Capítulo 4 SENHOR BABACA.

Quando a ultima pessoa saiu da agencia naquela sexta feira às 17h, eu me levantei da minha cadeira e me dirigi até a sala do Senhor Harris, nós precisávamos discutir como o trabalho seria dividido entre nós e como faríamos isso.

Caminho pelo breve corredor que liga sua sala à minha, a porta está aberta e a visão de Edward de pé debruçado sobre a mesa, analisando com uma concentração exagerada nos documentos expostos em sua frente, foi a primeira coisa que eu pude ver ao me aproximar.

Bati suavemente na porta para que ele notasse minha presença, Edward levantou seu rosto em minha direção, os óculos de aro redondo que ele usava passava uma certa jovialidade à sua postura rígida e distante.

-Você realmente ficou aqui, corajoso da sua parte Senhorita Allen. – ele me encara de uma forma indecifrável.

Eu ergo o meu queixo e encaro seus olhos com determinação.

-Foi o que combinamos Senhor Harris. Onde mais eu estaria se não aqui, trabalhando incansavelmente durante o fim de semana prolongado? -eu exagero no sarcasmo em minha voz, e ele claramente nota.

-Você parece feliz por estar aqui bancando a Madre Teresa de Calcutá, enquanto o restante da equipe aproveita o fim de semana. -ele ergue um dos cantos da boca no que parece ser uma tentativa de sorriso irônico.

-Sim, eu fico feliz em poder proporcionar esse momento para os meus colegas, e trabalhar no feriado não vai me matar.

Edward está visivelmente se divertindo com a situação, o que aumenta um pouco a minha raiva. Eu só estava presa naquela agencia durante o fim de semana, porque a incompetente da secretaria contratada por ele havia excluído os arquivos da nossa campanha.

-Você tem razão Senhorita Allen, trabalhar não mata ninguém. Então sugiro que você comece o seu trabalho, a campanha é enorme e o nosso prazo é curto. -ele desviou os olhos de mim e voltou sua atenção aos papeis em sua mesa novamente.

Volto pra minha sala inconformada com o resultado da minha conversa com Edward, era impossível manter um diálogo com aquele homem, eu queria apenas estabelecer um método de trabalho que fosse eficaz para nós, mas ele apenas sugeriu que eu fizesse a parte burocrática e desgastante da campanha, enquanto ele cuidaria da parte artística.

Ficou claro que nossa convivência no fim de semana não seria das mais harmoniosas, e eu não iria tentar melhorar as coisas dessa vez, se ele quisesse falar comigo, que viesse me procurar.

As duas primeiras horas de trabalho foram tranquilas e produtivas, eu já havia avançado bastante na elaboração do planejamento de mídia do projeto, o que me deixou confiante em relação à conclusão daquele projeto.

Eu estava analisando alguns gráficos de campanhas anteriores, quando Edward Harris passou pela porta da minha sala com seu paletó enrolado no braço esquerdo e sua pasta transpassada em seu corpo, parecia que ele estava indo embora.

Ainda eram 19h30, Edward não iria embora tão cedo diante da situação, nós tinhas apenas três dias para finalizar esse projeto. Me levanto e corro para o elevador onde ele aguarda pacientemente.

Paro ao seu lado e encaro seu perfil, enquanto ele olha fixamente para frente, tentando me ignorar.

-Você tá indo embora? –pergunto calmamente.

Ele não se vira ao me responder, friamente.

-Não que seja da sua conta, mas sim, já estou indo.

Eu o observo incrédula.

-Como pode estar indo embora? Você mesmo disse que nosso tempo é curto.

Ele se vira pra mim, e responde dando de ombros.

-Foi você quem resolveu que seria bom liberar toda a equipe enquanto estamos com um grande problema em nossas mãos, portanto esse projeto é mais responsabilidade sua do que minha. Mas gostaria de lembrar que o seu emprego está em jogo.

Ele me desafia silenciosamente com o seu olhar, mas eu não me deixo abalar com isso e o encaro firmemente.

-Tudo bem Senhor Harris, apenas gostaria que você não se esquecesse de que além do meu emprego a reputação da sua agencia também está em jogo, e caso não concluamos essa campanha, o senhor Bruce James não ficará muito feliz.

Antes que ele responda, eu me viro e vou até a minha sala, desligo o meu computador e apago todas as luzes. Pego minha bolsa e me dirijo ao mesmo elevador onde Edward ainda está parado encarando a porta aberta. Passo por ele e entro no elevador apertando o botão da garagem. Enquanto ele continua parado do lado de fora do elevador, me olhando, eu ergo uma das sobrancelhas para ele, questionando silenciosamente se ele continuaria ali, ou entraria no elevador comigo.

Ele parece estar tentando decidir se vai ou fica, depois do que parece uma eternidade, Edward entra ao meu lado no elevador. A descida até a garagem é silenciosa e constrangedora, é possível ouvir o som das nossas respirações.

Era impressionante como ele conseguia ser tão irritante, mas eu não aceitaria seus caprichos, se ele queria ir embora eu também iria. Esse projeto dependia de nós dois, e o nosso combinado era nos desdobrar em conjunto para concluímos. Quando as portas do elevador se abriram eu sai rapidamente, corri até o meu carro e acelerei pra longe da agência.

No caminho pra casa eu estava completamente puta da vida com Edward, o plano era trabalhar até tarde e adiantar os próximos passos do projeto, mas ele ignorou completamente o planejamento, por mais que eu quisesse continuar trabalhando, eu não faria isso sozinha, e se ele achava que poderia me deixar ali resolvendo o problema da sua empresa, enquanto ele ia embora pra casa, ele estava muito enganado.

Quando chego em casa me jogo no sofá da sala, exausta mentalmente. Por mais que tenha sido prazeroso desafiar Edward Harris, eu estava realmente preocupada com os prazos, eu deveria ter continuado na EH e feito o meu trabalho, independentemente da presença dele ou não. Decido tomar um banho rápido antes de me sentar na frente do meu notebook e trabalhar um pouco mais.

A agua quente do chuveiro ajuda o meu corpo e minha mente a se acalmarem, e eu relaxo instantaneamente. Saio do banheiro com a energia renovada e resolvo tomar uma taça de vinho, peço comida japonesa pelo delivery, e quando chega eu pego meu prato e meu vinho e me direciono até a sala.

Com o notebook no colo e uma taça de vinho na mão, eu começo a analisar os inúmeros arquivos do projeto, por mais que esteja confiante na conclusão, eu ainda fico com receio de não finalizar a tempo.

Enquanto estou concentrada no trabalho, vejo uma notificação de mensagem piscando na tela do meu celular. Pego o aparelho e abro a mensagem, o nome "Edward Harris" preenche o campo de remetente.

"-Cara Senhorita Allen,

Eu pensei sobre o que você disse e acho que começamos com o pé esquerdo essa tarde, o projeto é importante para toda a agência e é imprescindível que nós dois nos dediquemos ao máximo nisso. Amanhã recomeçaremos e faremos de forma diferente.

Atenciosamente,

Edward Harris."

Eu pisco algumas vezes enquanto releio a mensagem do meu chefe, isso seria um pedido de desculpas?

"Caro Senhor Harris,

Isso é um pedido de desculpas?

Atenciosamente,

Diana Allen."

Assim que a mensagem é enviada Edward lê, e sua resposta vem na mesma velocidade.

"-Porque eu me desculparia?

Atenciosamente,

Edward Harris."

Ele achava mesmo que não tinha motivos para se desculpar? Respiro fundo e penso em não respondê-lo, mas a minha vontade de provoca-lo é maior do que a minha razão.

"Caro Senhor Harris,

Eu poderia listar uma dezena de motivos para você se desculpar, mas eu não creio que você tenha sensibilidade pra isso. E também prezo pela boa relação hierárquica que deve existir entre nós, não posso dizer as coisas que penso sobre você, porque você é meu chefe.

Atenciosamente,

Diana Allen."

Eu envio a mensagem e fico imaginando sua cara ao lê-la, por mais perigoso que seja provocar e irritar o seu chefe, isso também era excitante de certa forma, desde que eu não perdesse meu emprego.

Meu celular vibra com a resposta.

"Cara Senhorita Allen,

Chegamos em um ponto interessante da nossa discussão, você realmente tem consciência de que eu sou seu chefe, e que o seu emprego depende de mim? Pois você age como se não soubesse disso. Eu tenho tolerado todas as suas petulâncias porque você é uma profissional muito boa, mas não teste muito a minha paciência.

Atenciosamente,

Edward Harris."

Eu estava mesmo irritando o Edward e na maioria das vezes de forma proposital, mas eu não sabia que isso o incomodava tanto. Resolvo mudar a minha abordagem e ser menos formal, afinal estamos trocando sms's e não e-mails profissionais e formais.

"-Sim, Edward. Eu tenho total consciência da sua posição nessa empresa, mas eu acho que você não percebeu ainda que eu sou uma publicitaria, assim como você. Eu não sou sua secretaria ou uma estagiaria para ter que ficar fazendo a parte chata e burocrática do projeto, enquanto você se dedica á criar campanhas de verdade."

Envio minha mensagem sem a formalidade anterior, e escrevo exatamente o que eu gostaria de dizer. Por mais que Edward já tivesse elogiado meu trabalho, eu não me sentia valorizada, e o fato de ele ter dividido nossas funções essa tarde de forma desigual, foi a gota d'agua.

Os pontinhos que indicavam que ele estava digitando subiram e pararam varias vezes na tela, enquanto eu aguardava ansiosamente pela sua resposta, e quando ela finalmente chegou, eu fiquei surpresa.

"-Pelo visto abandonamos a formalidade na troca de mensagens, ótimo. Primeiramente você está sendo ingrata e injusta, eu valorizo os seus esforços e já deixei isso claro mais de uma vez e eu não a trato como minha secretária. Segundo, eu tenho uma proposta, você quer se sentir valorizada e sentir que eu te trato de igual para igual, não é mesmo? Eu proponho uma oferta, caso você consiga concluir o projeto até a data estipulada e impressionar o Bruce, eu vou te promover à vice presidente da EHPublicity."

Eu fico paralisada encarando a tela do meu celular, boquiaberta. Eu não podia acreditar no que havia lido, ele realmente me propôs uma cadeira de vice presidente na sua agência?

Penso por um tempo antes de responder, o que ele queria em troca disso? Evidente de que havia um grande porém em tudo isso.

"- Proposta tentadora, mas e se não conseguimos concluir? Qual vai ser a consequência disso pra minha carreira?"

Ele responde imediatamente, como se já esperasse a minha pergunta.

"-Foi bom ter perguntado, Senhorita Allen. Caso não conclua o projeto, ou se Bruce James não se impressionar com o resultado, você sairá da minha agência sem nenhum dos seus direitos, e não passarei nenhuma boa referencia sobre você."

Uau, o babaca queria mesmo acabar comigo. Pelas condições da proposta era meio obvio de que ele não acreditava que eu conseguiria resolver esse problema, e isso me fez ser irracional, eu tinha muita confiança no meu potencial, mas não estava tão segura de que conseguiria impressionar o senhor James. Estava em jogo meu trabalho e minha carreira.

Penso calmamente, por muito tempo. Eu precisava ser racional e responsável ao responder o Edward. Mas enquanto eu pensava nos prós e contras desse acordo, o meu celular vibra novamente e leio a mensagem provocadora.

"-Perdeu a confiança da noite passada, Senhorita Allen? você não me parece mais tão corajosa como há alguns minutos atrás."

Eu não me orgulho de ter sido tão facilmente manipulada, ele estava me conduzindo à reagir as suas provocações, e eu revidei imediatamente.

"- Se você não fosse tão egocêntrico e narcisista, iria perceber que eu não costumo recusar desafios, ainda mais os seus. Eu aceito Senhor Harris, mas eu tenho algumas condições."

"-Você é ousada, ainda quer estipular condições para o seu chefe."

"-Sim, eu tenho condições e não aceitarei a sua proposta caso não sejam atendidas as minhas exigências."

"Bom, que escolha eu tenho? Quais são suas condições?"

Eu penso por alguns minutos antes de enviar para ele minha lista de exigências.

"-Eu quero ter autonomia para determinar o rumo da campanha e cuidar da parte artística. Você vai cuidar da parte burocrática e nós vamos trabalhar até tarde, e só iremos descansar depois que esteja tudo pronto. E por ultimo, eu quero uma sala tão grande quanto a sua, quando eu for a vice-presidente da EH.''

Sua resposta demora muito tempo para chegar, depois de alguns minutos aguardando no sofá, eu me levanto e vou até a cozinha encher novamente a minha taça de vinho. De volta à sala eu confiro o meu celular e leio sua mensagem.

"Eu concordo com os seus termos, estamos combinados então?"

Eu não conseguia recuar por mais perigoso que parecesse esse acordo, eu não queria dar ao Edward Harris o gostinho de me ver desistir ou recusar sua oferta. Respiro fundo e me preparo mentalmente para as consequências da minha resposta.

"-Eu aceito Edward, espero que esteja preparado para minha nomeação, eu quero uma grande festa para anunciar."

"- Espero que esteja preparada para entrar na fila dos desempregados, não leve a mal querida, mas suas chances não são boas. Mas caso consiga, eu farei quantas festas você quiser. Boa sorte Senhorita Allen, você vai precisar."

Eu não respondo a ultima mensagem do Edward, minha mente está acelerada e o meu coração também, minha recém-nascida carreira estava em risco, ou eu teria muito sucesso com esse acordo, ou seria um fracasso completo. E apesar de ter como prioridade o meu trabalho, eu também não queria dar ao Edward o prazer de me ver fracassar.

Me deito na cama e fecho os meus olhos lentamente, no dia seguinte eu daria tudo de mim, e se iniciaria de fato a minha guerra fria contra o meu chefe, Edward Harris o Senhor Babaca.