Capítulo 6 Barreiras

|| Dominic Ford ||

Após receber os primeiros socorros e ser atendido por Colton, médico-cirurgião da equipe, esperei Simmons acordar. O silêncio em minha volta faz a fera dentro de mim rosnar em uma sede assassina de retaliação.

Justiça por George, minha intuição gritava.

Encaro o monitor de batimentos cardíacos e fixo meu olhar por um tempo naquela linha. Respiro fundo e solto o ar devagar ao ser engolfado pelo peso da culpa. Analisei friamente o quadro e pude encontrar lacunas no episódio em que findou causando a morte de George. Volto a minha atenção para Simmons que acorda olhando à sua volta para saber onde está. Seu olhar paira no meu rosto e pude captar um cintilar nervoso pairar nas suas íris.

- Sabe onde se encontra, Simmons? - perguntei.

Ele balança a cabeça afirmando.

- Na ala médica da instalação. - assinto ao ouvi-lo.

- Consegue relatar o que aconteceu? - perguntei.

Ele pigarreia e diz:

- Posso. - sua voz sai baixa.

- Prossiga.

- Foi tudo muito rápido. Eu estava na frente fazendo a varredura do perímetro e George cobrindo a minha retaguarda. Defendi-me quando fui atacado. Só usei a última opção quando vi que não havia outra forma de me salvar. - Simmons parecia escolher as palavras a serem ditas enquanto relatava.

- Você sabe dizer qual foi o tiro que lhe acertou? Foi o primeiro ou o segundo? - A arma de George foi analisada e na ficha tinha a observação da arma ter sido disparada duas vezes.

- O segundo. - respondeu. - Foi tudo tão rápido. Não lembro de todos os detalhes.

- Por hoje é só. Voltará às atividades noturnas quando estiver recuperado. - Avisei. - Tenha uma boa recuperação.

Do lado de fora me afastei do corredor da ala médica e andei até a sala de medicamentos. Apoiei as minhas mãos na mesa e respirei fundo, fitei o dispensário eletrônico de medicamento diante do peso da verdade. A resposta para as lacunas vazias estavam bem na minha frente.

Havia uma maçã podre entre nós.

- Ele é corrupto? - Otto perguntou parado na entrada da sala.

Balancei a cabeça em afirmação.

- Ele disse que foi o segundo disparo que o atingiu. Mas sabemos que foi o primeiro.

- Não tinha como ser o último devido ao empunho que a arma faz. - Diz, o rosto negro mostra-se intrigado diante do fato com a resposta dada por Simmons.

- Vou lhe dar a responsabilidade de investigá-lo. Quero saber tudo que ele faz, até se escolheu comer pizza ao invés de comer salmão grelhado com arroz de amêndoas e nozes.

- Vou investigar a fundo.

- Vou querer um relatório sobre o Samuel. - aviso - Lembro que ele entrou para a nossa equipe no mesmo dia que Simmons entrou. Até onde sei ambos são amigos e diante do impasse de não saber a origem dessa amizade, não quero ter que lidar com mais uma perda por um erro de liderança.

- A culpa não foi sua, Dominic. - Otton encostou o ombro na ombreira da porta. - Quem iria imaginar que Simmons na realidade era um infiltrado? Somos uma família que confia um no outro, infelizmente sempre haverá uma maçã podre para cortar.

Otton era alto e forte, sábio por natureza e tão mortal quanto a morte. Cabelo no corte baixo, olhos marcantes e rosto anguloso. Mostrava aos desconhecidos a sua intimidação, mas aos que o conhecia ele sabia mostrar a dose certa de afeto.

- Eu fui imprudente. Deveria ter feito uma investigação.

- Não se culpe. George não iria querer isso. - diz, desencostou-se da ombreira e se retirou.

Suspiro alto sendo engolido pelo peso que teria que carregar por uma falta de vigilância minha. George era moralista nas suas crenças. Nunca usou suas habilidades para outros meios fora da corporação. Jurou fidelidade para proteger a sua família e para ajudar pessoas a se livrarem das garras do mundo obscuro que é a Máfia. Livrar inocentes que não vêem uma luz no fim do túnel. Somos conhecidos por caçar e derrubar uma hierarquia criminosa que lucra em cima de vidas inocentes. Caçamos com prazer. Com o mais vil desejo de libertar almas cuja vidas estão acorrentadas à escuridão. Somos caçadores e independentes dos riscos que enfrentamos, escolhemos ser a morte de uns e a salvação de outros.

Meu celular vibra no bolso, ao pegar, observo pelo identificador de chamada o nome de Hank Bennett, meu avô biológico.

- Pode falar. - digo ao atender.

E recebo as instruções para a próxima missão.

*

Duas semanas depois...

Mantê-la longe foi uma decisão para continuar seguindo com o plano. Eu sabia que, no fundo, algo me dizia que trazê-la colocaria minhas escolhas e prioridades em segundo plano. Havia algo naquela feiticeira que trazia do meio da minha escuridão um feixe de luz. Eu amava minha família e amigos, mas aquela garota parecia ser um djavu do que aconteceria se ela entrasse na minha vida.

Mas havia outros fatores que impulsionou a minha decisão a se manter firme.

Duas semanas depois da entrevista e aqui estou uma pilha de nervos, a secretaria escolhida em vez de organizar os documentos só fazia bagunça, na verdade, ela não fazia nada certo.

Santa paciência dos desesperados, me dá um socorro!

Levei as mãos aos cabelos os puxando para trás, e grunhi em tamanha frustração. Só podia ser obra do destino para dizer que a minha decisão foi errada, e que a minha teimosia em não escolhê-la só traria a mim uma grande dor de cabeça.

Só pode ser uma maldição!

Suspirei cansado e foquei meus olhos na tela do meu notebook, onde mostrava um novo projeto que estava trabalhando, um sistema de alarme para uma empresa imobiliária. Eu estava evitando olhar para minha mãe porque conscientemente eu sabia que palavras ela faria questão de dizer, e por Deus, eu juro que o único motivo era manter-me afastado daquela feiticeira.

Havia algo que me impelia diretamente para ela.

E não saber o que diabos acontecia comigo, me fazia agir assim. Distante. Era uma medida segura para ambos os lados. Eu não podia me envolver emocionalmente com nenhuma mulher, não podia ser egoísta ao ponto de envolver uma inocente em minha vida que é cercada de perigo.

Eu não podia! Por isso precisei colocar uma blindagem entre nós.

Observá-la trouxe para as minhas sombras uma luz, que por breves minutos levou meu lado obscuro para longe. Fazendo-me esquecer dos sangues derramados que tenho em minhas mãos. Eu sabia que se o meu coração silenciasse a razão, eu teria que mantê-la às cegas. Seria um relacionamento cercado por mentiras apenas para protegê-la, para não torná-la um alvo.

Isso foi o que pensei.

Pessoas inocentes são vítimas de organizações criminosas que têm apenas o objetivo de lucrar com seus esquemas sujos de tráficos humanos, drogas e armamento pesado. A elite criminosa esmaga qualquer um para não ser um alvo da justiça.

Encará-la tornava tudo difícil, pois o meu coração insistia em tentar me dizer que ali estava a garota que estava esperando. Parecia que até a minha mente começava a se render às investidas que o meu bobo coração sussurrava, pois, às vezes me peguei pensando em seu rosto, sorriso e olhar. E isso era um caralho do inferno, porque tornava todo o meu interior em um conflito. E mantê-la longe já era um ato de cuidado.

Desgarrei-me dos pensamentos e suspirei profundamente dessa vez, minha mãe estava do meu lado, marcamos para falar sobre o projeto da reforma do centro cultural do Brooklyn, mas quando ela chegou não foi possível. Pois, a minha secretária tinha bagunçado toda a ordem dos documentos e no fim acabou sobrando para mim.

- O que foi filho? - Sua voz soou calma.

Retirei os óculos de descanso e fitei a minha mãe.

- Essa secretária, mãe, não faz nada certo. Agenda, documento tudo feito de maneira errada! - resmungo e afasto a maldita agenda para longe. - Faltei os compromissos da manhã por isso e agora vejo que o da tarde também! Já conversei com ela e foi o mesmo que nada.

Meus Deus, isso nunca me aconteceu!

Ela riu sonoramente de mim, levando delicadamente a mão até o centro do peito.

- Eu disse para você que a Silvana não era para esse cargo! - ela sorriu e nitidamente já conseguia ouvir um coro angelical deslizar por seus lábios, quando ela disse. - Eu avisei.

Grunhi frustrado.

- Mãe eu a contratei porque ela tem dois filhos para criar. - esclareci o ponto da minha decisão.

Minha mãe arqueou a sobrancelha, diante do meu argumento.

- E ela passou no teste! - apontei, seus olhos me analisam como se realmente soubesse a outra parte da escolha. Céus... é difícil esconder algo dela.

- Eu indiquei a Kristal! - rebateu - Eu disse a você que experiência não é nada perto da vontade de aprender e se destacar. Você ainda continua sendo uma criança, Dominic!

- A Kristal tem um bom emprego, mãe.- digo mais uma vez. - Eu estou dando chance a uma pessoa que precisa. - Nunca fui injusto, sempre visei os necessitados e agora não seria diferente.

Ela fica em silêncio com os olhos focados no quadro da família.

- Porque o interesse na Kristal? - perguntei, eu não conseguia entender a insistência da minha mãe nela.

Soltando um suspiro triste, minha mãe diz:

- Ela me lembra Amélia. - confidenciou. - A única diferença é a idade.

Amélia era a filha biológica que morreu aos dezoito anos, segundo a minha mãe ela puxou ao papai, em todos os aspectos. Um ano depois eu fui adotado, tinha cinco anos na época e além do luto Célia me ajudou a curar os meus traumas através de profissionais o que foi mais trabalhoso, pois se tratava de uma criança com o psicológico fodido, mas o ponto mais fundamental para mim naquela época foi o amor dela. Ela foi a minha salvação que aos pouquinhos resgatou-me da escuridão.

- Mãe... - a chamei.

- Eu sei Dom, a Kristal não é a Amélia. Mesmo possuindo o mesmo perfil. Isso não é estranho? - mostrou seu ponto de vista.

- Vivemos em um mundo que o mais normal é ter uma pessoa semelhante a outra, mãe. A Kristal se encaixa nesse quadro, não há nada de estranho nisso.

- Dom, eu estava do lado de fora quando a vi. Observei os seus passos mesmo julgando estar diante de uma miragem. Eu sinto que a vinda da Kristal até a sua empresa não é um acaso do destino. - disse convicta das suas palavras.

Ao ouvir compreendi o porquê do apelido "branca de neve", agora com a sua explicação fazia sentido. Minha mãe tinha um código de fofoca com Amélia, quando ambas queriam falar de alguém, soltavam o código. Eu sabia desse detalhe porque é um dos momentos que minha mãe contou para mim, na adolescência.

- A branca de neve foi um teste?

- Sim, de uma forma estranha eu esperei ela dizer "Sem rainha má por perto". Era algo que Amélia falaria.

Seus olhos lacrimejar e um suspiro triste deixou os seus lábios.

- Onde ela está trabalhando? - perguntou.

- Mãe... - Eu tinha em mente o que ela queria fazer e para mim aquilo não era uma boa ideia, até eu tentava manter-me longe daquela mulher que o destino fazia questão de colocá-la no meu caminho. E devido ao meu passado, eu tinha em mente o quão perigoso seria ter uma pessoa para amar.

- Você não entende Dom, ela não é a minha filha, mas tem algumas semelhanças. Eu quero conhecê-la e ser amiga dela, não é nada de mais. - disse.

- Ela trabalha na casa noturna do Lauro. - falei, analisei sua expressão tentando entender o que se passava naquela cabecinha. - Mãe eu só não quero que essa aproximação te machuque, que a senhora acabe criando expectativas que não se encaixara com a realidade. - guiei a minha cadeira que possuía rodinhas até a dela, alisei seus cabelos e disse:

- Eu te amo mãe. Sabe que eu só quero o seu bem, né? - Ela sorriu e balançou a cabeça. - Eu vou trazê-la para trabalhar conosco.

- Obrigada, meu filho. - sorriu emocionada.

Interfonei para minha secretária, e a chamei para comparecer na minha sala. Em questão de segundos ela apareceu na minha sala.

- Silvana, eu estou lhe demitindo do cargo de secretária... - Falei, a expressão dela ficou triste, parecia que iria desabar no choro. - Em qual outro cargo você se encaixa? - perguntei.

- No RH. - Falou.

- Ótimo, você estará sendo transferida ainda hoje para lá, ok? - Ela aceitou super feliz o novo cargo e se retirou. - Pronto, primeiro problema resolvido. O segundo é ver se ela aceitará.

Minha mãe tinha um sorriso tão lindo no rosto que para vê-la feliz, eu faria qualquer coisa e isso inclui ter a feiticeira por perto. Pego meu notebook e acesso o perfil da Kristal que estava salvo em uma pasta das candidatas entrevistadas. Depois de um tempo fiz a ligação para o número fornecido.

Deixei no viva voz para minha mãe também ouvir.

- Alô? - uma voz surgiu, doce.

- É Kristal Hernandez? - falei.

- Sim, ela mesma.

- Aqui é da empresa worldwide evolution tech, estamos ligando para informar que você foi selecionada para o cargo de secretária pessoal. - escutamos seu grito abafado.

- Ok, agradeço pela oportunidade.

"Cala boca Kris, eu estou assistindo a Outlander. É uma cena importante. - Outra voz surgiu gritando e tive que prender o riso."

- Você começará amanhã, esteja aqui a uma hora da tarde. - Assim que ela agradece, eu olho para minha mãe e vejo que ela estava bem melhor!

- Obrigado, filho. - disse em um sorriso caloroso.

Mandei um e-mail para a chefe do RH avisando que a Silvana faria parte da equipe, após desligar tentei organizar a minha agenda e um dos compromissos que tinha ainda salvo era um jantar.

O resto estava sendo missão impossível para mim.

*

|| Kristal Hernandez ||

- Aliciaaaaaa... Eu consegui o emprego! - pulei na frente da tevê tirando sua atenção da série. - Eu acabei de receber uma ligação dizendo que estou contratada! - Eu estava eufórica.

Já havia perdido a esperança, a primeira semana passou e acabei concluindo que outra pessoa havia sido contratada. Foi inevitável não sentir a pontinha de tristeza. Eu tinha criado expectativas.

Mas agora eu teria a chance de ajudar o meu paizinho!

- Aí meu coração! Não era coleguinha nem namorico no telefone? - perguntou com os olhos arregalados e o rosto levemente corado.

- Não era. - respondi e ergui uma sobrancelha.

- Vamos comemorar pulando no colchão? - Deu ideia, tínhamos um sorriso cúmplice no rosto.

Assenti e corremos em direção ao seu quarto, que tinha o colchão de mola. Alicia ligou a sua caixinha rosa de música e ao som de Shake it off da Taylor Swift e sorrimos cúmplice uma para outra enquanto dançamos.

Eu nunca vou perder uma batida

Eu tenho eletricidade nos meus pés

E é isso que eles não conseguem ver, hmm, hmm

É isso que eles não conseguem ver, hmm, hmm

Estou dançando sozinha (dançando sozinha)

Eu invento os passos enquanto danço (passos enquanto danço)

E é isso que eles não sabem, hmm, hmm

É isso que eles não sabem, hmm, hmm

Mas continuo em frente

Não posso parar, e nem vou parar de me mexer

É como se tivesse uma música

Na minha mente

Dizendo que tudo vai ficar bem

Cantamos o verso e dançamos embalando o corpo na batida da música, soltamos a nossa voz em total harmonia... bom com (nós) mesma. Fazendo uma interpretação musical unicamente nossa. Movendo o quadril e balançando os braços, era a nossa dancinha da Vitória.

Caímos na cama exaustas e rindo.

- Precisamos comemorar! Vamos para a balada! Vou ligar para Melanie. - soltou animada.

- Não vamos nada! Você vai continuar estudando para o seu trabalho da faculdade que será apresentado hoje e eu vou ligar para a minha mãe! - Decretei.

- Ah, não Kris. Precisamos comemorar! - Cruzou os braços e virou a cabeça para o meu lado. - Você merece!

- Nada disso mocinha, nem tente me manipular com essas palavrinhas doces. - levantei-me da cama e fui para a cozinha pegar o meu celular.

Alicia em algumas ocasiões era uma criança e a prova disso era a sua falta de preocupação com as coisas que a envolvia. Adentrei a cozinha e peguei o celular que estava em cima da mesa de mármore, ligando para o número da minha mãe caminho até a janela da cozinha direcionada para a frente da rua.

- Oi, mãe... como vai?

- Estou bem meu amor, seu avô está aqui... e quer falar com você! - não demora muito e a voz rouca do vovô surge causando uma arrebatadora saudade.

- Querida, estou com saudades. Quando vem nos ver?

- Assim que possível vôzinho. Começarei no trabalho que tanto almejo amanhã, e assim que eu tiver as minhas férias vou visitá-los. - Escuto sua risada.

- Já está pensando nas férias cristalzinho? - solto uma risada e sinto meu coração transbordar de tamanho amor e saudade ao ouvir o apelido dado por ele na minha infância.

- É inevitável vô. - respondi - Como está o papai?

- Está na fisioterapia, estamos aguardando ele sair para voltarmos para casa. Mas ele está bem. - enquanto ouvia meu avô falar brinquei com a fita da cortina - querida, vou passar para sua mãe... beijos, se cuida Cristalzinho!

Conversei com a minha mãe até a mesma se despedir para voltar para casa, e falei sobre o meu novo emprego.

E ela comemorou comigo.

Vendo que chegou uma mensagem do Thomas abro a caixa de mensagem para ler.

"Aceita jantar comigo essa noite?"

Arregalo os meus olhos de surpresa. Pisquei meus olhos e li novamente para comprovar que li direito. Outra mensagem chega e ao ler olhei pela janela para comprovar se ele estava realmente aqui.

" Vou considerar essa reação um não!"

Andei em direção a entrada da porta, destranquei a porta e desci os degraus e andei até a calçada. Havia carros estacionados, mas não encontrei o dele.

"Thomas aparece agora!"

Enviei a mensagem e esperei ele surgir como o mestre mago.

- "Buuh"

Tamanho foi o susto que tive um sobressalto, com aquela voz gutural no meu ouvido.

- Tom! - dei um tapa em seu braço - Onde você estava?

- Eu estava bem ali, mas você passou direto que nem viu a minha sombra. - ele tocou no meu queixo gentilmente, um gesto que ele sempre fazia.

Olhei para o balanço de madeira da varanda que ele falou tentando não olhar para a sua boca.

Ele é meu amigo! Recitei meu mantra mentalmente.

- Até me senti invisível. - diante da minha expressão ele continua:

- Você não me viu e ainda não viu o meu carro que está bem ali. - apontou para o quinto carro estacionado do outro lado, seus dedos deslizam pela mecha solta a colocando atrás da minha orelha.

Ele é meu amigo.

- Eu estava distraída... - falei e cruzei os braços, fazendo os meus seios terem um pouco de volume.

- Com a minha mensagem? - inquiriu sugestivo.

- Sim, e gostaria de saber o motivo do convite?

- Em parte eu estava desconfiada.

- O motivo é muito simples...- deu um passo em minha direção e instintivamente eu dei dois para trás.

Ai meu coraçãozinho! Tremi na base.

Ele é meu amigo.

Eu decretei que não perderia a linda amizade que tinha com Thomas, devido a uma pequena atração.

- É você! - sussurrou.

- Aceito, só porque hoje é a minha folga no trabalho! - esquivei-me do seu toque para não cair naquele ninho de sedução, conscientemente eu também estava nesse jogo. - Às oito horas está bom para você? - perguntei.

Era bem possível que a minha expressão falasse o que eu estava sentido, já que eu era péssima em esconder o que se passava dentro de mim. Tentei não encarar aquele corpo esculpido por deuses, mas minha mente parecia imune ao próprio comando. Eu tinha um fetiche em homens com veias saltadas, e para completar todo o pacote Thomas usava uma regata longa de capuz preta e uma calça jeans clara.

Um pecado humano.

Seus olhos me fitaram e como de costume ele levou uma mecha do meu cabelo para trás. Sorriu e disse:

- Ok... te busco nesse horário. - confirmou, o fitei refletindo nesse querer de mudar a página. Nossa amizade é tão importante para mim que arriscar perdê-la não valia a pena. As incertezas eram a mais clara resposta para não mudar o que temos.

Thomas acena para uma pessoa específica que já sei quem é, provavelmente foi flagrada bisbilhotando da janela. Quando Thomas foi embora eu entrei em casa e fui para a sala onde encontrei a minha Barbie com os olhos vidrados na tevê. Uma expressão sonsa enfeitava o seu rosto.

Sentei ao lado dela e encostei a minha cabeça no seu ombro.

- Bisbilhotando novamente, né? - Cutuquei a sua cintura para chamar a sua atenção.

- Não, eu só estava observando a minha vizinhança. Como sempre faço. - Falou sem nenhuma vergonha em mentir e voltou a prestar atenção na cena do casamento entre Jamie e Claire, dando sua total atenção para os nossos personagens preferidos.

- E não tem vergonha de mentir tão descaradamente? Duas vezes seguidas, Alicia!

- Os meios justificam os fins. - respondeu com os olhinhos do gato de botas. - Eu sou a favor que esse relacionamento aconteça. KrisThomas tem que acontecer. - se justificou.

- Seu shipper é horrível. - falei rindo. - E não tem nenhum KrisThomas na área.

Ela ergueu a sobrancelha diante das minhas palavras, duvidando.

- Thomas está caçando. É devagar, mas está. - disse em forma de aviso. - O que ele queria?

- Ele veio me convidar para jantar. - Retirei meus pés da rasteirinha e os puxei para cima do sofá.

- Ufa, cheguei a pensar que ele nunca daria um passo.

- Eu decidi que vou continuar amiga do Thomas. Resumindo... - joguei minhas pernas no seu colo enquanto me deitava no sofá. - Não haverá o shipper krisThomas.

- Tudo bem, mas só para encargo de conhecimento a estatística mostra que é muito fácil se apaixonar pelo amigo, já que a vivência compartilhada entre ambos é especial. - comentou, trazendo o cérebro nerd que possuía. A loirinha era inteligente para cassete, mas tinha uma mania de esconder o brilho que possuía. - E se acaso vocês terminarem na cama no fim da noite, não haja como se fosse o fim do mundo. Tem amizades que possuem benefícios. - Seus olhos arredondados me fitaram com travessura. Olha as ideias dessa garota? Vê se pode?! - Você entendeu?

- Eu não vou para cama no primeiro encontro!

- Soltei assim que entendi as suas palavras.

- Não teria nenhum problema. É só questão de ser decidida e objetiva. - respondeu. - Não vai dizer que você é virgem? - Seus olhos se arregalaram pela suposição. - AAAH MEU DEUS, VOCÊ FEZ VOTO DE CASTIDADE? - gritou.

- Alicia para de gritar. - pedi - E não, eu não fiz nenhum voto...

- É medo?

- Não - respondi séria - Eu tive uma experiência traumática. Primeira e última. - Respirei fundo buscando forças para falar - Matias, meu primeiro namorado havia preparado um jantar em seu apartamento para comemorar meu emprego na empresa da sua irmã. Ponderei por muito tempo em aceitar a vaga de auxiliar de assistente, mas a vovó teve um AVC e foi internada. O recurso financeiro dos meus pais estava apertado. Eles além de fazerem um depósito para mim, tinham os cuidados médicos da vovó e o seu próprio sustento. Por esse motivo aceitei a proposta. - desabafo, lembrando de cada detalhe daquela noite. - Depois do jantar sentamos perto da lareira e conversamos sobre coisas aleatórias que aconteceram na nossa vida. Matias fazia carinhos inocentes no meu braço e bebia do seu vinho favorito. Um tempo depois seus toques ganharam outro tom. - segurei as lágrimas e busquei controlar o meu emocional. Alicia fazia um carinho na minha perna prestando seu apoio. - Os beijos trocados se tornaram mais famintos. A neblina que romantizava o momento se dissipou quando a mão dele deslizou pela minha coxa com uma certa exigência. Senti o medo tomar conta do meu peito. Eu deveria ter parado e não ter dado ouvidos às suas palavras. Deveria ter sido mais firme na minha decisão de não querer naquele momento, mas cedi. Depois do ato ele descartou a camisinha e caiu ao meu lado. - respirei fundo mais uma vez. - fiquei por alguns segundos deitada sentindo-me usada. Busquei forças para me levantar, peguei a calcinha que ele havia rasgado e joguei nas chamas da lareira. Peguei a minha bolsa para sair do apartamento dele e ao ouvir a sua voz indagando o motivo da minha saída repentina, eu terminei ali. Coloquei um fim no relacionamento de um ano.

Engoli em seco e enxuguei a lágrima solitária que desceu.

- Um mês depois flagrei ele com a minha prima, Sophia. Ela parecia muito íntima da família e dele. Essa é uma peça que nunca tive uma resposta.

- Eu sinto muito, Kristal. Nenhuma mulher merece passar por isso. - Alicia buscou a minha mão e continuou:

- Você não é a culpada, ele sim.

- Eu sei. Mas por esse motivo me fechei sexualmente. Se não houvesse essa marca eu teria dado certo com o Beto. Ele era um cara bom. Infelizmente meu bloqueio acabou o afastando e no fim ele que acabou magoado. E será assim enquanto houver essa barreira.

- Isso vai passar, amiga. Um dia você encontrará um amor que vai provar a você que o toque sexual é apenas um detalhe diante do que vocês irão construir sentimentalmente. - seu carinho suave no dorso da minha mão fazia meu interior se acalmar.

- Já tive fé que viveria um amor verdadeiro. Como dos meus pais. - confesso.

- Recitando um trecho do filme, amor e outras drogas: às vezes, as coisas que você mais quer não acontecem. E o que jamais esperaria acontece. Eu não sei, você encontra milhares de pessoas e nenhuma delas realmente te toca. E então, encontra uma pessoa e a sua vida muda para sempre.

Guardei as palavras recitadas por Alicia. Matias trouxe para minha vida um medo e uma fragilidade, levando-me a esse ciclo de incertezas. As minhas imperfeições me tornavam fragmentada demais para ser o universo por inteiro de alguém.

Quem ousaria amar alguém que verdadeiramente não sabe nada sobre o amor? Que mesmo tentando, têm medo de mergulhar?

E por esse fato, eu havia decidido que só me relacionaria com alguém novamente quando por um toque de magia meu coração fosse enlaçado como nos livros de romance. Algo inexistente, mas que me fez até aqui não me relacionar com mais ninguém. Evitando um que mais um ciclo se repetisse. Independente da atração física que existir. Isso incluía o Thomas. Eu não abriria mão da nossa amizade para tentar algo que eu já sabia qual era o resultado.

Meus pais são os exemplos fiéis de um casal verdadeiramente apaixonados, eu desejava ter algo como o deles. Belo, suave, maduro e harmonioso.

- Eu pensei assim quando descobri a traição de Fernando. Comecei a ver falhas em mim por um erro dele. Foi difícil entender que a infidelidade dele revelava sobre o mau-caráter dele. Não sobre o que faltava em mim. Atualmente, como você sabe ele tenta voltar. Mas a minha alma não está aberta para ceder espaço para quem é mau de caráter.

Abracei ela, e afaguei os seus cabelos. Fernando foi o primeiro namorado da Alicia, o relacionamento deles durou oito meses. O cretino a traiu em uma festa de faculdade e quando desmascarado só faltou chorar em um falso arrependimento.

Atualmente tenta se reconciliar com ela, dizendo estar muito arrependido. Desde o acontecido nunca mais o vi, e que a sorte continue o mandando para longe de mim, porque o tapa que jurei dar vai ser dado. Pensar no maldito do Fernando fez meu coração se encher de raiva, daquelas que faz o coração pesar com as manchas negras que tentam o cobrir. Levantei-me e a abracei, olhei para os fios dourados do cabelo de Alicia, e a apertei ainda mais no meu abraço.

Eu não tinha apenas uma amiga. A vida tinha me dado uma irmã e de bônus veio a Melanie.

O fim da tarde chegou comigo e Alicia maratonando a quarta temporada de Outlander. Após desligar a TV levantamos a nossa bunda do sofá e fomos nos arrumar, ela para a faculdade e eu para um jantar.

*

Alicia havia me ajudado a escolher a roupa, um vestido vermelho de modelo frisado fora do ombro, justo que chegava ao joelho. Escolhi as sandálias de salto fino preta, e pensando nas palavras que Alicia disse antes de ir para a faculdade, eu decidi arriscar em uma maquiagem mais ousada. As pontas do meu cabelo estavam onduladas e para concluir todo visual passei o batom nude.

Eu deveria estar ansiosa pelo fato de estar indo a esse jantar, certo? Mas eu não sentia nada, nem expectativas. Eu havia entendido o significado, não haveria nada além da nossa amizade.

Peguei minha bolsa preta de mão e verifiquei meus pertences. Desliguei a luz do quarto e com o celular na mão caminhei para o andar de baixo. Descendo os últimos degraus, vejo o Thomas na porta, suas mãos para trás do seu terno. Abri a porta e antes de fechar, desliguei a luz da ante sala.

- Você está perfeita - Seus olhos me analisavam dos pés à cabeça.

- Ah, você também está um pedaço de mal caminho. - Usei o humor olhando nos seus olhos e sorrindo, deixando o clima descontraído.

- Você é uma gracinha, Kristal. - comentou, e me guiou até o carro.

Saindo do acostamento, seu Nissan preto deslizou pelo bairro antes de pegar a via. Entre risos e uma conversa agradável seguimos para o restaurante.

*

Ao chegar no restaurante me vi encantada pela arquitetura do mesmo, estávamos no Gotham Bar and Grill. Ao adentramos naquele deslumbrante restaurante, fomos recepcionados para a mesa reservada por Thomas. O anfitrião que nos guiou, nos entregou o menu e chamou um garçom para que déssemos a entrada.

- Kris, o que vai querer de entrada? - Thomas me perguntou.

Mordi meu lábio inferior tentando escolher entre aqueles pratos estranhos, algo que soasse bom.

- Tartar de atum. - falei.

- Bebida? - perguntou-me novamente.

- Poderia escolher? - pedi.

Enquanto o Thomas fazia o pedido, olhei o ambiente à minha volta. A elegância deixava o lugar aconchegante e da onde eu estava pude ver a parte do bar, onde havia pessoas bebendo, outras conversando com o acompanhante do lado.

- Kris, já sabe qual o prato principal que irá escolher? - voltei minha atenção para Thomas.

- O da noite. - respondi, ao ver que o cozinheiro chef era famoso por seus pratos culinários possuírem um toque único.

O garçom foi embora com os nossos pedidos, e assim voltei a minha atenção para Thomas que tinha um sorriso bobo nos lábios.

- Você sem dúvidas é a mulher mais bela desse universo! - sua mão pousou em cima da minha e sorrateiramente deslizei a minha para longe.

"Ele está caçando." Pude claramente ouvir a voz da Alicia sussurrando em meu ouvido.

- Obrigado, eu aprecio o elogio. - respondi e sorri.

Um garçom aproximou-se trazendo o meu vinho e o vinho sem álcool do Thomas, eu fiquei impressionada com o excelente serviço. Minutos depois a nossa entrada chegou e o garçom nos avisou sobre o tempo de preparo do nosso jantar, eu experimentei o Tartar de atum que estava divino.

- Kris, quais são os seus planos? - sua voz saiu hesitante.

- Hã... resumidamente, é iniciar o meu projeto que tem como alvo as pessoas que sofrem AVC. O objetivo é dar conforto para o paciente que necessita de um bem-estar de qualidade e não tem condições de arcar com os cuidados devidos. Meu projeto será acessível à todos. - confidenciei o que até o momento só as minhas amigas sabiam. - No momento esse é o plano de prioridade, que lutarei para a realização dele. - Levei a taça de vinho aos lábios e ao ingerir senti o doce sabor. - E você tom?

- É continuar salvando vidas. - Aquele brilho no olhar que ele possuía era intenso ao falar da sua profissão. - Um brinde a realização do seu projeto - levantou a taça.

- Eu brindo pela sua dedicação em salvar vidas. - Brindamos.

Ao colocar a taça na mesa, olhei atentamente as pessoas ao meu redor e uma mesa mais reservada das demais flagrei um rosto familiar me encarando, Dominic Ford estava aqui. Automaticamente senti mais uma vez meu coração bater descompassadamente apenas por ter seu profundo olhar em mim. Sua presença marcante me fez entrar em completa hipnose. Prendo a respiração quando ele ergue a sobrancelha ainda ao me olhar.

O homem à sua frente gesticulava e falava sem notar que o senhor Ford não estava dando a mínima para o que ele falava. Desconcertada tirei rapidamente os meus olhos dele, e voltei a conversar com o Thomas. Mas inevitavelmente o rosto dele não saia da minha cabeça, o que para mim era muito estranho. O nosso jantar chegou e em um clima agradável terminou, bom... até Thomas receber a ligação do hospital.

- Oi, Sam. O médico de plantão da noite é o senhor Benjamin. - prestando bem atenção na voz que vinha do outro lado, senti o desespero da mesma.

"O paciente é o doutor Benjamin, ele é a vítima do acidente de carro."

A cor sumiu do seu rosto ao ouvir.

- Ok... eu já estou indo. - Assim que ele desligou, seu olhar pairou em mim e um suspiro de frustração deixou seu peito. - Kris, me perdoa pelo jantar terminar assim? E-u... Se você me acompanhar até o hospital, depois da cirurgia eu te levo em casa. - Thomas estava em um duelo, senti meu coração se apertar com aquela situação.

- Não se preocupe Thomas, eu posso pegar um táxi. - falei o tranquilizando - Não há o que perdoar. Você é um médico com um dever a cumprir. Eu entendo isso. - falei para o tranquilizar.

Ele chamou o garçom e pediu a conta, assim que a conta foi paga, Thomas pediu desculpas mais uma vez e se despediu com um beijo na minha bochecha. Respirei fundo e decidi ir até o bar do restaurante para beber. Se eu estivesse no meu perfeito estado de espírito, eu não teria tomado essa decisão.

Basta uma escolha para que tudo que envolve uma pessoa se alinhe com o que de fato o destino nos reserva. Eu fiz escolhas no passado que tiraram de fato o brilho do meu futuro. Colecionei memórias amargas que levantavam barreiras em torno da minha vida, fazendo-me ficar estagnada na superfície sem tomar uma direção.

Sem saber eu estava dando um passo nessa direção. Eu estava colaborando com o destino e saindo de um ciclo silencioso.

                         

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