Meu espirito astral, ânimo, empolgação e disposição, estavam na direção oposta a todos que passavam por mim, e a diferença só não era escandalosa, pois eu não passava de um ponto inerte no canto do balcão daquela cafeteria, esperando Joe preparar os dois cafés.
- Está tudo bem? Você parece meio... Esgotada. - Ele perguntou.
- Um pouco cansada. Minha amiga, Holly, acabou me arrastando para um bar e hoje estou pagando penitência. - Contei.
- Ressaca?
- Por sorte não, apenas cansaço... Um pouco mais mental do que físico. - Pontuei.
- Nada que um bom café não resolva.
- Acho que hoje eu prefiro um chá de sumiço. - Ele riu.
- Tenta o café. - Sugeriu com uma piscadela, seguido de um fino sorriso, todavia, esse mesmo sorriso sumiu quando ele tentou passar meu crachá como comanda.
- Que estranho, não está aceitando. - Disse Joe, tentando passar uma segunda vez.
- Não? - Perguntei me escorando no balcão para ver a tela do computador. Pela segunda vez apareceu "Crachá não identificado". - Só o que me faltava! - Resmunguei colocando minha bolsa sobre o balcão para procurar minha carteira.
- Relaxa. - Falou colocando sua mão sobre a minha, impedindo-me de continuar. - Mas, acho bom você questionar isso, parece até que você foi demitida.
Minha ficha caiu quando Joe me lembrou do acontecido.
- Ah droga, eu fui, quer dizer, mais ou menos... Cohen me desligou da agencia, não sou mais terceirizada, trabalho diretamente para Archer, isso deve ter afetado meu sistema. - Joe sorriu como se eu tivesse dito algo engraçado.
- Falou como se fosse um robô. - Comentou ainda sorrindo.
- Quem nessa empresa não é? Todos sob o comando do poderoso Cohen.
- Eu sou só um barista. - Protestou, rabiscando na luva de copo antes de encaixa-lo em um deles.
- Não, você é o melhor barista. - Pontuei, recebendo os copos térmicos no suporte de papelão, sentindo pela primeira vez meu rosto corar sem conseguir fugir ou fingir que não tinha percebido.
Reprimi um sorriso assim como ele, que me fitava com seus olhos amendoados sem esconder suas intenções. Joe nunca foi invasivo, e o fato dele nunca ter desistido de esperar uma ligação minha, chegava a ser fofo. - Para não dizer romântico.
Estive pensando nisso enquanto subia pelo elevador encarando aquela escrita rabiscada na luva de copo que outra vez, estava no de Cohen. As palavras da Holly na noite passada ecoavam como uma lembrança recente, e uma promessa brindada antes do meu último copo de cerveja. Se eu tivesse realmente que aproveitar uma noite como há muito tempo não fazia, me permitindo e dando uma chance para mim mesma, seria injusto que essa chance não fosse concedida a quem também há muito tempo espera por uma.
Eu não tinha nada a perder. Joe é, antes de qualquer coisa, um dos caras mais legais que já tive o prazer de conhecer. Seu carisma e sorriso sincero brilham tanto quando suas orbes castanho-esverdeadas que me fitavam todas as manhãs com uma singela admiração. Joe me enxergava, se importava comigo, e ainda que eu esteja romantizando algo que não é para ser romantizado como, estar nua na cama de alguém depois da meia noite, considerei que esse era o melhor caminho, pois, se tínhamos que começar de algum lugar, seria pela parte mais difícil, os finalmentes. E o depois não importa.
Se haveriam perguntas ou cobranças ao amanhecer, eu não sei, talvez eu até possa me arrepender, mas eu não deixaria de viver.
Se esse é o discurso covarde de alguém que tem medo de se envolver com qualquer outra pessoa que vá estar presente nessa festa? Talvez. A única forma de viver essa noite como Holly desenhou, é com alguém que já demonstra interesse pelo que sou, não por uma personagem como a que Stella quer criar, seria mais fácil.
Desci do elevador com uma certeza eminente e ao entrar na sala do Cohen após duas batidas anunciando minha chegada, fui surpreendida pela sua presença próximo a porta, encostado no balcão do bar, meu primeiro destino de todos os dias quando entro nessa sala, e não sentado atrás da sua mesa como em todas as manhãs.
- Bom dia. - Cumprimentei, fechando a porta atrás de mim, atenta ao olhar dele caindo sobre mim. - Algum problema? - Questionei, pois o fato dele estar de pé significava que Cohen estava inquieto.
- Possivelmente, mas que pretendo resolver. - Respondeu, sem me cumprimentar de volta. Ignorei isso e deixei os copos térmicos sobre o balcão, pegando a habitual xícara, bem ao lado dele.
- Se é um possível problema, então o correto seria evita-lo. Já dizia minha vó, melhor prevenir do que remediar. - Falei, despejando o café na xícara, abrindo meu copo logo em seguida para, como sempre, adoçar o seu.
Cohen soprou uma risada nasal quando levei a colher usada para mexer até a boca, provando do sabor familiar que eu tanto odiava. Estava no ponto, ainda amargo pra mim, mas levemente doce para ele. Cohen ainda observava meus movimentos, fitando a colher na minha boca, antes de subir para os meus olhos, pegando a xícara da minha mão que aguardava estendida no ar.
Seu gole degustativo foi dado enquanto Cohen ainda me olhava, e provavelmente por ainda estar quente, o deixou de lado, perto do meu copo ainda destampado.
- Me ocorreu que eu fiz você mudar de ideia um pouco em cima da hora sobre o evento de lançamento da Archer, enquanto todos estão se planejando há um bom tempo. Então suponho que eu tenha te pego um pouco desprevenida, e como você sabe é um evento acima do padrão...
- Você pressupôs que eu não tenho o que vestir. - Sugeri interrompendo-o. Cohen pareceu surpreso, mas ainda assim concordou. - Você acertou, mas isso eu já resolvi.
Mais uma vez ele anuiu, buscando seu café no balcão ao lado do corpo.
- E vai ter como ir? - Foi minha vez de soprar uma risada sem som, incomodada por sua incoerente curiosidade.
- Estava pensando em alugar uma carruagem, já que aqui por perto não passa metrô. - Quando dei por mim já tinha falado. - Sim, senhor Cohen, eu já tenho como ir.
Nesse momento, do copo vazio que eu geralmente jogava no lixo, arranquei a luva de proteção com o número do Joe e discretamente o dobrei na palma da mão. Ou pelo menos, tentei ser discreta, mas de nada adiantou já que Cohen acompanhou meus movimentos. Um vinco surgiu entre suas sobrancelhas, antes de arquear uma delas em um questionamento quase duvidoso.
É claro que eu não estava chamando Joe para ir comigo por conta disso, já que esse projeto de figura anônima da Stella Valencio, também incluía me levar e ir buscar no local do evento, pois seu principal intuito é levantar especulações e pesquisas de quem o estava usando.
- Vai ligar pra ele, senhora Anya? - Sorri, lembrando da sua promessa de devolver a formalidade.
- Talvez, não decidi ainda.
- Deu esperanças a ele? - Neguei com a cabeça, tentando compreender o tom sério e sem emoção vinda de Cohen.- Então devia surpreender. Manda uma mensagem.
- Mensagem?
- É, assim você cria um suspense, e se demorar alguns minutos para responder, pode até surtir um efeito tremedeira, ansiedade, suadouro nas mãos.
- E isso é bom?
- Ah, é sim, sorriso bobo é coisa do passado, o legal agora é deixar esperando. É muito mais... - Ele buscou meus olhos novamente enquanto procurava por uma palavra. - Intrigante.
- Ah, isso não deve funcionar com o Joe, além do mais, eu sou do tempo das ligações. E eu só quero saber se ele quer me fazer companhia na festa, sabe, como amigo, nada demais... - Parei de falar no instante em que me dei conta do que estava fazendo. - Ah meu Deus, eu não deveria estar falando sobre isso com você.
- Por que não? Somos amigos, já passamos dessa fase de imposição, não vejo nada demais em ajudar uma amiga!
- Não é certo.
- Sabe o que eu realmente acho? - Por algum motivo esperei pela sua opinião. - Você não tem coragem.
- Claro que eu tenho.
- Prova!
- Pois eu vou mandar. - Declarei, sacando meu celular. - Não agora, pois estou em horário de trabalho. Mas, eu vou mandar. - Pela primeira vez vi Cohen gargalhar.
- Então você está me garantindo que ele vai receber uma mensagem sua no horário de almoço?
- É... no horário de almoço.
- Não senti firmeza.
- Eu garanto! Agora me deixa trabalhar! - Pedi, indo finalmente para sua mesa recolher as pastas da manhã e organiza-la, mas... por incrível que pareça ela estava exatamente do jeito que eu deixei. Perfeitamente arrumada.
Ainda intrigada, mas sem coragem de perguntar, peguei apenas o que era necessário levar para minha mesa e me retirei da sua sala. As horas seguintes foram se passando mais rápido do que eu queria. Talvez pelo excesso de coisas a se fazer, ou pela ansiedade inquietante que eu não deixava de pensar. Uma delas é o horário de almoço de aproximando, onde eu teria que mandar mensagem ao Joe, no qual eu estava sim, protelando. Mas, o que realmente estava me deixando nesse estado, era a lembrança da breve conversa com Cohen, no qual permiti falar da minha vida pessoal e até opinar nela.
Isso era muito errado. E mais errado ainda foi eu ter gostado. De certa forma é claro, pois, foi bom ter alguém além da Holly me incentivando, melhor ainda essa pessoa ser meu próprio chefe, como se isso reiterasse tudo que minha melhor amiga tentava me dizer: Não tem nada de errado me permitir viver enquanto ainda busco pelo meu diploma e trabalho.
Se o próprio Cohen que vive pelo seu trabalho me aconselhou a pensar nessa parte esquecida da minha vida, significa que em algum momento, ele também se esquece de quem é e apenas se diverte. Era isso ou pensar que ele estava patéticamente entediado com sua vida que não desejaria o mesmo para mim ao ver no que eu estava me transformando. Uma máquina de trabalhar.
Portanto, quando eu já estava no restaurante que fica dentro do próprio edifício da Archer, onde eu almoço todos os dias como a maioria dos funcionários, deixei de lado a insegurança e pesquei meu celular encima da mesa. Eu já estava o encarando há alguns minutos, mas decidi terminar logo com isso. Adicionei o numero do Joe à minha agenda e lhe mandei um "oi".
- Muito seca será? Acho que eu deveria ter dito olá, ou pelo menos oi com dois i's . - Meu celular vibrando na minha mão segundos depois me impossibilitou de corrigir.
"Oi, quem é?"
Veio em uma só mensagem.
"Anya."
Respondi, esquecendo-me daqueles segundos de espera que Cohen me aconselhou dar em nome do suspense, em contrapartida, quem me deixou esperando foi o próprio Joe.
"ha. ha. ha. Isso não tem graça, Cas."
Cas? Ele... está achando que estou brincando com a cara dele?
E por que essa Cas faria isso?
Para isso ela teria que saber sobre mim, o que me leva a mais uma pergunta mental: Será que ele já falou de mim para alguém? Esse alguém... Seria essa Cas?
"Joe, sou eu, Anya!"
Outros segundos intermináveis antecederam sua resposta, e apesar de intrigada, curiosa, eu também queria ser uma mosquinha para ver se realmente não estava acreditando.
"Prova!"
Soltei uma risada abafada declarando esse o dia oficial dos desafios. Olhei em volta pensando de que maneira o faria acreditar que era eu. Cogitei mandar uma foto, mas em nome do suspense eu fitei meu prato ainda intocado e lembrei que também não consegui pagá-lo usando meu crachá, portanto contei algo que somente ele sabia.
"Estou te devendo dois cafés, pois minha comanda não foi aceita hoje de manhã"
Jurei que sua resposta seria imediata, pois, é obvio que ele se lembraria disso, a menos que tenha contado para alguém que também poderia ser essa Cas e a mesma supostamente estaria usando contra ele. E por incrível que pareça, Joe não me respondeu.
Deixei meu celular de lado e concentrei-me em comer. E minhas considerações finais acerca dos conselhos de Cohen, é que essa coisa de esperar ou fazer esperar por suspense, era chata demais!
Sou ansiosa. Só quero perguntar se ele vai estar na festa amanhã, e se gostaria de me fazer companhia por lá. Foi quando meu celular vibrou.
"É você mesma!"
"Sim, sou eu ;)"
"Desculpe, achei que você era do tempo das ligações, não estava esperando... Bem, na verdade eu estava sim, há meses."
Sorri, tentando me lembrar da primeira vez que Joe deixou seu número na luva de copo.
"Na verdade eu sou. Mas, então pensei que você pudesse preferir mensagens"
Na verdade, Cohen pensou, e pelo jeito ele estava errado. Embora eu estivesse achando divertido esse lado mais misterioso da conversa, sem ver ou ouvir a voz dele do outro lado, eu só podia presumir que Joe estava sorrindo nesse momento, antes de pensar no que responder.
"E o que te fez pensar isso, Anya? Melhor dizendo, o que te fez mudar de ideia?"
"Meu chefe"
"Cohen?"
"O próprio. Como te falei, agora sou funcionária direta da Archer, e estou convocada a ir naquele evento de lançamento amanhã. Queria saber se você vai?"
"Isso por um acaso é um convite?"
"Tecnicamente não, pois todos estão convidados, eu quero saber se gostaria de me encontrar lá, para falarmos mal da comida juntos."
Quando dei por mim estava rindo sozinha, imaginando que Joe também.
"Pensei em te fazer esse mesmo convite várias vezes, me lembre de agradecer ao Cohen!"
"Quando fizer isso, por favor cobre o café"
"Não se preocupe, ele já resolveu isso. Se prepare pois enfrentaremos tempos difíceis, prevejo queda na bolsa amanhã, pois Cohen Archer vai deixar de investir quarenta dólares semanais para pagar o próprio café, acho que isso vai ter impacto direto nas ações da empresa."
Gargalhei sozinha na mesa do restaurante.
"Como assim ele já resolveu?"
"Recebi uma ligação há pouco, do próprio Cohen dizendo que a partir de hoje, ele é quem paga seu café"
"Você não passou a receita do meu para ele né?"
"Não, e ele sequer perguntou."