A atenção das pessoas que ocupavam seus lugares na grande mesa, direcionou-se para nós dois, assim que a mulher falou meu sobrenome. Olhares tortos, confusos e raivosos foram lançados.
- Finalmente - levantou o chefe por sobrenome Andriotti. Que lançou seu olhar para meu rosto. - Querida você está bem, porque as lágrimas sujam seu belo rosto? - perguntou, e considerou enxuga-lo.
- Ela está bem, Álvaro - a voz de Ian saiu alta, ergueu a mão impedindo que a sua tocasse meu rosto.
Gesto esse que não passara despercebido.
- É claro filho - Álvaro não queixonou, muito menos se sentiu constrangido. Pelo contrário, em seus lábios finos se formou um sorriso macabro.
Os residentes fizeram questão de focar em seus pratos, fingindo ou claramente acostumados com situações como aquela.
- Ele é seu pai? - perguntei para Ian.
Não obtive resposta da parte dele, apenas seu olhar azul como o céu mirou-me.
- Filha, fiquei preocupado com você, porque não ficou junto das outras damas? - Ramon se aproximou perguntando.
Dei um pequeno passo para trás diante dele, força do hábito. Ian olhou-me de canto sem demonstrar nada, se direcionando para Ramon.
- Não me sentir bem, papai! - fui obrigada a responder, e manter o teatro. - Precisava de ar - sorri minimamente.
Ramon esboçou um falso sorriso aliviado.
- Sr. Ian Andriotti, é sempre um grande prazer contemplar sua presença - Ramon com toda certeza pegou toda sua gentileza e falsidade para falar dessa forma tão adorável. Deixando-me de lado.
Parecia que ele estava diante de um rei, a feição de Ian era como se um inseto estivesse na frente dele.
- Ramon - quase não abrira a boca para pronunciar o nome dele.
Meu braço ainda estava enrolado ao dele, sentia minha pele queimar pelo contato. Anne se aproximou e a olhei suplicante, não aguentaria.
- Fico feliz que tenha conhecido minha adorável filha - diz Ramon, quando percebeu que Ian nada mais falaria. - Ela é linda, não acha senhor?
Aquilo sem dúvida foi horrendo para mim, a forma tão chula que Ramon falou. Pais com certeza elogiam seus filhos perante os outros, mas é algo com amor, no caso de Ramon é com interesse de ter lucro.
- Ela é uma linda mulher, Ramon - prendi minha respiração diante do seu elogio, e olhar intenso. - Tenho algumas coisas para fazer, logo voltarei!
- Claro senhor - respondeu Ramon.
- Não falava com você - Ian replicou, mas continuou olhando para mim. - Não toque nela, é uma ordem!
Impediu Ramon de me puxar para perto dele. Tive vontade de rir pela expressão do meu querido pai, que agiu submisso.
Diante daquele momento estranho, não conseguir falar nada, apenas sentir alívio, por alguém ter impedido Ramon de me tocar, odiava aquilo.
- Anne, fique com ela - falou com minha mãe que estava perto, mas ainda não havia dito nada.
- Sim, senhor! - pegou-me pela mão, me afastando de Ian.
- Volto logo, Ninna - falou novamente, depois virou para Ramon. - Teremos uma longa conversa!
Depois de lançar um olhar rígido para ele, saiu em direção ao meio do salão.
**********
Minhas mãos estavam geladas, o medo de ter um ataque de asma nesse momento, seria vergonhoso para a imagem de Ramon, se fosse um pouco corajosa provocaria isso, apenas para ele cair da sua pose de homem perfeito.
- Ninna, pare de mexer desse jeito sua perna - colocou Anne a mão na minha perna direita que não parava de tremer. - Coloque um sorriso nesse belo rosto, antes que alguém perceba que está perto de ter um ataque.
- Não consigo, mãe - quis colocar a mão na boca, mas Anne impediu.
- Se recomponha - falou severa.
Havia virado motivo de comentários entre os convidados na mesa. Por aparecer com Andriotti, despertou raiva e rivalidade, aliás todos presentes querem que suas filhas se casem e tenham o sobrenome importante.
- Preciso de ar - digo em agonia.
- Não, Ninna. Você já respirou o suficiente, não pode sumir, você chamou a atenção de Ian - pegou minha mão. - Tem ideia do quanto isso é bom para você?
- Tenho ideia do quando serei infeliz - contradigo.
- A felicidade tem um preço grande a pagar para tê-la - diz, parecendo ter experiência.
- Por que não arriscar? - indago.
- Para você seria muito sofrimento - lamentou.
- E já não sofro o suficiente?! - sorri triste.
- Filha, você pode ser feliz! - sorriu.
- Você é feliz? - perguntei. - É feliz com um homem feito, Ramon?
- Isso não é assunto para ser falado agora, Ninna - sussurra.
Aquela conversa incomodava, não insistiria.
- Seu pai ... - se cala, sem terminar.
- Sei o que acontecerá, se não fisgar esse grande peixe - reviro os olhos.
- Interessante esse seu costume.
Minha perna automaticamente para de mexer, viro meu rosto para o lado, meu besso falta sangrar pela maneira que aperto ele. Era Ian, voltou como dito a quase uma hora atrás.
- Ninna faz isso quando está irritada, nada sério senhor.
- Quero que ela me responda, e converse comigo - respondeu Ian, com voz calma.
Olhei para Anne com pavor, nervosismo não era meu aliado, muito menos a coragem. Cresci com medo de praticamente tudo, principalmente pessoas.
- Ninna, não faça isso com seus lábios, vai se machucar .
Puxou meus lábios com seu polegar, evitando que o atrito entre eles continuasse.
- Preciso de ar - digo automaticamente, como se fosse a tábua da minha salvação.
- Ninna, o que falei ainda pouco? - questionou Anne.
- Me acompanhe! - olhei para Ian que se encontrava agora de pé.
- Para onde? - perguntei confusa.
- Você precisa de ar, eu a acompanharei, até o jardim.
- Vá Ninna, vai ser bom para vocês se conhecerem melhor.
Anne não ajudou, com seu medíocre argumento.
Tomando coragem peguei a mão, apenas para levantar da cadeira. Quando senti firmeza nas minhas pernas, comecei a andar e soltei sua mão.
- O jardim é para esse lado - sentir seu toque em meu ombro.
- Quero sair daqui - digo decidida. - Vou para casa!
- O jantar ainda terminou - retruco.
Me conduziu para o jardim, podia sentir o olhar de cada pessoa presente naquele lugar.
- Aqui é bonito, não acha? - assim que chegamos perguntou.
- Sim, é bonito - concordei, sem prestar atenção.
A noite estava fria, abracei-me com meus braços.
- Melhor voltarmos, aqui está frio demais - digo sentia meu corpo gelado. - Não tenho nada para a cobrir.
Reparei que ele não estava mas com seu terno, apenas usava a blusa social aberta no pescoço.
- A não ser que permita que a esquente - sorriu de lado.
- Não, estou bem, gosto do frio - digo balançando a cabeça.
- Agora você parece retraída, um tempo atrás conversou comigo - observou lembrando.
- É que .. agora sei quem você é - apertei minhas mãos no meu corpo.
- Por isso mesmo, por saber quem eu sou, devia estar me agradando - me encarou.
- Não tenho interesse em agradá-lo - olhei para frente.
- Não? - me virou para ele. - Não quer ser a escolhida?
O jardim era um pouco escuro, seus olhos pareciam de um predador.
- N.. Não, não quero - conseguir responder, mesmo com dificuldade.
Sua respiração estava um pouco agitada, sentia ela na minha testa. Sua expressão, entretanto, era calma, mas seu corpo o desmentia.
- Isso é novidade - riu, e me soltou.- Você não me quer. Por que veio para esse jantar? O único propósito aqui é esse. Ter uma nova Andriotti.
- Vim pelos meus pais - digo.
- Nenhuma filha era obrigada a vir, fui claro quanto a esse quesito. Diga-me, Ninna, a obrigaram?
- Não - não seria prudente contar a verdade.
- Pois, o que veio fazer aqui? - perguntou.
- Vim para agradá-los - dei de ombros.
- É obediente? - perguntou curioso.
- Não.. Sim, não tinha nada para fazer no hotel - gaguejei.
- A cada minuto você se embola mais em suas próprias palavras mentirosas.
Vejo sua mão apertar uma na outra.
- Não estou mentindo - defendo-me mesmo ele estando certo.
- Sim, está Ninna! Mas, não fique preocupada, estou curioso para ouvir mais delas.
- Se acha minhas palavras mentirosas, por que se dá o trabalho de ficar ouvindo?
- Por que sou gentil, gostei da sua companhia, já lhe disse.
- Gentil.. - balbuciei, revirando os olhos.
- Algo a comentar a respeito da sua repentina ironia, Ninna? - estreitou seus belos olhos.
- O Jeito que me puxou para o salão, no momento em que Ramon estava me procurando, não foi nada gentil, pelo contrário foi assustador.
- Me deixei levar pela emoção momentânea - moveu os ombros largos.
- Emoção? - perguntei invocada.
- Irritação! - respondeu. - Sua primeira mentira contada nessa noite.
- Se minto ou não, isso não diz respeito a você, Ian - retruco.
- Diz muito, Ninna!
Se aproximou, fazendo-me recuar.
- Não precisa ter medo de mim, Ninna. Muito menos do que sente - ousou dizer.
- O que sinto? - balbucio intrigada.
- Desejo, provoco isso em você, Ninna - me confronta convicto.
- Mal o conheço, para sentir tal coisa - contradigo desgostosa do seu atrevimento.
- O desejo é imprevisível - diz.
- Diga isso por si próprio, Ian. Não duvido que esteja acostumado a ceder para sua carne.
- Na maioria das circunstâncias, sinto tesão, não desejo.
- Não é a mesma coisa?
- Não, desejo é mais forte. Seus olhos, boca, e o esbelto corpo fazendo-me ter os mais excitantes pensamentos - suas palavras saíam sedutoras, o tom rouco.
- Trate de reprimi-los - digo nervosa.
O clima antes era gelado por causa do frio, agora sentia uma forte quentura, por dentro do meu corpo. Algo se movia dentro de mim.
- Reprimi-los? - redarguiu cáustico, sacolejando a cabeça. - Porque fazer isso, quando tenho a minha mercê a mulher que desejo?
Ian emoldura o meu rosto com suas mãos, acariciou com os olhos meus lábios entreabertos, meu corpo reagiu positivamente a ele quando o captei umedecer os lábios com a ponta da língua, num convite silencioso para que uníssemos nossas bocas.
- Não.... - interrompi antes que tomasse meus lábios, faltava pouco para isso.
Virei de costas, nervosa, meu coração batia acelerado.
- Porra! - ouvir ele dizer baixo. - Haja paciência, Ninna.
- Procure outra que queira isso - me virei, ele estava fitando o chão. - Eu não quero...
- Casar? - inquiriu.
- Quero, mas não desse jeito - explico.
- Que jeito, Ninna? - indaga.
- Sem amor, somente por obrigação - digo.
Ian rir.
- Isso é patético, não estou pedindo em casamento, Ninna. Gostei de você e quero apenas conhecê-la melhor.
- Me beijando? - olho incrédula. - Não é assim que se conhece, não de verdade.
- É o jeito que quero conhecê-la!
- Não tenho interesse em conhecê-lo.
- Você ainda não entendeu, Ninna. - pressagia abstrato. - Mas gosto do seu jeito ingênuo, me fascina.
- Não sou ingênua! Sei o que você faz, o que sua família é.
- Se sabe, porque diz não para mim? - indaga.
- Porque tenho esperança..
- Do quê? - me interrompe, olhando no fundo dos meus olhos. - Livre? Isso não vai acontecer, Ninna.
- Porque não? Você não pode intervir em minha vida, não é ninguém!
- Explicarei o porquê, Ninna - inclina seu corpo para baixo, ficando quase a minha altura. - Entre as belas damas nesse salão, você foi a que mais despertou interesse, e tem a filha dos Magalhães.
- Fique com ela! - olho suplicante. - Dá para notar pelo jeito dela que quer muito ser sua esposa.
- Tire a ideia de casamento da sua cabeça, não casarei com ninguém, apenas quero um herdeiro, apenas isso.
- Mas falaram ... você próprio.
- É só fachada, Ninna, para que as famílias rastejem até nós, oferecendo suas filhinhas.
- Candice ... - paro de falar, aquilo não diz respeito a mim.
- Meu irmão quis fazer isso, não era obrigado, mas fez.
- Porque casou? - fiquei curiosa.
- Para mantê-la presa a ele - tirou um papel do bolso. - Esse é meu número, me ligue assim que chegar no hotel - diz e ofereceu para que pegasse.
- Não quero nada com você! - recusei-me.
- Você não tem escolha, não me force logo cedo a ensiná-la a ser do jeito que quero.
- Sou doente - usei o último recurso.
- Doente? - franzi o cenho.- Isso não estava na sua ficha.
- Tenho asma, é horrível, não estou passando bem nesse momento porque me entupir de remédio - mentir, tomei remédio mas não foi para asma.
Ian ficou em silêncio, parecia pensar a respeito.
- Não quero meu filho com problemas da mãe - diz pensativo. - Tem a possibilidade, estou certo?
- Sim.. - afirmei. - Ele pode puxar a mim.
- Então, não tem condições de ser você - diz por fim.
- Convidamos o senhor Ian Andriotti a se fazer presente no salão, chegou a hora do grande momento!
Alguém anunciou dentro do salão. Ian olhou para dentro e depois para mim.
- Tenha uma boa noite, Ninna. Espero que encontre o amor - suas palavras não foram verdadeiras, sentir isso.
O destino não estava do meu lado, e bem, eu não fiz por onde. Ramon vai cumprir com sua palavra, talvez essa seja a história da minha vida.
Prefiro ser esculachada, a casar ou ser o objeto de criação para os Andriotti. Sou tola de talvez estar jogando uma grande oportunidade fora, de talvez encontrar o amor e ser livre.
Entretanto Ian não se mostrou fácil nem mesmo difícil, suas palavras mostravam uma coisa, enquanto seus olhos revelavam maldade e malícia, um homem voltado à carne. O observei no salão depois que me deixou, seu olhar nas mulheres era vergonhoso,tanto a lascívia como o nojo era estampado em sua face.
Homens assim são os piores. Como Candice disse, é apenas beleza.
Ainda do lado de fora, Ian se direciona ao pequeno palco. Comecei a andar para entrar no salão, estava me sentindo aliviada. Quando entrei o primeiro olhar que recebi foi o de Anne, que fez sinal com a sobrancelha, interrogativa, seu sorriso estava largo.
Sorrir para ela em resposta, e seu sorriso se desmanchou.
- O que aconteceu? - tratou de perguntar, sem chamar atenção de Ramon que estava concentrado ouvindo Ian falar.
Me sentei do lado dela.
- O que não vai acontecer, mãe - sorri, e peguei uma taça.
- Seu pai não estava brincando, Ninna - diz irritada.
- Não tem nada que não tenha vivido, mãe. Ramon me mostrou o pior de um homem.
- Não, Ninna. Existe coisa pior que ser espancada.
- Desconheço.
- Ser estuprada, dormir com quem não sente o mísero desejo - diz ácida.
- Isso aconteceria com Ian, não faria diferença - retruquei.
- Tem, Ninna, aquele homem é lindo, qualquer mulher se encanta com ele. Seu pai a venderá para um velho apenas para você sofrer.
Minha garganta se fechou, olhei para Anne que não correspondia. Olhei em volta e vi vários homens de idades semelhantes a de Ramon. Um medo súbito se apoderou do meu peito.
As coisas na nossa cabeça parecem mais simples, e fáceis de resolver.
Sentir Anne bater na minha costa me acordando do meu devaneio.
Vi que todos estavam em pé, a família Andriotti estava toda no palco.
Direcionei meu olhar para Ian que estava me fitando.
- Sara Magalhães - o homem anunciou.
Os aplausos começaram a ser ouvidos, pisquei, me desligando do olhar de Ian. Ramon me olhou odioso e eu sorri sem mostrar os dentes. E aplaudir a "sortuda"
A moça se direcionou para o palco que subiu sozinha, Ian não a ajudou, ela parou do lado dele, mas ele nem ao menos notou ou não fez questão de olhá-la.
Seu olhar estava em mim.
- Agradecemos a todos presentes, nessa noite ...
O velho Andriotti por nome Álvaro, falou algo no ouvido do homem que fazia os agradecimentos.
- Parece que ainda há uma a ser apresentada nessa noite - diz surpreso e sorridente.
Houve um pequeno alvoroço no meio do povo que estava na parte de baixo.
- Espero que você seja você, Ninna - sussurrou Ramon no meu ouvido.
- É impossível... - digo tremendo. Vendo Ian pegar o microfone.
- Minha querida Ninna... - arregalei os olhos, olhei em direção ao palco, direto para Ian. - Ninna Miles! - sorriu de canto.
Abri minha boca, e balancei a cabeça. Seria o destino me dando mais uma chance ou seria apenas o capricho de um homem persistente?