Capítulo 5 Capitulo 5

- Fred, mais uma vez, muito obrigada - ela diz, aceitando a jaqueta que ele trouxe para ela.

- Ah, e não se esqueça de deixar sua camisa com a minha mãe, ok? Vamos tentar ressuscitá-la também - ela gargalha.

- Não é necessário - repito o que eu disse inúmeras vezes à dona Matilde.

- Eu compraria outra, mas mamãe faz questão, então... - Ela dá de ombros. Ou pelo menos eu acho que é o que faz por baixo do casaco imenso, e uma ideia cruza a minha mente.

- Sendo assim, podem me entregar no jantar amanhã. - Tiro um cartão do bolso com o endereço do ristorante e entrego a ela, ignorando o idiota que revira os olhos e uma Milena muito disposta a não aceitar meu convite. - Não aceito não como resposta. Depois de salvar minha camisa, sua mãe merece um jantar decente. Faço questão! Até amanhã, Mi-Milena.

O tal do Túlio sorri numa provocação descarada e acena um tchauzinho debochado quando passo por ele, o que faz a minha cabeça pegar fogo e meu sangue italiano não permitiria que eu saísse dali e o deixasse todo pomposo. Por isso, desabotoo alguns botões antes de arrancar a camisa pela cabeça, entregá-la à garota chocada e sorrir de volta para o folgado enquanto me viro e sigo para o carro. Os olhos surpresos - e levemente escurecidos - de Milena e o ódio na feição do sujeito valem totalmente a manobra ousada.

Sigo até o porta malas onde visto meu dólmã e, em seguida, assumo meu lugar no banco do motorista sob o olhar curioso da minha equipe de trabalho e de minha futura sogra. Ela me lança um sorriso de lado antes de se virar para frente, seus olhos verdes focados na filha sentada no meio fio junto ao babaca folgado.

- Milena é... difícil. Mas não é impossível - a mulher ao meu lado diz, acenando para a filha. - Ela só tem dificuldade para confiar.

Não digo nada, mas assinto, e ela parece satisfeita com isso. Ao que tudo indica, a sogra eu já conquistei. Agora, falta a garota de cabelos cor-de-rosa e olhos escuros. E ela não perde por esperar.

Minha nossa senhora das mulheres solteiras, uma ajudinha, por favor?

Clamo, ao ouvir Túlio resmungar mais uma vez. Homens não lidam bem com a concorrência. Não que exista uma concorrência de fato. Por que é muito claro para mim que nós, eu e meu não- primo, definitivamente, não estamos juntos.

Nós ficamos juntos de vez em quando, é verdade, mas não passa disso. Túlio tem alergia a compromisso e eu os tenho evitado a todo custo após o fiasco que foi o meu último relacionamento. Após o fim do meu noivado, nós, que sempre fomos muito amigos, nos tornamos cada vez mais próximos e, sabe como é, uma coisa leva a outra e, não interessada em resistir, acabamos nos jogando na cama um do outro, numa amizade colorida bastante benéfica aos dois.

- Você tá a fim desse cara? - pergunta mais uma vez, fazendo uma careta para a camisa arruinada em meu colo.

- Não sei. Talvez. - Dou de ombros. - Muito provavelmente, não verei esse cara de novo, Túlio. Senta aqui porque está me deixando tonta com esse vai e vem.

- Esse cara é problema - avisa.

- Um safado conhece o outro? - Sorrio. - Tudo bem, Tuti, fica calmo - uso o apelido de infância e vejo o sorriso que estica seus lábios. - Não se preocupe, eu vou ficar bem, ok? Não sou mais aquela garota idiota.

- Impossível, sempre vou me preocupar com você. E tem a coisa de ser um imã para cafajestes e idiotas. - Me dá um encontrão com seu ombro ao me ouvir bufar. - E não vou estar por perto dessa vez, Mimi gatinha.

- Você superestima sua importância, idiota. - Devolvo o encontrão, sorrindo.

- É disso que eu tô falando - diz, cheirando meu pescoço antes de me beijar ali, arrepiando-me. - Eu me enquadro nas duas categorias.

- Maldito dedo podre! - exclamo, antes de cairmos na gargalhada, sentados lado a lado na sarjeta esperando o seguro vir buscar o cadáver do meu carro velho.

Mais de quatro horas mais tarde, no meio da madrugada, consigo, finalmente, chegar em casa. Na casa do meu tio, quero dizer. Tia Célia insistiu para que fossemos para lá e, em poucos minutos, eu já tinha até roupa para ir trabalhar no outro dia. Depois de um banho quente e relaxante, cortesia da suíte em que estou ao invés da minha - onde o chuveiro só funciona quando quer -, sigo para o quarto e, assim que nota minha presença, Túlio abre espaço para mim na cama, com uma expressão sonolenta.

Estou tão cansada que mal consigo parar em pé e a perspectiva de acordar em três horas não é animadora de jeito nenhum. Já avisei a mamãe que ficarei por aqui e descolei um pijama de Cami para passar a noite, então, apenas dou de ombros e me deito ao lado do homem enorme vestindo apenas uma cueca samba-canção que passa o braço ao meu redor, envolvendo-me.

- Vou sentir falta disso - murmura em meu cabelo. - Boa noite, Mimi gatinha.

- Boa noite, Tuti - falo e apago instantaneamente.

Acordo com o toque do despertador programado em meu telefone e abro os olhos me espreguiçando entre os lençóis macios onde dormi sozinha. Sim, sozinha. Não, eu não estava sonhando acordada com Túlio me abraçando antes de dormir. Mas, em algum momento da madrugada, ele deve ter saído de fininho e ido para o próprio quarto, como sempre.

Tomo um banho rápido e visto a roupa de Cami - uma calça preta e uma camisa verde escuro - que em nada combina com meus tênis, mas são bem melhores que o meu vestido de ontem. Sendo assim, agradeço e desço as escadas, rezando para que ainda não tenham acordado. Doce ilusão.

Tio Milton está em uma das pontas da mesa, lendo seu jornal e tomando café, enquanto Túlio, de cabelos molhados e já com sua roupa social, me cumprimenta, servindo-me uma xícara de café sem açúcar."

- Dormiu bem? - tio Milton pergunta de modo acusador detrás do jornal. Não se enganem, ele é um homem muito perspicaz.

- Sim. Obrigada, tio - respondo, já me sentando do outro lado da mesa.

- Peça ao Edgar que te leve à redação - meu tio diz, dobrando o jornal de qualquer jeito e enfiando-o debaixo do braço. Quando me nota observando-o, sorri. - Velhos hábitos, Mimi gatinha. Ainda não consigo começar minha manhã sem sentir o cheiro do papel recém-impresso. Tenham um bom dia, crianças. - Ele beija o alto da minha cabeça e afaga o ombro de Túlio antes de deixar a

mesa.

Mordo um pão de queijo e tomo mais um gole do café quente, fechando os olhos de

satisfação. Hoje vai ser um dia daqueles. Dormi pouco, tem reunião de pauta e ainda não terminei o horóscopo da semana.

Só alegria.

- Saio em quinze minutos, Mimi - Túlio diz e se levanta deixando sua xícara vazia sobre a mesa. - Esteja pronta.

Óbvio que eu não dispensaria uma carona. Então, quarenta minutos mais tarde, entramos lado a lado na portaria no jornal, debatendo sobre quem se atrasou mais. Uma grande perda de tempo, já que Túlio demorou pelo menos dez minutos arrumando o cabelo escuro em frente ao espelho.

- Te vejo mais tarde? - Tulio pergunta antes que eu saia do elevador.

- Provavelmente não, - Tasco um beijo em seu rosto e saio rapidamente. - Estou louca para chegar em casa e vestir uma roupa que não me aperte tanto.

E assim, com os olhos do safado colados no meio traseiro, as portas do elevador se fecham enquanto eu sigo até minha mesa com um sorriso satisfeito no rosto.

- Bom dia, gato de Cheshire - Jackie me cumprimenta com o mesmo sorriso no rosto.

- Bom dia! - Espreguiço-me em minha cadeira e ligo meu computador. - Tenho milhares de coisas para fazer e hoje temos reunião de pauta. - Prendo meu cabelo curto num rabinho de cavalo e me preparo para o horóscopo.

- Fez alguma coisa diferente ontem? - Ela continua esperando detalhes.

- O carinha lindo daquele dia é chef de cozinha e fez o jantar ontem, acredita? - cedo, finalmente. - E ele tem um tanquinho que lavaria todas as minhas roupas do mês.

- Não acredito! Isso nunca acontece comigo! - Jackie se vira totalmente e continua - Mas e o Túlio?

- O que tem ele? - Dou de ombros. - Não é como se estivéssemos juntos, né? Mas ele ficou marcando território. Sabe como ele é superprotetor às vezes.

- Ele gosta de você - afirma. Vira e mexe temos a mesma discussão idiota: Tulio me ama, Tulio não me ama. Eu, claro, tenho certeza de que a segunda opção é a correta. Mas minha amiga nunca concorda comigo.

- Não começa - aviso. - Já tivemos essa discussão antes e não posso começar outra

agora.

                         

COPYRIGHT(©) 2022