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Gabriella também não parece tentada a fazê-lo, então somente lançamos olhares funestos ao objeto de decoração horroroso e deixamos mamma se lamuriar sobre a falta que papai faz, apenas porque desconhece totalmente a existência da indiscrição de seu amore.
Por alguns segundos, consigo me manter sério, mas a lembrança da garota da noite passada, com seus cabelos cor-de-rosa e seus olhos apertados, me faz dar um meio sorriso que me condena a um safanão na nuca pelo desrespeito aos sentimentos da minha mãe, que não é nenhum pouco delicada, sejamos sinceros.
Noto a comoção nos corredores e nem preciso olhar para saber que tio Milton acaba de chegar com seu séquito de costume, que consiste basicamente de dois advogados, minha prima Cami
-herdeira disso tudo -, do primo dela - que não é meu primo, entendam - e CEO do jornal. Meu tio vem falando ao celular, ignorando todos os puxa sacos que vão se unindo à comitiva à medida que ela avança.
Finco o pé no chão e tento me esconder atrás da tela do computador, mas tudo isso é arruinado por Jaqueline, que se vira com velocidade total para fofocar ao mesmo tempo em que Cami avança com tudo até mim.
- Mi! - Ela me abraça pelos ombros. - Eu amei seu cabelo!
- Oi, Cami - cumprimento de volta. Ela é um amor de pessoa e nos damos super bem, apesar da diferença de idade. Camila é quatro anos mais nova que eu, mas isso nunca nos impediu de andarmos juntas e tomarmos vários porres por aí. - Graças a Deus você apareceu! Esqueci de passar perfume hoje e você acaba de resolver meu problema. Tenho certeza que tem algo para me emprestar!
Ela faz uma careta e me dá um cutucão pela provocação. Vejam bem, minha adorada prima Cami, literalmente, toma banho de perfume importado e isso faz com que ela ande por aí cercada com uma aura doce e enjoativa durante todos os dias e noites. O ex-namorado dela a chamava de Marsh. Sim, abreviatura de marshmellow, de tão doce. Claro que ela odeia qualquer menção a esse fato e é ainda mais claro que faço isso apenas porque sei que essa provocação sempre funciona. Vide a careta em seu rosto e a dor provocada pelo cutucão forte. Mas valeu a pena.
- Ela só está te provocando - a voz grave me denuncia -, Milena jamais sairia sem passar perfume, Marsh - ele implica com ela. Impossível não sorrir depois disso, embora eu queira muito, muito mesmo, ignorá-lo.
Não me julguem antes de saber da história completa.
Tulio, que não é meu primo, e eu, temos um histórico bastante confuso e perturbador em nosso relacionamento. Eu o conheço - e a toda família dele - por toda a minha vida, já que meu tio é casado com a tia dele. Percebam que ele não é, de forma nenhuma, parente meu. Tendo em vista esse fato, nós dois termos nos envolvido eventualmente durante nossa trajetória é totalmente aceitável.
O que nunca foi aceitável é o fato de ele ser um cafajeste de marca maior e totalmente incapaz de ser fiel, o que me levou a uma bad sem fim durante um período da adolescência, quando nutri uma paixão imensa por esse cara de cabelos escuros e olhos sagazes. Não é à toa que ele comanda com
sucesso um dos maiores conglomerados de comunicação do país.
- Milena, você poderia vir até a minha sala um instantinho? - Tulio convoca e sob o olhar dos meus colegas de serviço, e segue caminho até os elevadores.
Cami continua seu papo com Jackie tranquilamente, ignorando Cadu que tenta trabalhar e lança olhares bastante irritados para as duas.
Boa sorte com isso, amigo!
Assinto para Túlio tardiamente e finjo estar terminando um trabalho importantíssimo ao invés do horóscopo semanal e os ignoro totalmente até que meu tio se aproxima e beija o topo da minha cabeça, como sempre.
- Mimi gatinha - cumprimenta. - Tudo bem?
- Oi, tio Milton. - Sorrio para o homem baixinho e barrigudo que nos salvou da penúria.
- Tudo! E você?
- Não posso reclamar. - Ele sorri e se volta para Cami. - Camila, deixe as meninas trabalharem. Devia seguir o exemplo delas - chama atenção da filha, totalmente indiferente ao fato de que Jackie está lendo uma revista ao invés de trabalhar. - Precisamos ir, sua mãe nos aguarda para o jantar. Nos vemos mais tarde, Mimi.
E assim, ele deixa os corredores com seu séquito de sempre, com exceção do CEO de terno escuro justo nos lugares certos, que não é meu parente, e que sorri para mim parado diante dos elevadores com segundas e terceiras intenções.
- Sobre o que será que o seu primo quer falar com você? - Jackie pergunta à queima roupa assim que as portas do elevador se fecham.
- Túlio não é meu primo. - repito pela milionésima vez. - Não somos parentes.
- Ainda assim, o chefe quer que você vá até a sala dele. - Ela não vai largar o osso tão facilmente. - Será que a promoção rola?
- Não se iluda - respondo. Por que é claro que isso não vai acontecer tão cedo.
- Não me iludo. Por que não conversa com seu tio? Tenho certeza de que ele nem faz ideia do quanto você ganha aqui.
- Tio Milton já deixou bem claro que mesmo sendo da família, todos devemos começar de
baixo.
- Mas você está embaixo desde que entrou aqui, cinco anos atrás. O CEO bonitão como nos
livros hot que a gente vive lendo assumiu o posto sem nunca ter lutado contra a máquina de xerox do terceiro piso.
- O CEO veio de Londres para assumir esse cargo, Jackie - e não estou mentindo. Tulio é muitas coisas, mas incompetente não é uma delas. - Ele teve experiência em várias empresas antes de vir.
- Só imagino as experiências. - Ela sorri e eu sei exatamente ao que se refere.
- Preciso ir - aviso, guardando as minhas coisas, super ciente dos ouvidos de Cadu pescando nossa conversa. - Você guarda as minhas coisas e deixa na portaria se passar do horário?
- Conte comigo, amiga - diz sorrindo antes de emendar - Me liga quando chegar em casa, tá bom?
Sei. Um anjo essa moça. Só que não.
Fofoqueira.
Sigo até o elevador, onde analiso meu rosto pelo reflexo no espelho de corpo inteiro: olheiras, frizz no cabelo e camisa amassada, check. Tudo exatamente no lugar de sempre.
Passo pela recepção da diretoria executiva e noto que a secretária já saiu. A porta escura da sala de Túlio está fechada, mas dá para ver pelo reflexo no vidro que as luzes estão acesas. Como eu.
Bato na porta, anunciando minha presença. Túlio, com as mangas da camisa social branca dobradas até os cotovelos, analisa uma montanha de papéis depois de me pedir para entrar. Seus olhos escuros, escondidos por detrás dos óculos de armação moderna, se erguem assim que entro na sala e seus lábios se esticam no sorriso lupino que passei a conhecer muito bem.
- Mimi gatinha - sua voz grave imita o tio Milton de forma mais sexy que o desejado. E o assisto se levantar, deixando a pilha de papéis na mesa para depois - Precisamos conversar.
Um banho de água fria é o que temos para hoje, senhoras e senhores!
- A respeito... - incentivo-o a continuar.
- Várias coisas - ele exala cansado. O punho adornado pelo relógio grande quase desaparecendo no bolso da calça social. Túlio se recosta à mesa e me encara, retirando os óculos num movimento fluido e distraído. - Isaac retorna esse mês.
Tento me manter calma e controlar minha reação, mas não consigo reter o risinho de deboche que curva meus lábios. Foco os olhos em meu crachá e respiro pausadamente.
Claro que aquele traidor de meia tigela iria voltar.
O que eu estava esperando? Que meu tio o demitisse? Afinal, o que ele fez de tão ruim, fora trair a noiva idiota pouco antes do casamento?
A noiva idiota no caso, sou eu. Claro.
- Mi, ele é um filho da puta. - Túlio vem até mim e se senta ao meu lado - Mas é um filho da puta eficiente. Sua perícia com os números ganhou várias causas para o grupo e não tenho motivos para demiti-lo, entenda. Mas não vamos facilitar para ele. Seu tio já deu ordem para que se mantenha longe de você.
- Tudo bem - respondo sem olhar para ele. - Era só isso?
- Não - sua voz baixa está próxima demais do meu ouvido. - Não era. Eu senti saudade.
- Jura? - agora eu deixo o deboche sair livremente.
- Por que eu mentiria? - responde meio frustrado. - Você é a única no mundo para quem eu nunca menti. Sabe disso - e mudando completamente de assunto -, e eu amei o cabelo rosa.