Capítulo 2 Capitulo 2

- O que toda mulher faz quando tem seu coração partido?

Eva encarou a figura feminina através do espelho - cujos cabelos roxos e curtos ofuscavam qualquer outra coisa no salão - e sorriu para sua cabeleireira, que estava concentrada em homogeneizar a mistura mal cheirosa de água oxigenada e tintura.

- Começam a frequentar a terapia? - Eva questionou, confusa.

Estava bem perto de marcar uma consulta, de qualquer maneira.

- Mudam o cabelo! - Rosa bateu palmas, sorrindo. - Todos os dias eu recebo mulheres de olhos inchados e loucas para mudar totalmente. Não existe nada melhor que ficar linda e sair para fazer um homem se arrastar no chão de arrependimento.

- É o que eu digo para minha filha mais nova - uma das manicures opinou, enquanto pintava os dedos pálidos da sua cliente. - Sempre que puder fazer um homem sofrer, faça!

Preciso aprender a fazer isso, Eva pensou, amarga. Homens são quase insuperáveis na arte de quebrar corações.

- Você ficará esplêndida com os cabelos ruivos! - Rosa balançou sua cabeleira molhada e desgrenhada. - Primeiro, o comprimento. Você já pensou em quanto quer cortar?

Eva pegou o celular e apontou a imagem de uma famosa qualquer, cujos cabelos curtos e lisos emolduravam o rosto e terminavam na altura dos ombros. Sentiu-se insegura por um momento, uma vez que os cabelos longos vinham acompanhando-a durante toda a vida. Sair da zona de conforto era estranho.

Que tudo fosse para o inferno, era só cabelo.

Rosa deu um sorriso impressionado e começou a pentear seus cabelos. Em seguida, pediu para que ela permanecesse imóvel e alinhou sua cabeça. Eva ouviu o tilintar da tesoura afiada e prendeu a respiração, receosa de que qualquer movimento destruísse seu cabelo.

Encarou sua figura no espelho enquanto sentia as mechas caindo. O sentimento de vazio infindável continuava ali, a despeito dos dias transcorridos desde o término. Ela não tinha certeza se aquela sensação um dia iria embora; ainda estava tentando reconstruir os cacos que ele tinha deixado no fundo do seu coração, e queria que uma mudança no visual fosse o suficiente.

Mas ela sabia que não era.

Ainda assim, permitiu que Rosa cortasse seus cabelos e os pintasse, o cheiro pungente causando ardência em suas narinas. Seus olhos permaneceram vidrados no espelho, vislumbrando cada detalhe da antiga Eva sendo substituído por uma versão diferente.

Eu quero olhar para o espelho e encontrar uma pessoa que mereça ser amada, Eva desejou em silêncio.

- Você acha que essa lista é decente? - Jacqueline questionou, seus olhos direcionados para um pedaço de papel que descansava entre seus dedos. - Ir ao parque de diversões?!

Eva suspirou, irritada.

- O que há de errado com minha lista?

- Nada, exceto que ela é chata - Clara comentou, entrando no meio da conversa.

As três eram amigas desde o início do fundamental, e aquele laço era improvável demais para dar errado. Clara era a garota de cabelos loiros e personalidade gentil, sempre muito hábil em fazer amizades e atrair a atenção para si. Enquanto isso, Jacqueline era a garota impaciente que sentava no fundo da sala, atrevida da cabeça aos pés e determinada a não abaixar a cabeça para ninguém. Agia por impulso e falava mais do que deveria em ocasiões indiscretas. Eva constituía o ponto intermediário entre as duas, fogo e terra.

Ela gostava da forma como se sentia completa perto delas.

- O que eu devo colocar? - Eva questionou, tomando o papel das mãos de Jacqueline. As duas estavam sentadas no chão em frente à Eva. - Ir a uma boate de strip tease, vocês estão loucas?!

- protestou, arrancando risadas das amigas.

Não via nada de errado com sua lista.

- Para começar, vamos incluir um pouco de aventura, ou vai me dizer que nunca quis tomar um porre e esquecer até o seu endereço?

Eva pensou; já havia bebido álcool, não era tão pudica assim. No entanto, apesar de ouvir sobre as histórias insanas com álcool, nunca tivera uma noite de bebedeira.

Definitivamente nunca bebera até esquecer o próprio endereço.

- Bom, talvez. Eu não sei.

- Vamos reformular a lista! - Clara sugeriu, levantando. Saiu do quarto e retornou com um caderno e caneta. - Os cabelos não valem, você já está ruiva.

Eva soltou um suspiro indignado. No dia anterior, fizera uma verdadeira transformação: os fios castanhos e compridos tinham sido substituídos por um tom acobreado e moderno. Se uma mudança daquelas não valia como item da lista, tinha medo de que tipo de aventura seria colocada naquela folha.

- A lista não deveria ser minha?

- Vai ser como você deseja, mas sem toda a chatice. Coloque embaixo dos cabelos: tomar um porre - Jacqueline disse.

Enquanto Clara eficientemente anotava as mudanças na lista, Eva tentava tomar a caneta de sua mão.

- Eva, me diz uma coisa. - Ela parou de lutar contra Clara e prestou atenção na amiga. - Você já transou com outra pessoa além dele? - Jaqueline perguntou, sem disfarçar a expressão de desgosto ao mencionar Marcos.

- Não... Marcos foi o único.

Aquele não era um assunto confortável para ela. Falar sobre sexo era complexo, especialmente quando se tratava do seu histórico com contato íntimo.

- Você não tem curiosidade de ter outras experiências? Eva ficou petrificada.

Não, ela não tinha.

Quer dizer, o sexo com Marcos sempre tinha sido bom. Em geral, ela achava sexo superestimado, considerando que seu corpo não reagia do modo que deveria ser; sentia algum prazer, mas nunca, de fato, chegava lá.

- O sexo com ele sempre foi bom - por fim respondeu.

- Eva, você está solteira! - Jacqueline exclamou, inconformada. Clara lançou um olhar reprovador e ela respirou fundo. - Tudo no seu tempo, ok? Mas isso vai ser incluído na lista, só para você saber.

- Eu não quero. Estou indisponível para homens no momento.

- Existe algo chamado sexo casual, bem vinda ao fim do arco íris. Você não precisa namorar o cara para sair com ele, e isso ainda te dá o benefício de evitar expectativas.

- Transar com um desconhecido? - ela questionou, aquiescendo.

Aquilo definitivamente não funcionaria.

Eva era uma garota com desejos intensos. Sempre fora. Desde que descobriu sua sexualidade, gostava de se tocar e explorar seu corpo. Buscar o próprio prazer. No entanto, algo quebrou no meio do caminho, e foi quando percebeu que não era uma garota comum.

Na primeira experiência com Marcos, sua expectativa de sentir o prazer que obtinha sozinha foi completamente frustrada; por sorte, Marcos não parecia decepcionado com o fato dela ser defeituosa.

A possibilidade de passar por toda aquela exposição e vergonha novamente era um dos motivos para sua relutância. No fundo, temia nunca mais encontrar alguém que aceitasse suas imperfeições.

- Sim, Eva. Os homens podem ser bem diferentes entre si, acredite - Jacqueline respondeu, sorrindo.

- Diferentes como?

- Meu primeiro namorado era horrível na cama, não sabia me dar prazer - Clara falou dessa vez. Suas bochechas ficaram repentinamente rosadas. - Eu achava o sexo sem graça, sabe? Depois de algumas outras experiências entendi o porquê gostavam tanto.

- Traduzido: ela gozou! - Jacqueline retrucou, rindo.

Eva sentiu a dúvida ser implantada em seus pensamentos. Marcos era o seu parâmetro de sexo - e de todas as outras coisas, também. Por um instante fugaz, ela imaginou como seria estar com outro homem. Será que ela se sentiria tão imune ao toque de outro como se sentia ao de Marcos?

Talvez fosse mais fácil com um desconhecido.

Ela não teria de vê-lo outra vez ou conversar com ele, tampouco sujeitar-se às opiniões dele sobre seu corpo ou sua performance. Seria uma única vez. Uma tentativa, um experimento quase científico.

- Eu vou pensar sobre isso - comentou, em voz baixa.

- Isso! - Jacqueline comemorou, batendo palmas. - Feche a lista com esse, Clara, decidimos o que fazer depois. Aliás, tenho uma ideia para riscar uma coisinha.

- Que ideia?! - O medo brilhou na voz de Eva.

- Você não ganhou convites para o evento no Chalé das Orquídeas?

Eva tomou a lista das mãos de Clara e encarou, ansiosa, as palavras escritas. A maioria dos seus desejos ainda estavam lá, intactos. Mas elas tinham colocado coisas novas.

Eva entendeu qual item poderia riscar.

- Ir para uma festa - comentou, encarando a lista. - Você acha que vai ser divertido?

- Homens bonitos, bebidas de graça e música boa. Não sei vocês, mas essa é a minha definição de diversão.

- Nós bem que poderíamos ir - Clara falou dessa vez, voltando- se para a amiga menos entusiasmada. - Se a Eva dizer que topa, eu estou dentro!

Eva olhou para as amigas, incerta.

- Não sei, meninas... - Eva balançou a cabeça, mordendo os lábios. - Vou ir para a festa no Chalé onde iríamos comemorar nosso aniversário de namoro?

- É a sua oportunidade de ressignificar aquele lugar com memórias melhores - argumentou Jacqueline.

            
            

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