Me levantei e olhei por entre as árvores e não havia ninguém, olhei para minhas costas e levei um susto, havia uma coisa, não podia ser um homem, mas tão pouco era um animal. Se parecia muito com um homem, seus olhos eram de cobra, amarelos e assustadores, mas sua face lembrava a de um homem muito cansado e envelhecido, seu nariz era torto e quando sorriu pude ver que seus dentes eram afiados e amarelados se parecia muito com animal enquanto sorria.
E quando percebi que ele poderia ser um animal, tentei correr, mas ele apareceu na minha frente com rapidez, ele se vestia diferente havia uma capa vermelha que cobria todo o seu corpo.
- Não tenha medo! - Ele falou em uma voz doce e amável, como se falasse com uma criança, seu olhar era humano de alguma forma.
- Não se atreva a me machucar! - Eu tentei me manter o mais distante possível daqueles dentes, e então eu me afastei um pouco.
- Não posso te machucar! - disse e logo percebe o que disse. - Não quero machucá-la.
Eu balancei a cabeça negando. O que essa coisa queria comigo? Respirei fundo, tentando me acalmar, olhei em seus olhos e percebi que havia algo errado, era como se ele estivesse vendo algo além do que eu podia, ele se aproximou e tocou em meu rosto, mas me afastei rapidamente.
- Sabe o que me encanta em você? - Ele não esperou eu responder. - Este seu olhar que me diz mais do que qualquer palavra, mas uma coisa está me intrigando.
- O que? - Ele procurava algo em meu olhar.
- Ainda não tem o olhar que procuro. - E então ele sorri. - Mas posso mudar isso.
O homem ou coisa diz como se me conhecesse, como se soubesse muitas coisas sobre mim.
- Não te conheço. - Falei dando mais um passo para trás.
- É não estava preparado para conhecê-la, tinha me esquecido. - Ele parecer perceber que não o compreendo. - Percebo o quão inocente você ainda é.
- Ainda? - Ele se afastou e acenou me chamando.
- Venha comigo, quero te mostrar algo. - Cada parte do meu corpo dizia para não segui-lo, mas havia alguma coisa que me dizia, que eu ia ficar bem, e por algum motivo eu comecei a andar.
Nós estávamos a caminho do lago e ele estendeu a mão.
- Posso te levar a um lugar? - Olhei para todos os lados, não havia para onde ir, estávamos de frente para o lago e eu não iria entrar lá com aquela coisa.
- Não tem como sair daqui, só sermos para o lago ou voltarmos para a floresta. - Ele sorri.
- Me dê a sua mão e mostrarei algo.
- O que seria? - Digo dando um passo para trás me afastando dele.
- Venha comigo e vai entender. - Ele sorri. - Precisar entender tudo.
Eu estava com medo, muito medo dele ser algum bicho do lago, mas sou muito curiosa e havia algo que me dizia que eu devia confiar, algo muito estranho e familiar sobre ele, me deixando muito confusa.
- Prometa que não irá me fazer mal!
- Não o farei. - Ele diz, e aquilo me tranquiliza por algum motivo, dou a mão a ele.
Em um segundo, já não estávamos no lago e sim em um lugar lindo. Havia um homem com roupas pomposas, ele era velho, tinha barba branca e olhos azuis muito escuros, diferente dos de Caio e Elaine que eram claros como o céu, mas além da diferença havia tristeza em seus olhos o tipo de tristeza que eu via nos olhos do meu pai. Ele estava sentado em um trono de ouro e havia outras três pessoas (contar como são as três pessoas). Então um homem de cabelos negros se aproxima dele.
- Onde estamos? - Perguntei aflita para a criatura que me acompanhava.
- Estamos no passado, estamos no passado de sua rainha. - Eu olhei novamente para tudo, parecia que estávamos ali invisíveis para eles, fiquei tentada a dançar apenas para ter certeza que não nos viam.
- Ele é o pai dela?
- Preste atenção! - Ele diz simplesmente, não respondendo meu questionamento e apontando para o trono.
O homem se posiciona ao lado da porta e anuncia:
- Vossa majestade a rainha! - uma bela senhora de cabelos negros e olhos castanhos entra na sala, ela faz a reverência ao rei, percebo que seus olhos estão cheios de lágrimas.
- Sua majestade... - Sua voz está trêmula. - Nossa filha está cada dia mais doente!
- Não é possível! - O rei levanta irritado. - Mandei trazer o melhor curandeiro do reino.
- Não entende que o que ela tem ninguém sabe dizer o que é ou como tratar?
- Mande chamá-lo! - O rei estava furioso.
- Sim, Majestade. - Ela faz uma reverência e sai.
O Rei caminha de um lado para o outro, parecendo aflito com toda a situação
- O curandeiro do reino! - O homem anuncia.
Um homem já de idade entra, ele usa roupas brancas e seus olhos se enchem de lágrimas quando vê o estado do Rei.
- Majestade! - Ele diz já fazendo uma reverência.
- Me diga o que há de errado com a princesa?
- Fiz tudo que pude, mas o que ela tem não é deste mundo.
- O que está dizendo? - o Rei cospe as palavras indignado com o que escuta.
- Sua filha está condenada à morte, não a nada que eu ou outro curandeiro possamos fazer. - o pobre homem explica mesmo sobre o medo que claramente sentia.
- Eu sou o Rei! E se digo que minha filha vai viver, ela vai viver!
O homem parece desesperado, por um momento parecer duvidar do que iria falar, mas por fim ele fala.
- Sim, há um jeito. - Percebo que direciono meu corpo para ouvi-lo melhor assim como todos que ali estavam.
- Me diga qual é imediatamente! - o Rei ordena deixando as palavras ecoarem pela grande salão.
- Há um ser com grande poder... Não sei como o encontrar majestade. - O homem não encara o rei, que parece perceber isso.
- Não acredito! - O Rei grita.
- Majestade eu...
- Está com medo? - O rei parece ofendido.
- Ele não gosta de ser procurado, e dizem que quando ele dá algo a alguém ele dirá outra.
- Mas sou o rei! - ele diz e posso perceber o orgulho em suas palavras. - Ele não é nada para mim!
- Ele não se importa, ele foi abençoado pelos deuses.
- Então é um deles, pensei que todos tinham ido embora, pois bem, faça com que ele venha aqui.
- Faria tudo pela vossa graça, mas apenas sei de rumores, nada sei sobre o seu paradeiro, pode ser só rumores.
- Saia! Antes que mande cortar sua cabeça por sua incompetência. - Porém o rei já não o olhava, ele estava pensativo, como se procurasse uma resposta.
- Agradeço majestade. - o homem sai.
- Ele merece morrer, não acha? - O rei olha para um homem, que eu ainda não tinha reparado.
- Ninguém deve ser negar a dizer algo ao rei. - O Homem tinha olhos negros seus cabelos eram brancos e vi uma dor ali, escondida por trás do sorriso.
- Ele era seu avô, o homem mais digno que já viveu nesse castelo. -o ser que estava do meu lado surrou para mim, olhei mais atenta para o homem, ele parecia cansado, mas eu podia ver traços do meu pai ali, tentei me movimentar para me aproximar dele, mas o ser me puxa.
- Preste atenção agora. - Ele diz novamente e eu olho para os dois homens à minha frente.
- Me traga o mago. - O rei olha para o homem.
- Majestade, se ele foi deixado, talvez não seja um mago.
- Apenas o traga, e decidimos o que ele é.
Olho para o meu acompanhante que agora pega em minha mão me puxando.
- Vamos, nada interessante irá acontecer por agora.
Estávamos outra vez no lago, olhei para todos os lados, para ter certeza que estamos no mesmo lugar que saímos e estávamos, a água clara e gelada estava cobrindo os meus pés não tinham indo a lugar nenhum, estávamos lá na floresta, no mesmo lugar, me abaixei e peguei uma pedra do chão, queria sentir, queria ter certa de tudo.
- O que foi isso? - Olhei para a coisa, que me observava, queria ter certeza do que ele tinha feito, de como ele tinha feito, eu teria saído do lugar? Ou será que ele colocou aquilo na minha cabeça?- O passado? - Ele disse pensativo, eu me afastei dele.
- Como o senhor fez isso? Como me fez estar lá e estar aqui ao mesmo tempo?
- Saberá tudo no tempo certo. - Ele parecia estar me analisando, como se esperasse outra atitude minha.
- Mas...
- Temos apenas uma solução para que você viva. - ele continua a me ignorar, mas suas palavras chamam minha atenção. - Eu sei que você está maravilhada com tudo.
- Porque você está tentando me ajudar? O que quer, porque eu não tenho nada, eu...- Porque preciso! - Ele falou antes que eu pudesse terminar a frase. Mas isso não era o suficiente, não aqui, não em Tárcia, ninguém ajuda uma escolhida, ainda mais alguém que possua esse tipo de poder.
- Por quê? Não tenho nada valioso que possa querer nada que valeria para um ser como o senhor.
- Vamos dizer que um dia terá. - Ele se vira para me olhar, e posso sentir que ele diz a verdade. - Muito mais do que pensa.
- Como assim? - Era insano, eu não devia confiar nele, talvez fosse algum truque da rainha, algo para ter certeza que eu não desistiria,
- Teremos muito o que conversar, mas só quando você estiver a salvo.
- Não disse que aceitava a sua ajuda. - Eu não podia confiar nele, eu nem sei por que me deixei levar, isso era perigoso demais.
- Eu vou dar uma razão para você não tomar a decisão errada.
Ele simplesmente desapareceu sem me deixar terminar a pergunta. Fiquei ali pensando em tudo que tinha acontecido, se eu comentasse isso com alguém eles iriam me achar insana e duvidaram. Eu devia pensar sobre tudo, seja lá o que aquela coisa for, ela pode me ajudar, pode ser a minha única chance, mas e se essa coisa for a mesma que fica ao lado da rainha, a que o povo nunca ver a face, a que só aparece na noite do sacrifício e some, não se fala sobre isso, o reino fingir não saber e nem ver esse ser, mas há boatos sobre ele, sobre o que ele pode fazer. E se esse ser for o mesmo? E se for uma armadilha, que todas devem passar? Eu acho que eu não passei, devia ter me recusado, devia ter me negado, dito algo como: "meu sacrifício para servir o reino" seja lá o que ele esperava ouvir.
Subo em uma árvore e fico olhando o castelo, logo estarei lá e serei bem tratada, ganharei uma coroa, logo depois me levarão para o altar os sacrifícios acontecem, não sei muito sobre essa parte apenas que ficamos rodeados por nosso povo, que esperarão que eu e as outras seis meninas estejamos mortas e depois celebraram, mais sete anos de prosperidade para o reino. E logo tudo acabará, morrerei "com honra". Bem, é isso que dizem, Mas que honra se têm em morrer sem lutar?
Já estava anoitecendo quando desci da árvore para voltar pra casa. Minha mãe já fazia o jantar, ela amava cozinhar, uma das poucas coisas que não havia sido tirado dela. Como eu minha mãe foi instruída a não andar por aí fazendo coisas que camponeses comuns fazem.
- Onde esteve Dominique? - Ela me dá aquele olhar fulminante. Minha mãe se esquece de que não sou mais a menininha pentelha que destruía os jardins alheios.
- No lago. - Era melhor falar um pouco da verdade, porque ela sempre sabia quando eu mentia.
- É perigoso! – me repreende, dessa vez olhando para o meu pai, que nada disse, ele estava apenas nos observando.
- Não para mim! - Falei pronta para lhe dar um beijo.
- Só porque seu pai te ensinou coisas de homem não quer disse que você é um! - Ela se afasta zangada. - Não ache que um beijo resolve qualquer coisa acha.
- Mamãe! - Eu a beijo na bochecha antes que ela se afaste novamente. - Não deve se preocupar.
- Vá lavar as mãos, o jantar já está pronto! - Ela fala zangada, mas sorri.
- Sim, senhora! - Vou até o banheiro e lavo minhas mãos rapidamente, quando volto fico olhando meu pai ali parado encarando a janela e percebo a grande semelhança entre ele e o velho que eu vi hoje.
- Papai, por que você nunca me disse que meu avô foi conselheiro do rei? - Meu pai virou-se rapidamente e me olhou com os olhos levemente arregalados, ele parecia estar assustado.
- Quem te disse isso? - Ele grita e isso me assusta, meu pai nunca grita, não comigo.
- Eu soube...
Dei-me conta que nem devia falar sobre aquilo.
- Não repita isso! - Ele brada me interrompendo para então se virar novamente para a janela. - Nunca mais repita isso!
- Me perdoe pai. - Senti as lágrimas rolarem e eu só queria fazer elas pararem, ele nunca foi assim, nunca me tratou assim.
- Dominique venha cá! - Minha mãe me chama, ela parece está angustiada e então vou até ela. - O que meu pai tem?
- Vá para o seu quarto! - Ela ordena e eu a olho indignada. O que eu tinha feito de errado?
Mesmo a contragosto eu faço o que ela manda e sigo para meu quarto. Eu nunca soube nada sobre a família do meu pai, minha mãe disse que ele não gostava de falar sobre isso, mas nunca achei que tocar no assunto o deixaria assim. Alguns minutos se passaram até que minha mãe bateu na porta me tirando dos meus pensamentos.
- Pode entrar!
- Trouxe sua comida. - Seu rosto demonstra preocupação.
- Por que aquele ataque todo por uma pergunta? - questiono, ela me olha como se estivesse cansada.
- Entenda seu pai. - Ela fala deixando a bandeja na cama e eu a encaro com as sobrancelhas erguidas em um incentivo para que ela continue. Ela solta um suspiro cansado e então fala. - O seu avô foi um dos homens que ajudou a princesa a tomar o poder!
- Como assim?
- Ele armou para derrubar o rei. - Minha mãe estava sugerindo que de alguma forma meu avô tinha contribuído para a queda do rei.
- Mas por que ele faria isso? - Nada fazia sentido, minha mãe sorri, e mexe os ombros, a verdade é que eu sabia que meu pai não contaria nada sobre um traidor. - Meu pai tem vergonha dele, entendo, mas ele parecia um homem tão digno!
- Do que está falando? - Minha mãe me olha confusa, o meu erro tarde de mais.
- Nada é só que pensei uma bobagem. - Minto, mas o que eu poderia dizer, além disso.
- Sempre pensando demais. - Minha mãe revira os olhos, ela acha que eu sou uma sonhadora sem solução.
Ela se aproxima e me dá um beijo na testa antes de sair, me deixando ali com meu jantar. Após comer eu me deito em minha cama e fico pensando em como tudo o que tinha acontecido hoje não fazia sentido.
O beijo de Caio, a briga, o homem na floresta e aquela visão do passado, sem contar no segredo que minha mãe tinha me confidenciado. Eram tantas coisas para um dia que o sono me tomou antes que conseguisse processar todas.
- Acorde! - Minha mãe me sacode do jeito delicado que só um cavalo conseguiria.
- O que foi mãe? - Digo me levantando, irritada, não havia forma mais delicada de alguém ser acordado?
- Levante para tomar café! - Ela grita abrindo as cortinas. - Tem que ser mais cuidadosa, porque deixou a janela aberta?
- Não sei. - Falei sonolenta, cobrindo o rosto com o cobertor.
- Poderia ficar resfriada! - Então ela para de falar, como se compreendesse que não faria diferença alguma um resfriado para alguém que estava sentenciada a morte.
- Estou sem fome. - Dei um pulo da cama e lhe dei um beijo na bochecha, ela sorriu amável novamente.
- Seu pai não queria gritar com você, é só que as coisas não estão fáceis...
- Eu entendo, mas o que posso fazer? Logo estarei morta e só queria que ele ficasse um pouco comigo. - Senti as palavras afiadas, mas não consegui pará-las antes de atingir o alvo errado.
- Algumas pessoas não sabem como lidar com a dor. Tem quem se torne forte com a dor e tem quem é consumido por ela.
- E meu pai foi consumido, não é?
- Podemos dizer que sim. - Minha mãe me olhou com aqueles grandes olhos verdes, ela era forte, ninguém esperaria que ela fosse a forte da família, meu pai um guerreiro que um dia foi respeitado, não tinha a coragem daquela mulher.
- Quando seu pai a segurou pela primeira vez, depois de ter servido na guerra entre nosso reino e o reino inimigo ele disse "Ela é especial! Irá me dar dor de cabeça ``. - ela me contou se sentando na beirada da cama.
- Por quê? - Porque perguntei curiosa, amava as histórias que meus pais sempre tinham para me contar.
- Talvez seu pai consiga ver o futuro. - Ela sorri com a fala. - Ele te ama muito, até quando você nos faz ficar de cabelos em pé, nós te amamos. - Ela me beijou na testa e eu pude sentir as lágrimas escorrendo, ela estava chorando. - É difícil olhar para você e saber que logo não vai estar aqui nos deixando de cabelos em pé.
- Não chore! - Eu beijo seu rosto querendo apagar a tristeza de seus olhos. - Não deve se preocupar com isso.
- Eu preferia aquela casa simples, aquelas roupas velhas, do que ficar sem você. - Ela puxou o ar, enquanto tentava não chorar.
- Eu sei! - Eu não queria chorar, estava cansada de resumir meus dias a chorar e me entristecer pelo meu futuro.
- Não deveria ser assim, não é a ordem certa, uma mãe não devia ver a filha morrer.
- Mãe! - Eu digo a abraçando e me quebrando com suas palavras. A verdade é que não sabia se suportaria ver ela e meu pai mortos.
- Não queremos perdê-la, é só isso. - Ficamos ali por um bom tempo, sem dizer nada.
Era tudo muito ruim, tudo muito injusto, porque eu tinha que morrer para o bem do reino? Porque minha mãe tem que perder sua única filha? Porque coisas ruins precisam acontecer? Tudo era cansativo, tudo era mau.
Minha mãe sai e olho pela janela, sinto uma enorme vontade de rever minha antiga casa. Onde coisas boas aconteceram, lá o mau ainda não existia, vesti um vestido leve branco, precisava de algo confortável, a caminhada seria longa.
Pulei a janela decidida, seria bom me despedir da minha antiga casa, seria bom sair desse lugar. Eu levaria toda manhã para chegar, era distante, e um pouco perigoso, já que ficava afastado do castelo, mas eu precisava disso, precisava me afastar disso tudo, e saindo cedo eu poderia voltar antes do anoitecer, caminhei o mais rápido possível para a floresta, eu conhecia muito bem esse lugar, o povoado fica um pouco distante de nossas casas que está mais próxima da floresta, o que é a única coisa boa nisso tudo.