Kali olhou nos olhos da garota, nunca havia visto uma pessoa com olhos daquela cor, vermelhos vivos e selvagens. A caçadora a observou por alguns instantes, era uma jovem bastante bonita, correria perigo se permanecesse vagando por territórios de Youkai como aquele, perguntou-lhe:
- O que você sabe fazer?
A Kami que se passava por humana na frente dela, observou rapidamente as armas no cavalo da humana e respondeu com naturalidade:
- Sei caçar, lutar, lavrar entre outras coisas, senhora...
- Se sabe caçar, pode trabalhar comigo e terá pouso e comida em minha casa.
- Obrigada, senhora.
- Vamos... Meu nome é Kali, qual o seu nome?
A Kami ficou pensativa por alguns instantes. Kali a observa e percebendo o olhar confuso da jovem, ela franze as sobrancelhas questionando:
- Qual o problema? Você não tem nome?
- Na verdade, não, senhora.
Kali se lembrou do passado, ela mesma não possuía um nome, pois não era costume dar nome aos filhos das escravas, foi Niimi que lhe batizou de Kali. Ela observou a garota que andava em silêncio ao seu lado e pensou consigo que talvez se tratasse de uma escrava fugida, olhou o cavalo alguns instantes, sorriu e voltou-se novamente para ela, decretando:
- Maya, gosta desse nome?
- É bonito.
- Esse é o seu nome agora.
Diz Kali, sorrindo e olhando para Maya que, sem entender o motivo da reação dela, sorriu de volta. As duas seguiram para casa da caçadora, onde a Kami agora moraria.
No território dos lobos Youkai, Yokata estava de pé, olhando pela janela de seu escritório. A vista do jardim do palácio a noite era exuberante, o rei Youkai pensava em seus argumentos para convencer seu primogênito a permitir seus planos, a verdade é que já havia protelado muito casar Hidetaka e o casamento de seu filho seria muito vantajoso, independente com qual clã fosse, mas teria de ter sorte para que a escolhida do filho lhe trouxesse benefícios e fortalecesse o Clã dos Lobos Youkai. Ele foi tirado de seus pensamentos pela porta se abrindo.
Hidetaka entrou rapidamente na sala, ficou próximo à mesa aguardando que seu pai se pronunciasse. Yokata o observou seriamente, dizendo:
- Sente-se, precisamos conversar.
O lobo Youkai mais jovem senta-se em silêncio, apenas aguardando que seu pai se pronunciasse sobre o que desejava discutir. O rei lobo Youkai se sentou atrás de sua mesa e observando atentamente o filho, disse diretamente:
- Você precisa de uma princesa.
- Por que agora?
- Você é meu primogênito, precisamos fortalecer o Clã dos Lobos Youkai com novas alianças e essas se realizam com casamentos, meu filho.
- Que eu me lembre, tenho muitos irmãos.
- Vai se casar porque nenhum deles é o herdeiro do trono do clã, meu filho idiota.
- Não posso me casar...
- Ainda com aquele problema? O que acontece Hidetaka, não se interessa por fêmeas? Pode ser honesto, se for isso podemos dar um jeito, você sabe disso.
- Não me ofenda...
Rosna Hidetaka:
- Não arraste o meu nome na lama com as especulações sobre suas preferências...
Yokata suspirou para tentar se controlar, e continuou:
- Então qual é o problema que você encontra em satisfazer suas necessidades no corpo de uma bela fêmea? Não venha me dizer que elas não têm interesse em você, porque não é possível que seja tão tapado para não notar como elas o olham. Além disso, você está ciente dos boatos sobre as ameaças que nos cercam?
- Sobre um conquistador Inu Youkai que anda acompanhado por um deus? Isso só pode ser alguma bobagem. Nunca houve um Inu Youkai que conseguisse vencer um lobo Youkai em batalha.
- Você pode até ter razão, mas se os boatos forem verdadeiros, é apenas questão de tempo para ele aparecer.
Hidetaka nada responde, apenas observa seu pai, suspira frustrado, por não conseguir explicar o que acontecia consigo, ainda mais com a situação de uma ameaça iminente à família real. Ele não podia permitir que seu povo ficasse desprotegido, respondeu resignado:
- Quem é a escolhida?
- Como assim? Não agiria assim com um de meus filhos... Exceto se me dão motivos...
Yokata responde com tom perplexo, Hidetaka franzi as sobrancelhas desconfiado, dizendo:
- Não entendo.
- Você diz que nenhuma fêmea consegue satisfazer seus instintos, pois bem chamarei todas as princesas dos Clãs Youkai que tenham interesse em se unir a nós e você conhecerá uma a uma, a primeira que conseguir lhe dar o prazer que nunca obteve, será sua esposa.
A proposta do pai pareceu lhe interessar, por isso, questionou curioso:
- E se nenhuma delas conseguir?
- Chamaremos as princesas mestiças, as humanas, as plebeias, as prostitutas ... Até que ache uma esposa que seja capaz de lhe dar filhos, entendeu?
Hidetaka suspira frustrado e resignado, olhando para o nada. Ele não conseguia crer estar passando por aquela situação constrangedora, questiona:
- Quando elas começaram a chegar?
- Enviaremos os convites nas próximas semanas e logo as princesas deverão começar a chegar ao reino para apreciar sua companhia.
- Entendo.
Diz o príncipe Youkai, visivelmente desanimado com o circo que se tornaria sua vida. Ele se levanta da cadeira para sair do local o mais rápido possível, mas antes de sair, pergunta:
- Acaso não ache a nova princesa em nenhuma dessas fêmeas?
- Perderá o seu direito de sucessão.
- O quê?
Questiona surpreso e confuso. Yokata responde frio:
- É exatamente isso que ouviu. É bom que você encontre uma noiva, seja ela quem for...
Hidetaka saiu furioso do escritório do pai indo para o jardim do palácio, ele não podia acreditar que sua posição estava ameaçada por não conseguir ter prazer com uma fêmea. Sentiu-se humilhado e obrigado a uma posição que não desejava, rosnou de frustração e decidiu sair um pouco para esfriar a cabeça longe do castelo.
Vendo-se sozinho com o rei lobo Youkai, Ren que estava em silêncio no canto da sala, aproxima-se de Yokata e inicia dizendo educadamente:
- Majestade, permita-me informar algo que pode auxiliar o jovem mestre.
Yokata olhou para seu conselheiro, erguendo uma das sobrancelhas curioso, questionando:
- Diga?
- Majestade, está ciente que o senhor Kuroneko possui um harém de escravas, cuja fama atravessa todos os continentes.
- O harém de Kuroneko? As escravas dele?
Ele senta se observando as expressões de seu conselheiro:
- Sim, majestade, dizem que aquelas mulheres conseguem satisfazer qualquer desejo de qualquer criatura existente.
Yokata fica pensativo alguns instantes, se recostando na poltrona, pousou o queixo sobre uma de suas mãos, constatando:
- Não creio que ele permitisse que Hidetaka usasse suas escravas para resolver o seu problema.
- Também não creio.
- Então, qual sua sugestão?
- Hoje mais cedo, encontrei em seu território uma jovem que acredito que tenha sido escrava nesse harém.
- Por que diz isso?
- No antebraço dela, estava marcado o brasão da casa de Kuroneko. Não tenho certeza se é a mesma marca, senhor, mas acredito que de alguma forma aquela jovem conseguiu deixar o harém, ela poderia ajudar o jovem mestre.
Yokata estreitou os olhos observando Ren, não se lembrava de Kuroneko em algum momento ter concedido a liberdade para algumas de suas escravas, mas de repente se lembrou de um fato ocorrido há alguns anos. Seu primo, nunca havia dito o que ocorrera, mas Shiroyasha contava a história e ria muito sempre que estava bêbado, a escrava que arrancou o olho direito do rosto de Kuroneko obrigando-lhe a usar um tapa-olho pelo resto de seus dias, ele sorriu secretamente, dizendo-lhe:
- Quero que me mostre essa tal mulher.
- Será bastante simples majestade, é a sua nova caçadora.
Yokata sorriu, logo ficou pensativo, não estava disposto a deixá-lo casar com uma escrava fugitiva, mas a protegeria e pagaria a fortuna que ela quisesse para resolver os problemas de Hidetaka e treinar sua futura escolhida, até mesmo se ele escolhesse, poderia tê-la como uma amante. Precisava, inicialmente, comprovar ele mesmo os tão aclamados talentos dessas criaturas e decidir se valia a pena ou não. No pátio da frente do castelo, Hidetaka estava saindo com pressa, mas antes que pudesse desaparecer do local, foi detido pela voz familiar e doce de Ami chamando:
- Pai, aonde vai?
Questionou tentando não descontar na filha sua frustração:
- Não deveria estar dormindo?
- Sim, mas não consigo dormir antes de vir lhe desejar boa noite.
Diz a jovem sorrindo vindo em sua direção, não pode deixar de notar um pequeno coelho no colo de sua filha, ergueu a sobrancelha questionando:
- Onde o arrumou?
- A caçadora me deu, ele não é lindo?
- Caçadora? Quando...
Ia questionar em que momento no território tinha uma caçadora, mas a verdade não estava interessado naquela informação, não lhe interessava quem caçava suas refeições, mas questionou apenas para manter o diálogo:
- Já o alimentou ou apenas manterá o animalzinho em seu colo?
- Já! Fizemos uma casinha para ele no meu quarto, cuidarei sempre dele.
- Como queira ... Vá dormir agora, é tarde.
- Não podemos andar um pouco?
- Amanhã, criança, poderemos fazer o que desejar.
- Claro, pai, amanhã passearemos um pouco.
Diz a menina sorrindo voltando imediatamente para seu quarto. Ami era humana, mas desde os seus quatro anos, foi criada pelo príncipe Youkai, que havia ficado com pena da pequena órfã que pedia esmolas em uma vila humana próxima ao território dos lobos Youkai. Por mais duro que Hidetaka parecesse, tinha muita pena de crianças que perdiam os pais cedo e ficavam à sua sorte, pois sabia que a realidade dos órfãos e crianças pobres era cruel e quis, naquela época, ao menos salvar a jovem humana desse futuro sombrio.
Assim que a garota entrou no palácio, ele saiu rapidamente do pátio. Tinha pressa de sair daquele local andou muito pelo território tentando acalmar sua mente da tortura pelo futuro e as incertezas que viriam com aquela proposta de seu pai. Estava tão perdido em seus pensamentos que não percebeu estar próximo a um riacho nos limites do território Inu Youkai, aproximou-se da margem do lago percebeu muito próximo de si uma energia Youkai, aguardou pacientemente que essa aparecesse, o que não demorou, até que ouviu:
- Príncipe Hidetaka, não está longe de seu território?
Os olhos amarelos do lobo Youkai observaram em direção daquele que lhe falava no escuro. Ele sorriu discretamente, disse ameaçador:
- Estou no território de meu clã.
O riso irônico daquele que lhe falava da escuridão o deixou em alerta. Hakin apareceu com os braços cruzados na frente do peito e com uma expressão confiante no rosto, constatou:
- Eu não lembrava ao certo, se meu novo território fazia ou não fronteira com o Clã dos Lobos.
Hidetaka se levantou junto ao lago, observando-o. Hakin era um pouco mais jovem do que o lobo Inu Youkai, mas fisicamente, eram bastante semelhantes, com os cabelos prateados longos, ambos altos e muito corpulentos. Aos olhos de um humano, seria impossível perceber que não eram do mesmo Clã Youkai e nem mesmo que não eram parentes, os dois se analisaram por alguns instantes, era visível que a tensão entre os dois era grande, o Inu Youkai olhou para o céu alguns instantes, dizendo-lhe:
- Perdoe-me, mas terei que abandonar nosso tão agradável encontro, príncipe lobo.
Hakin não havia se perdido, apenas estava procurando sua amante Kami que havia desaparecido de seu território logo após aquela desastrosa reunião com o conselho de anciões do clã. Ele estava desesperado para encontrá-la e dizer que jamais aceitaria os desejos de ninguém que não fossem os deles mesmos, teve a impressão de que ela havia se afastado do local onde conversava com o lobo Youkai e saiu em seu encalço novamente, esquecendo-se imediatamente do príncipe lobo.
Hidetaka nada respondeu, apenas aguardou até ter certeza de que nada havia que pudesse ameaçá-lo a quilômetros dali, pois apenas queria ficar sozinho e pensar no que poderia realizar e nas possibilidades que possuía.
Observou as águas calmas do rio brilhante sobre a lua cheia, elas estavam convidativas naquele calor que a madrugada trazia, despiu-se lentamente, sem tirar seus olhos do rio, entrou gracioso, mergulhando e nadando despreocupado, tentando afastar suas preocupações de sua torturada mente. Posteriormente, sentou-se próximo às pedras da margem do rio, observando sua correnteza e a natureza ao seu redor, perdido em como seu futuro seria desastroso caso não conseguisse cumprir o que seu pai lhe ordenava.
Próximo ao rio onde Hidetaka estava descansando tranquilamente, em uma mata fechada, estava Kali devolvendo o Javali que não havia sido abatido e não estava machucado, para a natureza. Fazia isso à noite para que o animal pudesse voltar a seu bando correndo o menor perigo possível. Estava preparando se para voltar quando ouviu um barulho nas águas de um rio próximo, apreensiva pensando que poderia estar correndo algum perigo, puxou o capuz negro de sua capa sobre a cabeça e se escondeu entre as árvores para tentar não ser percebida. Esgueiraram-se alguns passos por trás das árvores até que viu que se tratava de um macho, obviamente um lobo Youkai, banhando-se nu nas águas do rio. Ela o observou por alguns instantes, mesmo que não gostasse de Youkai, tinha que admitir que aquele macho era muito bonito, o corpo musculoso, que de onde ela podia ver, era tentador. Sorriu, assistindo por alguns instantes ao espetáculo do belo Youkai nu sob a lua cheia, balançou a cabeça dispersando a vontade de ficar observando aquele ser de beleza magnífica. Kali conhecia bem a natureza Youkai para saber que não deveria chegar perto de um deles, por mais belo que fosse.
A Kami o observava também, escondida na escuridão, estava ali porque Hakin poderia precisar de sua ajuda. A verdade era que ela sempre estava por perto de seu protegido, até mesmo quando esse não desejava e estava seguindo a humana que lhe dera abrigo em sua casa. Estava curiosa sobre aquela mulher. Não conseguia compreender o motivo que levava uma jovem tão bela a viver sozinha, rodeadas de animais, ela a viu na mata, se escondendo entre as árvores, encoberta por seu manto negro. Percebeu que ela havia soltado um animal na mata, ficou curiosa sobre o que estaria fazendo tão próximo a um lobo Youkai, como Hidetaka, chegou a se questionar se seriam amantes, mas a pressa com que ela saiu tirou essa ideia de sua cabeça.
Alheia ao fato de estar sendo observada, Kali andou devagar para não chamar a atenção do Youkai no lago, foi para junto de seu cavalo para voltar ao território dos lobos Youkai o mais rápido possível. Pois, antes de fazer suas entregas para o palácio, queria ver como estava sua nova ajudante.