Capítulo 2 O abismo de jade

Apenas um acessório de cabelo, você poderia pensar. Aqueles fios dourados que caiam e se juntavam aos longos fios escuros das mulheres que o usavam, os desenhos florais esculpidos que apenas realçavam as graciosas pedras de jade que foram postas ali, com aquele tom verde característico.

Mas por que abismo? Você deve se perguntar. A resposta na verdade, é bem simples e metafórica, todas as mulheres que o usavam, acabavam em escuridão e reclusão por vontade própria.

Sua primeira vítima foi a imperatriz da quinta dinastia de Zetian, ou na época em que ainda era vista pelos corredores do castelo. A mulher que destronaria a deusa da lua de seu cargo, de seu pedestal de ser a mais bela.

E bom, se você já leu alguma história sobre deuses, já deve saber que eles não gostam de serem tirados de seus postos, principalmente por mortais, seus orgulhos frágeis não os permitiriam aceitar tal heresia.

Sendo assim, a deusa fez o acessório, o mandou para o templo e mostrou sua função em sonho para um de seus sacerdotes.

"A beleza que está dentro, também será vista na parte de fora" foram as palavras ditas, e não demorou muito para que o imperador quisesse presentear a sua amada com o mais novo presente dos céus.

"Se a beleza de dentro vem para o exterior, isso a faria mais bela?" o imperador começou a se questionar, como seria? Era possível que ela ganhasse mais beleza do que já possuía?

Talvez fosse o caso, mas a imperatriz tinha muito a esconder, tinha seu lado obscuro, seus segredos, seus planos e suas ambições. A deusa sabia disso, as preces da imperatriz sempre eram escutadas por ela.

O presente uma hora foi entregue, em uma caixa extravagante e vermelha com detalhes em dourado. Foi deixada bem ao lado de seu travesseiro, para ser a primeira coisa que fosse ver ao despertar, sua primeira alegria da manhã.

Foi exatamente o que aconteceu, um sorriso foi colocado em seu rosto e seus olhos brilharam com êxtase, era perfeito, era feito do jeito que queria e combinava com todos os seus aspectos...Mas aquilo não durou muito. Óbvio que não duraria muito.

Assim que ela o colocou, seus cabelos sedosos e pretos agora tinham uma textura que até então, para ela era desconhecida, sua pele clara e lisa como porcelana agora tinha manchas e seus lábios macios e vermelhos agora estavam secos e sem cor.

"Estou arruinada...Arruinada..." entrou em desespero. Deveria ser um sonho, teria de ser um sonho, não teria como uma coisa de nascença ser tirada de forma tão drástica, tão cruel. Após isso, ninguém mais a viu, não se ouviu uma palavra sequer da imperatriz.

Seu marido entrou em prantos, o que havia acontecido? Detestou tanto o seu presente que não queria vê-lo? Aquilo havia sido desrespeitoso de alguma forma? Havia um significado por trás de algo nos desenhos que ele não notou? O que faria? Já não sabia, não conseguia entrar em contato.

"Querida...Por favor, se foi algum erro que cometi..." disse com certa angústia enquanto batia na porta de seu quarto, mas quando parou, foi apenas isso que escutou: "estou arruinada...estou arruinada...".

Estado de choque, ela não tinha mais consciência, estava em completo estado de demência, só conseguia repetir aquilo de novo e de novo, tanto que sua garganta já estava claramente seca e rouca.

"Por que ela está assim? Alguém conseguiu a ver?" o imperador questionou, mas todos abaixaram suas cabeças. Ninguém conseguiu, não desde aquele dia.

"O que vocês estão fazendo? Ela sequer se alimenta?" disse com certa irritação. Não, não comia a dias, e isso era claro até mesmo pela falta de força em sua voz.

"Majestade...Ela nos manda embora a base de gritos..." uma serva acabou dizendo de forma tímida e quase sussurrada. Isso irritou o imperador ainda mais.

"E vão deixá-la morrer por gritos? ELA É A IMPERATRIZ!" se exaltou. Mas todos tinham o mesmo pensamento em mente, ela não queria mais viver, não havia sobrado nada de seu antigo esplendor.

E mais dias se passaram depois disso, comida era sempre deixada em frente a sua porta, porém nunca viram ela sequer abrir a mesma, nem mesmo um encostar na comida era visto.

Logo o dia que era inevitável chegou, o som dos murmúrios já não chegavam mais nos ouvidos dos servos do castelo e um cheiro desagradável se alastrou pelos lugares próximos dos aposentos da imperatriz, estava morta e já entrando em decomposição de forma precoce.

"Minha que-..." foi correndo ao encontro do cadáver, e então parou no meio do caminho. Não podia ser, aquela não era a sua amada, não tinha nenhum traço dela, nem sequer um vislumbre de sua antes grandeza e graciosidade. Não apenas ela estava morta, como também o jeito que lembravam dela. Agora, não passava de um delírio coletivo.

O corpo foi cremado em um lugar distante, apenas o imperador e poucos servos foram se despedir, e apenas eles sabiam de seu estado. A pessoa que a amou, não queria isso, sua memória manchada, destruída.

Após isso, o paradeiro do artefato não era mais conhecido, o adereço nunca mais foi visto, nem mesmo no templo em que foi concedido. Alguns dizem que ele foi destruído, outros que foi enterrado junto a imperatriz, e outros...Bom, que ele foi guardado no mais seguro lugar do castelo.

Porém, no final, são apenas rumores...E vão continuar sendo.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022