou em inglês. Malditos gringos.
Tomada de uma ousadia embriagada, comecei a mostrar minha indignação para o estranho, gastando o inglês que eu tinha suado para aprender.
- Vocês são folgados demais, quando pisamos na terra do Tio Sam, somos todos obrigados a saber a língua de vocês, mas quando vocês vêm para a nossa terra, tanto faz né? E não, nós não falamos espanhol. Chama-se português,
conhece? - Eu nem sei o porquê comecei a falar aquelas coisas para o cara, e nem sabia se era sensato fazer isso. Ele só ficou me encarando de maneira fria, como se tivesse o poder de controlar o mundo e bem... talvez ele tivesse.
Eu o observei ser o centro da mesa com seus companheiros, então ele certamente não era protegido daquele modo à toa.
- Eu sei que vocês falam português, o que eu não entendo é essa sua postura... Já havia escutado que brasileiras eram quentes... - ele disse, aproximando-se lentamente. - Mas o que você é ainda não tem nome - ele sorriu e não chegou aos olhos.
Não gostei.
- Onde aprendeu a dar uma joelhada daquele jeito? - o homem colocou a mão no meu queixo e olhou profundamente nos meus olhos, aproximando nossos rostos.
Eu sei que estava mais bêbada que bicha menor de idade em parada gay, mas aquele homem conseguia ser mais bonito de perto do que de longe, e de longe ele já era maravilhoso. Pude ver os olhos castanhos me encarando sob um belo par de sobrancelhas grossas e vivas, uma delas estava erguida como se esperasse logo a resposta.
A boca fina estava aberta em um sorriso de dentes brancos e retos. Notei os caninos proeminentes e sorri, achando aquilo sexy pra caralho. O rosto tinha as mandíbulas marcadas e a barba por fazer, me lembrei de anotar esse fato mentalmente porque isso significava testosterona, e eu já esperava um belo pau grande. Comecei a rir loucamente do meu pensamento sujo, o homem pareceu não entender nada, o sorriso em seu rosto sumiu e ele tirou a mão de mim, mas continuou me encarando.
De repente, graças a minha crise de riso, eu vacilei com aqueles saltos enormes, e ele me puxou pela cintura, sustentando meu corpo e me fazendo voltar ao equilíbrio. Ter aquele homem me segurando era irreal, eu não era o tipo dele, então tentei não me abalar.
- Me desculpe - falei, parando de rir e limpando as lágrimas que saíam dos olhos. - Preciso encontrar minhas amigas - tentei me soltar, mas ele não me largou.
- Eu poderia te levar em casa... Segura e inteira, eu juro - ele ergueu as mãos, finalmente me soltando, e eu o encarei como se fosse louco.
- Não sei como é no seu país, mas, aqui, essa situação em que estamos já é estranha, então faça o favor de sair da minha frente, ou farei um escândalo. O tio de uma das minhas amigas é dono disso aqui e seria assim - estalei os dedos - para eu te foder.
O cara ergueu as sobrancelhas e se afastou de mim como se tivesse
tocado em algo muito quente. Logo saiu da minha frente, e eu passei, tentando manter minha dignidade sem cair de cara no chão.
O segurança não liberou o caminho, e eu me virei, irritada, olhando para o gringo com as mãos na cintura.
- Você vai mandar ele me deixar sair, ou eu vou precisar lidar com ele do meu jeito? - ameacei, sabendo que não daria conta nem mesmo de dar um tapa na cara daquele armário em forma de gente.
- Antes de ir, me diga seu nome - ele provocou.
- Elizabeth - falei, entediada.
- Sobrenome?
Pra que diabos ele queria meu sobrenome? Ia me adicionar no Facebook? Minha vontade era mandar ele se foder, mas me controlei para terminar de vez com aquela situação.
- Fabbri.
Ele ergueu as sobrancelhas, parecendo interessado.
- Italiana?
- Porca miseria! - eu xinguei, e ele pareceu se divertir.
- Deixe a garota ir, Henry... - ele permitiu, ainda com aquele sorriso zombeteiro nos lábios.
- E seu nome? - tentei me fazer de idiota, mas estava curiosa.
- Louis Luppolo - ele respondeu mais sério do que eu esperava.
- Até nunca mais, senhor Luppolo... - eu disse seu sobrenome lentamente, olhando por cima do ombro, antes de sair batendo a porta atrás de mim.
* * *
"O que acabou de acontecer?", foi tudo o que pude pensar antes de encontrar Isa e avisar que estava indo embora.
A ressaca moral foi grande, mas a ressaca de álcool me deixou na cama, evitando luz e som alto por todo o final de semana.
Eu estava sem celular, havia deixado o coitado cair quatro vezes no mês, e meu dinheiro tinha acabado, não tinha como arrumar naquele momento. Isso não significava muita coisa quando as pessoas ainda tinham o chat do Facebook para falar comigo, mas eu fugi de todos naqueles dois dias. Precisava colocar minha cabeça no lugar, fazer uma promessa de que não colocaria álcool na boca tão cedo e que com toda a certeza eu nunca mais sairia com aquelas meninas.
* * *
Na segunda à noite, quando Isa me abraçou na sala de aula, eu tive certeza de que nem elas queriam sair comigo de novo. Pelo menos uma coisa boa.
Estava um frio do cacete. O começo de julho castigava, e Perdizes tinha a péssima mania de ser uma geladeira, mesmo no verão. A faculdade estava quase vazia; tirando os poucos vendedores ambulantes e as pessoas que bebiam mais do que estudavam, não tinha nenhuma alma viva nas ruas laterais da PUC.
- Vamos beber alguma coisa em comemoração! Passamos raspando! - Isa me obrigou a ir para o bar.
- Eu realmente não estou no clima, Isa. Vou te deixar no bar com alguém decente e depois vou subir para pegar meu ônibus.
- Não quer que eu chame um Uber? - Isa vivia querendo me ajudar, mas eu odiava que gastasse dinheiro comigo. Orgulho era um defeito grande dentro de mim.
- Não, só me empreste seu celular para eu ligar para minha mãe. Ela fica louca esperando na janela a cada ônibus que passa para saber se eu cheguei.
Isa deu de ombros e me entregou o celular.