Capítulo 3 Entre a cruz e a espada

|| Kristal Hernandez ||

Ao chegar em casa a primeira coisa que fiz foi retirar os sapatos, e deixá-los livremente no hall da ante sala. Ajeitei meus cabelos e fiz um coque para os prender mesmo sabendo que não duraria cinco minutos devido o cabelo ser irritantemente liso.

Sigo para a cozinha de onde podia ouvir a música I want It that way do Backstreet Boys. Começo cantarolar baixinho o trecho e me arrisco a rodopiar sentindo-me bem melhor depois da entrevista.

Sou eu o seu fogo?

Seu único desejo?

Sim, eu sei que é tarde demais

Mas eu quero assim

Deparo-me com Alicia dançando enquanto cozinha, seus cabelos loiros balançavam naquele ritmo animado dela enquanto ela cantava segurando a colher de pau.

Sua voz aumentou uma oitava na mesma vibração da música:

" Diga-me por que

Não foi nada além de uma mágoa

Diga-me por que

Não foi nada além de um erro

Diga-me por que

Eu nunca quero te ouvir dizer"

E no ritmo da música continuei balançando o meu corpo e sem ser notada me aproximo do balcão, entregue naquele ritmo solto e livre. Balancei meus ombros e de forma totalmente sexy balancei os meus cabelos, imitando a coreografia da minha barbie.

Ela sibilou um trecho enquanto imitava tocar uma guitarra segurando a colher de pau, e cantarolou altamente:

" Eu quero que você saiba

Que bem, no fundo, dentro de mim

Você é o meu fogo

Meu único desejo

Você é, você é, você é, você é"

Sorrio vendo toda a sua animação, é com pesar que desligo sua caixinha rosa de música que está na minha frente, estragando a vibe dela. Ela parece não notar que a música havia parado, pois continua a dançar em um balançar de corpo animadíssimo.

- Ai MEU DEUS! - grita quando se vira ao me notar. Eu ainda não sabia qual era o problema da Alicia em gritar, juro que já tentei entender. - VOCÊ CHEGOU! - faço uma careta diante dos seus gritos.

- Alicia não precisa gritar. O som está desligado. - falei ternamente.

Ela dá a volta pela ilha da cozinha, seu vestido laranja de alcinhas e saia rodada balança com seu andar rápido. A porta que dava passagem para o fundo da casa estava aberta revelando a grama baixinha e os arbustos que cercavam a cerca branca e as espreguiçadeiras de madeira.

O quintal era amplo e possuía um deck baixinho de madeira com jacuzzi. Alicia havia herdado a casa dos pais que morreram em um acidente envolvendo um ônibus escolar e um caminhão de transporte. A tragédia aconteceu um mês antes de nos conhecer, acredito que se o destino não houvesse intervindo, nós nunca teríamos nos conhecido. Porque eu nunca havia desmoronado em público, principalmente em banheiro de faculdade.

Seus braços me cercam em um abraço caloroso, bem apertado e me reconforta com palavras animadoras.

- Independente do resultado, você é incrível e maravilhosa. Eu sei que você foi bem. - diz convicta.

- Não fui não. Eu cheguei atrasada, e a entrevista foi com Célia Ford e o filho. - sentamos nas baquetas vermelhas acolchoadas, uma de frente para outra. - O universo me odeia! - choramigo e faço um biquinho triste.

- Ah, deixa de ser pessimista. Se chegou a fazer a entrevista é porque tem chances. - diz voltando a sua tarefa anterior. - Dominic Ford é realmente aquela gostosura que a mídia tanto mostra? - Os olhinhos castanhos de Alicia me espreitam, ela esperava uma afirmação à altura.

- É o famoso deus grego dos livros de romance. - digo, seu rostinho redondo se ilumina com a minha resposta, e as bochechas ficam rosadas. - Tão lindo... - divaguei lembrando da simetria bem marcante do seu rosto e repentinamente sentir a raiva possuir o centro do meu coração a força. - Mas é um babaca arrogante. Um verdadeiro ceo est...

- O que ele fez? - perguntou me interrompendo.

- Ele ficou duvidando das minhas respostas na entrevista com desconfiança velada! - rosnei. - Se eu tivesse a chance de vê-lo fora do seu mundinho executivo, o faria engolir cada palavra proferida.

- Bom, a raiva já tem. Só lhe falta a oportunidade. - Alicia comentou achando a situação engraçada.

- Ei! Não é para rir! - protestei.

Repentinamente seus olhos se arregalaram como se tivesse lembrado de algo e ao morrer seu sorriso, diz:

- Ai, meu Deus! Quase esqueci. - disse apressada e saiu correndo em direção a sala.

Dei de ombros e apoiei meu antebraço na ilha cinza de tamanho pequeno e amparei meu rosto na mão. Suspirei cansada, e observei a minha metade voltar correndo com um jornal nas mãos.

- Você saiu no jornal! - disse agitada vindo na minha direção.- Amiga, você está famosaaaa.

- O Quê? IMPOSSÍVEL! - berrei em choque. - Isso não pode ter acontecido!

Tomei o jornal da sua mão e arregalei os meus olhos ao ver a minha imagem ao lado de Célia Ford. Senti meu coração disparar, busquei sentar novamente ainda encarando o jornal.

- A nota do jornal fala sobre as novas candidatas, e sobre o quão inspirador o senhor Ford continua sendo para a geração de hoje. E claro enaltece o ramo empresarial que ele criou ao longo dos anos. - tamborila os dedos e suspira como se estivesse remoendo um assunto. - Se não fosse pelo falso escândalo que saiu, eu diria que ele é um mulherengo de quinta! Mas vejo que ele não é disso. - diz perdida nos pensamentos.

- Falso escândalo? - Indaguei curiosa.

- Em Piscataway não têm tevê ou jornal, não? - Alicia se refere aos dias que por motivo urgente fui obrigada a ir ao lugar que nasci. Meu pai sofreu AVC, e as chances de sair da UTI eram mínimas.

Alicia não sabia o porquê da minha viagem, naquele dia ela estava em época de prova na faculdade e para não tirar a concentração dos seus estudos e a deixar preocupada eu não comentei nada.

- Foi o assunto em pauta na mídia durante dois dias. Foi acusado de assediar à secretaria anterior, além do nome dele ter parado em sites, revistas, programas de fofoca e jornais. Mas, no fim, as provas foram apresentadas comprovando a inocência dele. - Alicia termina de falar desligando o fogo.

- Como foram encontradas as provas? - perguntei curiosa.

- Pelas câmeras que há dentro do seu escritório. - lavou as mãos e secou as mãos no pano de prato. - Bom a comida está pronta, vou tomar banho e vou para o trabalho. - saiu me deixando sozinha.

- Mas hoje era o meu dia de fazer a comida, Alicia! - falo e vou atrás dela.

- Olha o lado bom, não precisa fazer mais! - falou, a mesma estava já no topo da escada quando sorriu forçadamente e piscou um olho, eu não cozinhava tão mal assim!

Subo as escadas feitas de madeira escura que contrastava com o assoalho de verniz, vou para o seu quarto e abro a porta.

- O Thomas ligou e perguntou se teria algum problema em aparecer aqui, eu disse que não! - comentou apressadamente.

- O Quê? - soltei um grito ao ouvir as palavras dela. - Você não fez isso!

- Ah, qual é Kristal? Você gosta dele. E olha o legal, eu vejo um sentimento recíproco mútuo. - diz enquanto procura seu uniforme na bagunça que se encontrava o seu armário de roupa. - Acredito que fui designada para ser o cupido de vocês. Olha para mim, eu respiro e transbordo amor! Seria uma honra representar esse papel para os guiar pelo caminho do amor.

Levou as mãos ao peito e suspirou dramaticamente, como se estivesse apaixonada.

- Nem. Morta. - falo pausadamente e a vejo fazer um biquinho, mostrando-se triste.

- É uma missão dada a mim. Levo muito a sério, isso. - disse determinada.

- Nada disso. Liga para ele e diz que não estarei aqui. - falo determinada, eu não estava pronta para falar dos meus sentimentos. Eu sinto apenas uma atração pelo Thomas, mas isso não dava um forte motivo para falar a ele ou ter uma vida amorosa.

- Ok, ok...- Andando até a cama ela pega o celular e senta na borda. Alguns segundos depois ela está ligando para o Thomas. - Oi, Tom. Então... - vejo seus olhos se arregalarem ao olhar para mim.

Ando para perto dela ficando na sua frente.

- Coloca no viva voz. - sussurro e assim ela faz.

- Alicia...? Ainda está aí? - indagou em meio ao silêncio que se fez na linha. - Não sei se a campainha está quebrada... Mas levei um choque! Poderia avisar a Kristal que estou aqui? - pediu de forma gentil.

- Eu vou te matar se você falar que eu estou aqui...- sussurro para ela deixando claro a escolha que ela tinha que fazer, ela engole em seco e morde o lábio inferior.

- Ela está indo, ok?

- Certo! - a ligação é desligada, restando apenas Alicia e eu.

- Ops...! - foi a única coisa que ela conseguiu dizer, e como eu sabia qual era o ponto fraco dela, comecei a fazer cócegas a ponto de fazê-la chorar e ficar com a barriga doendo.

- Para... Kristal! - diz tentando se sair. - Eu preciso ir ao banheiro. - e como um gesto de bondade a deixo ir.

- Você está marcada comigo, Alicia! - gritei e fiz uma nota mental de conversar com Alicia sobre aquela campainha. Brincadeira de mal gosto da parte dela para com as visitas. Oras!

Ajeito meus cabelos que já estavam soltos e os coloca para trás dos ombros. Saí do quarto da Alicia e encarei a porta do meu quarto que ficava de frente ao dela, eu estava cansada e necessitava de uma banho, mas infelizmente o Thomas está me esperando na porta.

Um grunhido me escapa quando decido primeiro o atender.

Desci as escadas com pressa e verifiquei se estava tudo em ordem, já que havia uma pessoa que por onde passava deixava seu rastro de bagunça. E como esperado a estante de livros de romance estava uma grande bagunça, alguns livros estavam espalhados nos chão e ao lado tinha uma flanela o que me fez concluir que a Barbie que se encontrava lá em cima estava limpando antes de ir fazer a comida.

Segui para a porta e ao abri-la me deparo com um par de olhos negros que possuía expectativa ao me encarar. Seu cabelo loiro tinha umas ondas que o deixava estonteantemente lindo.

- Olá, Kristal. - diz sem jeito. Seu olhar encarou o chão antes de me olhar. - Bom, a Alicia me ligou e disse que você passou na entrevista... - internamente choro. Não acredito que ela se atreveu a fazer isso e a mentir. - E como um bom amigo, vim aqui lhe parabenizar - ele diz tirando as mãos de trás das costas e estendeu-me uma caixinha transparente com orquídeas.

- Ou ..., ou .., ou... ela disse o quê? - estou incrédula.

- Que você passou na entrevista... - ele diz incerto sem saber se realmente era para repetir.

Respiro fundo aceitando o presente.

- Thomas, eu agradeço pelo presente, mas eu só fiz a entrevista.

- Ah, talvez ela deva ter se enganado. - comentou.

Não mesmo!

- hã... quer entrar? - sem jeito perguntei.

- Fica para outro momento, estou indo para uma palestra sobre mapeamento genoma e estou um pouquinho atrasado. - fez uma expressão engraçada que sem dúvidas o deixou ainda mais lindo. - Até mais, kris. - Antes de sair ele coloca uma mexa do meu cabelo atrás da orelha e... gelo quando ele se inclina para deixar um beijo na minha bochecha. Independente da atração que sentia por ele, eu tentava mantê-la apagada.

Thomas era meu único amigo masculino e eu não estava disposta a perder essa amizade por uma atração boba.

- Até...- digo e observo todos os seus passos, desde o momento que desceu a escadinha e andou em direção ao seu carro.

Thomas abriu a porta do carro e antes de entrar olhou na minha direção e acenou, sem dúvidas ele é um médico de tirar o fôlego.

*

Depois do almoço terminei de limpar a casa e tomei o meu banho. Vesti uma calça (jeans) escura de cintura alta e coloquei uma blusa ciganinha de mangas curtas. Calcei meu tênis all star preto e segui para a minha penteadeira, com a escova de cabelo em mãos o escovei levando para cima para fazer um rabo de cavalo.

Após conseguir deixar o meu cabelo arrumado, passei o perfume e levantei-me do Puff. Antes de ir para o trabalho que eu julgo temporário, até conseguir o emprego que almejo, esse daria para improvisar. Ando até a cama e vasculho a mochila atrás do celular, retiro o meu casaco, a farda preta com o símbolo da boate estampado no lado esquerdo e mesmo revirando não estava o encontrando.

Onde o deixei?

Questiono-me.

Eu precisava ligar para a minha mãe e procurar saber a respeito do meu paizinho. Todo dia eu ligava e conversava com ela, mesmo sabendo que ouviria a insistência dela em pedir para eu "me divertir". Ontem foi a primeira vez que saí para ter uma noite de meninas, mas antes de começar a beber a inquietude dentro de mim, me fazia querer não estar ali. Mas foi por Alicia e Melanie que permaneci, tentei entrar na vibe delas e curtir o momento.

Eu não sou muito de perder as contas de quantos copos de bebida eu ingeri, pelo contrário, eu evitava ingerir álcool quando estava com as meninas, já que elas não tinham limites para cessar. Incrivelmente, ontem, a única que permaneceu sóbria foi a Melanie. A mesma havia ingerido uma taça de vinho e depois ficou só com água. Alicia resolveu pedir mais bebidas, entre batida e tequila ela provou um pouco de tudo e bom, eu também. Que loucura!

Balanço a cabeça tentando não me martirizar pela noite passada, percorro meus olhos pelo quarto ao ouvir meu celular vibrar. Vejo-o ao lado do notebook que se encontrava em cima da cômoda e sem pensar duas vezes vou pegá-lo.

A chamada não atendida da minha mãe aparece na tela do meu celular e sem pensar duas vezes retornei a ligação.

- Mãe? - a chamo.

- Oi, filha. Como vai? - seu tom de voz estava baixo, como se tentasse camuflar o choro.

- Vou bem e a senhora? - indaguei preocupada. - pensou na minha proposta?

Seu silêncio pesa e o meu coração se comprime já imaginando a resposta.

- Filha, eu entendo a sua preocupação e a sua vontade em querer o melhor atendimento para o seu pai, mas eu quero que entenda que até o momento ele está tendo tudo que necessita, ainda tenho economias que dará para dar conforto ao seu pai. E claro, você tem contribuído para que nada o falte. - disse o de sempre.

- Como ele está? - perguntei, as lágrimas surgiram e para não começar a chorar encaro o teto por alguns minutos.

- Está igual. Tenta pronunciar algumas palavras, mas não consegue.

- Mãe , tem certeza que não quer vir para cá? Aqui terá mais recursos para cuidar do papai! - ouço seu respirar é difícil para ela também.

- Não se preocupe filha. Aqui também tem os recursos que precisamos. - disse. - Você sabe que o seu pai não gostaria de vê-la assim. Ele te ama muito, e pode ter certeza que ele está lutando para melhorar. Bom... como foi a entrevista?

Suspirei, cedendo e respeitando a sua vontade.

- Tirando o fato que cheguei atrasada, e tenho zero chances de passar por soltar uma pequena mentira para a mãe do chefe da empresa, acredito que superei cem por cento os meus fracassos anteriores. - minha mãe solta um riso leve, e ao ouvir, deixo um sorriso brotar nos meus lábios. Fazia um tempo que não ouvia o som do seu sorriso e isso me desestabilizava por inteira.

Eu trabalho em uma casa noturna para ajudá-la com os gastos. Ela tinha a enfermeira para pagar e fora os recursos que meu pai precisava para ajudá-lo a melhorar e minha mãe não tinha como custear tudo. Então eu sempre ajudava.

- Filha, vou desligar, seu avô acabou de chegar. Beijinhos. - me despeço da minha mãe antes da ligação ser encerrada.

Volto a colocar a farda do trabalho na mochila junto do celular; o horário do meu serviço começava às 15:30 e terminava às 22:00 horas da noite. O salário não é ruim, apesar de ser uma boate peculiar eu ficava no balcão de bebidas com a Melanie, que foi graças a ela que consegui esse emprego após ser demitida do trabalho anterior.

Trabalhava como garçonete em uma lanchonete perto do Central Park, infelizmente devido a um erro meu com o pedido de um cliente fui demitida, eu esqueci de anotar que o molho não poderia ser picante e segundos depois o cliente teve reação alérgica. Graças a dona Janete eu não fui processada ou presa, como era novata fui apenas demitida. Eu só tinha um mês que trabalhava naquela lanchonete, e como sempre mais um desastre aconteceu na minha vida. E até eu conseguir outro emprego a minha mãe continuará acreditando que continuo no antigo trabalho.

Saio do meu quarto e sigo para a saída, eu queria chegar cedo para não atrasar novamente. E como a minha balança de sorte ou azar pendia mais para o lado azarento, eu tentava me precaver deixando essa balança equilibrada.

Fecho a porta da casa e espero o táxi que eu havia chamado chegar. Bom, às vezes a balança conta com ajuda externa e nem tudo é como planejamos.

E isso para mim, é uma grande piada do destino.

*

Assim que o taxista foi embora, eu dei uma rápida olhada ao meu redor. As pessoas que passavam pela rua, seguiam seu caminho sem olhar para o estranho movimento na frente da luxuosa boate, havia mais seguranças no local e mais três funcionários novos descarregando equipamentos de dança do caminhão.

Olhando todo aquele movimento, percebi rapidamente que essa noite particularmente diferiria das anteriores. O porque eu não sei. Tirei do bolso da mochila o meu crachá e passei o cordão pelo pescoço. Uma forma dos clientes identificarem a função dos funcionários e o nome do mesmo.

- Uou... brinquedos novos. - Tenho um sobressalto quando escuto a voz de Rúbia ao meu lado.

Estava tão concentrada observando o movimento a minha frente que não notei as meninas se aproximando.

- A Bárbara disse que hoje é o aniversário do sócio da boate, a noite será bem movimentada. - Susan, uma das garotas que fazia parte do grupo de dança, se diz animada. - Será que ele gosta de joguinhos? - indagou de repente com um sorriso malicioso.

- Aposto que não. - Rubia a responde.

- Sócio? Ele já esteve aqui alguma vez? - perguntei curiosa.

- Não, essa será a primeira vez. - diz Morgana a responsável pela música de todo o local.

- Não pode afirmar assim, Rubia. - Susan comentou. - Ninguém nunca o viu. - Ergue um ombro ao falar.

- Justamente por isso. - Rubia responde e dá um tapinha de leve na testa de Susan. O que faz Morgana e eu prender o riso.

- Aí! Grossa! - Susan resmunga.

- Ei, garotas? - Simon gritou - A Bárbara está chamando vocês! - atendemos rapidamente o seu aviso, para a gerente nos comunicar algo importante ela tem para falar.

Andamos em direção a entrada, a fachada escura tem o nome de garotas apimentadas em prata, o foco principal é nas garotas contratadas para dançar que fazem de uma simples dança um mega show de atrações. Passamos pela porta com detectores de armas e objetos metálicos e seguimos andando pelo corredor que no momento estava com as luzes fluorescentes do teto e do piso, desligadas. Saindo do corredor, entramos na primeira área dedicada para pessoas que querem apenas curtir a noite com dança, bebida, comida e nada além disso.

Essa área da casa noturna é bem frequentada apesar de a segunda área ser o centro dos negócios. Segundo os boatos que circulavam na mídia, as garotas apimentadas é uma casa de prazer que se esconde atrás de uma máscara. Eu fazia vista grossa para o que via e ouvia lá dentro, a área restrita para funcionários como eu, apenas fazia-me ter ciência de que na casa noturna o centro dos negócios não envolvia só a dança. Era algo mais apimentado.

Respiro fundo e observo o pessoal do serviço de limpeza fazer seu serviço, essa área é aberta às 18:00 horas e para entrar é preciso apenas pagar a entrada. Tiro meus olhos das pessoas que limpavam as mesas redondas, as cadeiras acolchoadas e o chão da cor cinza, quando ouço o resmungo baixo de Rúbia:

- Para ela nos chamar é possível que houve mudança no roteiro dessa noite. - apressando os passos ela sobe a escada que se encontra ao lado esquerdo do balcão de bebidas da primeira área. Essa é a entrada dos funcionários, que nos levará a uma porta de metal programada para reconhecimento facial. A segurança desse lugar é invejável, e eu fico maravilhada com o avanço da tecnologia.

Para ter acesso à segunda área, é preciso ser vip. É muito comum ver pessoas de classe alta frequentando garotas apimentadas e saindo acompanhadas de algumas garotas, deixo claro que a escolha é só delas.

A maioria das garotas que trabalham na segunda área, ama o que faz. E não são as dívidas e a conta financeira no vermelho que as fizeram trabalhar aqui. Segundo elas, é a paixão pela dança sensual. Sem crítica e sem julgamento dos conhecidos, elas expressavam a sua paixão de uma forma singular.

Após subir a escada e passar pela porta metálica, entramos na segunda área. Paro de andar na mesma hora em que meus olhos capturam o movimento, à minha frente, uma equipe de funcionários montava dois palcos de pole dance ao lado do palco principal. Uma mudança radical para o que estou acostumada. Os testes dos jogos de luzes eram lançados para cada parte do palco e a fumaça branca saia da lateral.

Sinto uma mão pegar na minha, olho para a pessoa que estava me puxando e vejo que é a Morgana.

- Vamos, a Babi não gosta de atrasos. - diz.

Volto a olhar para a mudança que estava acontecendo no ambiente, quando Lauro, o dono do lugar, surge no palco para falar com um dos funcionários responsável pela montagem do palco e rapidamente peguei o olhar de apaixonado que ele lançou para Morgana. Com os olhos arregalados olhei para ela e vi o pequeno sorriso que ela lançou para ele. Morgana é uma negra linda, possui um brilho único e nesse pouco tempo que a conheço, ela não escondia de ninguém o seu estilo hippie. Seu jeito simples, mas verdadeiro conquistava todos à sua volta.

- Ai meu Deus... - deixo escapar baixinho.

- Sem comentários! - ela sussurra e pude perfeitamente entender o significado das suas palavras. Seus olhos castanhos me fitou e após soltar um lento suspiro, falou:

- Depois conversamos.

Balanço a cabeça aceitando por hora o seu pedido.

Entramos no corredor que ficava atrás do balcão de bebidas, passo pelas primeiras duas portas e entro na terceira, onde é o camarim. Composto pelo veludo e conforto dado para todas nós que trabalhamos aqui. Me aproximei do meu armário e guardei a minha mochila, as meninas estavam perto de Bárbara esperando a mesma falar. Fui para perto da Morgana e olhei atentamente para Bárbara que se encontrava sentada em um divã vermelho que estava no canto do camarim, e verificava algo no tablet que estava em suas mãos. Assim que ela ergue seus olhos e coloca o tablet no redondo e pequeno puff vermelho a sua frente, ela diz:

- Alguém poderia fechar a porta, por favor? - sua voz delicada ecoou por cima das conversinhas. Ana, uma das garotas que trabalha entregando o pedido dos clientes sai de perto dos armários e vai fazer o que foi solicitado. - Bom, já que todas estão presentes, serei o mais breve possível.

- Falta a Melanie! - digo.

- E a Clara! - Outra garota se manifesta.

Bárbara tem trinta anos, ela trata todas as garotas como suas filhas e o carinho que demonstra sentir é verdadeiro, além de cuidar ela repreende se for necessário.

- Sinto muito, Kristal. A Melanie se despediu. E a Clara está doente. - Sinto o ar faltar ao escutar suas palavras, e ouço os burburinhos das garotas da dança circular no camarim. - Mas não se preocupem, o Magno se voluntariou para substituir a Melanie por enquanto. Você não ficará sozinha e terá uma pessoa profissional para lhe ensinar. - diz séria.

Não fazia uma semana que eu estava nesse trabalho, e como Bartender Free Style que a Melanie é, ela tinha que me ensinar o básico. Respiro fundo absorvendo a informação, se tratando das grandes piadas que o destino traça ao meu caminho, eu deveria ter em mente que ainda tinha mais a caminho.

Ah se tem!

- Por quê? Ela disse o motivo? - eu estou preocupada. Melanie cobria as minhas gafes e com a saída dela, eu literalmente me encontrava ferrada.

Espero não está sendo egoísta!

- Ela passou na entrevista do New York post. - seu sorriso sincero aqueceu o meu coração. Então lembro da ligação perdida que eu não pude atender porque estava atrasada para entrevista e da mensagem que ela enviou antes de responder os questionários e que eu acabei esquecendo de ver depois da entrevista. - Não se preocupe, como eu já disse, o Magno ocupará o posto temporariamente. - solto um pequeno sorriso, eu estava feliz pela minha amiga, ela conseguiu o que almejou e a realização do sonho dela é motivo de alegria.

Ela tentou se comunicar comigo, mas devido aos obstáculos do momento não pude falar com ela, que bela amiga eu sou.

- Mas como vamos fazer a dança se a Clara, a que faz um dos principais movimentos não está presente? - Suellen diz desesperada.

E novamente o burburinho se inicia.

Volto a prestar atenção em cada palavra que Bárbara fala, a orientação não era só para as dançarinas, era para todas as garotas.

- O Lauro tem uma temática bem inovadora para a noite de hoje, tirando o grupo da dança, as garotas que servem e ficam no balcão de bebidas se vestirão de Betty boop. - diz, uma das garotas se vira para porta para atender. - Oh, que bom que chegaram. - três funcionários passam pela porta trazendo em suas mãos bolsas de compras.

O primeiro funcionário depositou as compras no comprido clássico puff vermelho que se encontrava em frente a uma das penteadeiras de maquiagem e os outros dois faziam o mesmo. Bárbara anda até o puff, pega uma das bolsas e com um sorriso no rosto ela entrega a uma garota da frente e diz:

- Minhas Betty boop, hoje vocês trabalharão até tarde e além da grana extra, algumas de vocês terão a oportunidade de conhecer o sócio. - grande coisa. Pensei com uma enorme vontade de revirar os olhos. - Será a primeira vez dele aqui, e o Lauro quer oferecer uma recepção de realeza, um pouco difícil, mas não é impossível. E como vocês podem ver, o planejamento que tínhamos para essa noite teve algumas mudanças devido aos imprevistos...

- Babi, é em relação à dança? - Rubia perguntou a interrompendo.

- Envolve todas.- diz - indo direto ao ponto. Ana e Marlene vocês ficaram responsáveis em servir os pedidos do sócio e terá que assinar um termo de discrição, o gatinho é reservado e não quer que a imprensa saiba da sua visita.- Babi pisca o olho e acabamos rindo da piada. - Rúbia e Francine, o Pole dance do palco principal foi tirado, e em vez da apresentação ser em dupla será individual. Vocês concordam? - Bárbara pergunta e as olhas esperando uma resposta.

Mudança no roteiro, era tipo: se vire nos trinta.

- É impossível seguir com a dança sem a Clara para executar os passos. - Suellen se manifesta novamente.

Ela estava preocupada, pois a sua parceira de dança não estava presente. Clara e ela tinha um papel importante na dança, representaria uma dança erótica em meio a toda sensualidade que a música pedia.

Desde o terceiro ensaio Melanie e eu as acompanhamos, e a cada passo feito por elas eu ficava admirada com a agilidade delas em executar os passos. A sincronia e confiança que elas possuíam fazia tudo parecer fácil.

- Eu tenho uma sugestão! - Bárbara diz, atraindo novamente atenção para si. - Mas não sei se ela ou vocês aceitarão. - finaliza fazendo suspense.

- Ela? Quem? - Outra garota do grupo de dança pergunta.

- A Kristal. - arregalo meus olhos estava fora de cogitação essa ideia.

- ou..., ou... - imediatamente corto a ideia - Isso é uma péssima ideia, eu não sei dançar e é bem provável que eu acabe machucando alguma parte do corpo ao tentar fazer os passos. - digo a verdade e uso o drama ao meu favor.

- A Bárbara tem razão, você e a Melanie assistiram os ensaios e se você está aqui é porque é assim que tem que ser. - Rúbia diz.

Só pode ser conspiração do universo!

- Não tem, não! - deixo claro a minha decisão.

- Kris, são passos básicos e sou eu quem conduz a maioria dos movimentos. - Suellen intervém tentando me convencer ao contrário.

- Sinto muito meninas, mas eu não sei dançar. Só irei atrapalhar a vossa dança. - digo sincera.

Suellen se aproxima de mim, e me olha nos olhos implorando por minha ajuda.

- Por favor? - Ela pede, fazendo uma carinha do gato de botas.

Jogo sujo!

- Que tal um teste, Kristal? Você acompanha as meninas até o salão de treino e faz alguns testes. - O que você acha?

Bárbara termina de falar e todos os pares de olhos daquela sala me fitam esperando uma resposta. Elas me olhavam ansiosas e os olhares mostravam confiança em mim, algo que eu não tinha em mim mesma.

Eu definitivamente estava entre a cruz e a espada.

            
            

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