Estava em meu quarto procurando entender aparição de mamãe ao me pedir que tomasse um banho e vestisse um lindo vestido, quando de repente eu ouvi outra vez a discussão com papai. Já os vi em meio de um desentendimento, sempre o meu nome estava envolvido e antes eu não entendi, mas agora eu consigo entender. Irina falava sobre a minha opção de escolha e papai deixava claro que tanto a sua opinião como meu livre arbítrio não pesava sobre a balança.
Curiosa sobre o que estavam falando, desci até a porta, que por sorte estava entreaberta.
- Aquele rapaz acabou de assumir o lugar de Julian, você viu o que ele fez na cerimônia!
- Aquilo faz parte da tradição, se conforme com nossos costumes.
- Ele não é mais um rapaz, é um homem agora.
- Sebastian é um máquina mortífera, Marco. Vai mesmo entregar a nossa filha para um homem sombrio como ele? - Mamãe segurou o braço de papai forte, ele a olhou como se pudesse esmagá-la como um inseto, desfez do seu aperto com violência.
- O acordo está selado desde que ela era um bebê, aceita de uma vez que sua filha vai se casar com um Mortalla!
- A nossa filha, Marco! - Mamãe o corrigiu - É bom se lembrar que você é o causador da situação de Alice, graças a ela você ainda respira.
- Graças a esse acordo eu recuperei o meu cargo na Cosa Nostra, sem nenhum arranhão. - Se gabou com orgulho.
- Não cante vitória, os Mortalla não confiam mais em você!
- Não importa se confiam em mim ou não, enquanto o acordo estiver de pé eu continuarei com o meu cargo.
Depois disso, ficaram calados, Irina perguntou:
- Que horas ele virá?
- Esta tarde, ela já tem dez anos e antes do casamento é normal que se vejam.
- O casamento ainda está longe, deveria esperar para avisá-la.
- Foi Sebastian quem decidiu, eu não posso fazer nada!
- Você nunca tentou. - Mamãe o corrigiu - Alice nunca vai te perdoar por isso, você a conhece tão bem quanto eu, ela não vai aceitar facilmente.
- Ela não vai me desobedecer, mas se ousar eu a colocarei em seu lugar. - Irina o encarava com decepção e repulsa, papai ignorou - Vá comunicá-la, ele chegará em breve.
Estava procurando forças para me mante de pé e processar a conversa que acabei de ouvir, papai não era o mesmo homem quem me criara com tanto zelo e amor, parecia um mafioso qualquer me envolvendo em um negócio sem demonstrar nenhum sentimento. Sem perceber, mamãe abriu a porta e me encarou espantada, deduziu que eu ouvi o que conversaram. Como se esperasse minha reação negativa, ela tampou a minha boca com o receio de que Marco ouvisse, então me levou para o quarto e trancou a porta.
- Isso não pode ser verdade!
- Você precisa ficar calma, pequena.
- Como papai fez isso comigo? - Perguntei com a decepção evidente em minha voz.
- Alice, eu jamais quis isso para você.
- Eu não vou me casar com alguém que não conheço!
- Fale baixo, por favor.. - Suplicou em voz baixa - Eu nunca quis que o seu futuro ficasse nas mãos de seu pai.
- Você não quis, mas não fez nada para inverter isso. - Eu falei com o ódio reluzente em minhas órbitas.
Irina olhou para mim com culpa, e eu sabia que não era culpa dela. Como pode ser? Eu sei que seu casamento foi arranjado e sua voz no mundo em que vivemos não é ouvida e tudo bem. Ela se sentou na minha cama e gentilmente me pediu para me juntar a ela, e eu não protestei.
- Há dez anos, seu pai tentou roubar a Cosa Nostra.
- Eu ouvi, você me contou uma vez. E disse também que ele foi perdoado.
- Meu amor, na máfia não existe perdão. Eu tentei ajudá-lo oferecendo as terras da minha família que ganhei no meu casamento.
- Eu não entendo..
- O chefe da máfia decidiu aceitar o acordo através do seu noivado com o neto dele.
- Mas eu não quero, mãe.
Ela olhou para mim com pena, lágrimas escorrendo pelo seu rosto e me puxando para um abraço.
- Eu sinto muito, pequena. Não quero que o seu destino seja o mesmo que o meu.
Sentia meu coração tão rápido, a sensação de que minha vida se tornou inseparável de um casamento arranjado me afastou do livre arbítrio e da sensação de escolher com quem me casar, não esperava que papai fizesse uma coisa tão astuta
- Ele virá esta tarde.
- Ele quem?
- Seu noivo, Sebastian Mortalla.
- O que fará aqui?
- Serão apresentados.
- Eu não quero vê-lo!
Irina quebrou o abraço e me olhou apavorada, ela sabia que eu não estava acostumada com avisos rígidos e importantes, nem dela, nem mesmo do papai.
- Não nos desafie princesa, não dessa vez. Não quero que nada aconteça com você. - Estudei a sua reação, estava com medo, por mim.
***
Ouvi uma batida na porta do quarto e saí de minhas lembranças. Podia sentir o cheiro doce do bolo recém-assado da irmã da minha mãe, tia Danielle. Outra batida, sinto preguiça de responder que estou acordada, odeio falar de manhã, aprecio o silêncio, gosto de aproveitar o máximo que posso.
- Bom dia, Alice. - Ela me cumprimentou quando abriu a porta. - Poderia falar que estava acordada, pouparia tempo.
- Bom dia, tia Daniele. - Me levantei e sentei-me na beirada da cama. - Sabe que não gosto de falar quando ainda estou com sono.
- Hum... Mas tudo bem, você vai para a faculdade?
- Você sabe que eu faço o meu melhor para aproveitar minha liberdade, então sim, eu vou!
- Você se arrisca tanto por uma vida que não pode ter.
- Se você pode, eu também posso. -
- São situações diferentes, eu forjei minha morte e você fugiu. Seu noivo deve estar procurando freneticamente por você.
- É melhor ser um fugitiva do que aceitar um casamento arranjado.
- Você mais do que qualquer outra pessoa, deveria ter aceitado esse casamento, já que nasceu dentro da organização, diferente de mim e da sua mãe. A única diferença de você para as outras é que a sua mãe acreditava numa vida longe daquele inferno. Nem todas estão dispostas a ter a coragem que teve, tudo por uma breve liberdade.
- Uma breve liberdade? Eu fugi há três anos.
- Alice, Você realmente acha que essa fuga vai durar para sempre?
- O que eu queria que fizesse? Aceitasse de bom grado ser usada como um negócio? - Perguntei com completo desdém.
- Não se esqueça que eu forjei a minha morte, então eu não acho que fez errado. Só acho seu pensamento muito ingênuo, por constar que sua liberdade irá prevalecer por muito tempo.
- Por que você duvida disso?
- Você está prometida a um Mortalla e eles não aceitam perder, especialmente para uma mulher.
- Não sou ingênua, mas quero acreditar que esse Sebastian tenha se agradado por ter fugido. Quero acreditar, mas sei que está longe da verdade.
- Se apresse para a faculdade, ou você vai se atrasar. - Ela deixou o quarto, deixando-me pensar sozinha.
Me levantei da cama e andei até o banheiro, parei em frente ao espelho e encarei meu rosto, estava um caco de tão sonolenta pela má noite de sono. Tia Daniele tem razão, fugir não é liberdade, estarei sempre acompanhada pelo medo de ser encontrada, um medo que desperta quando saio de casa e ando pelas ruas da Califórnia. Os primeiros cinco minutos desde que deixei a Itália foram cheios de emoção e alegria quando finalmente consegui impedir aquele casamento, mas quando parei para pensar o que aconteceria comigo se fosse encontrada por aquele homem, o medo gritou internamente. Eu escapei daquela prisão com um único desejo: viver. Sei que tenho que tomar cuidado daqui para frente, mas mesmo sabendo dos riscos, estou tentando levar uma vida normal como todo mundo, como sempre quis. Saí para beber, passei a noite fora, fiz amigos. Rebecca e Luana, as conheci atualmente na universidade em que estou estudando.
Tirei a minha camisola e entrei no box, liguei o chuveiro e deixei a água morna cair em minha cabeça. Passei o sabonete liquido sobre minha achando o volume considerável dos meus seios estranho, meu corpo mudou drasticamente após a fuga, mas não apenas os havia mudado. Decidi cortar os meus cabelos curtos, acompanhados por uma franja, um simples corte mudou meu visual. Depois de encerrar o banho, eu parei na frente do espelho e me enxuguei, admirei a linda tatuagem que fiz abaixo do seio direito, era três lindas borboletas pequenas, me representava esperança, liberdade. Voltei para o quarto e andei até a cômoda, vesti um conjunto de lingerie simples e uma calça jeans azul com uma blusa branca e uma jaqueta de couro. Penteei meus cabelo, não fiz nada casual no rosto, apenas coloquei meu acessório importante, óculos.
Deixei o quarto e junto ao meu ombro estava minha bolsa, coloquei encima do sofá da sala e andei para a cozinha, onde estava tia Daniele e seu gato de estimação tomando café da manhã.
- Dormiu bem esta noite?
- Sim. - Respondi, enquanto me servia com um copo de leite gelado.
- Bem, eu fiz um bolinho para você. - A encarei com um sorriso, sei que a vezes sou dura com ela, mas ela sabe como me ganhar.
- O de chocolate com coco ralado?
- Esse mesmo. - Ela tirou a tampa da onde o havia colocado. - Não vai sair antes de comer.
- Hum...delícia!
Depois do café eu me despedi com um beijo em sua cabeça e fiz carinho no bichano com o sapato. Antes de passar pela porta eu fiz uma prece que minha tia ensinou, embora eu não seja religiosa, sempre me apego ao homem lá de cima que me proteja assim que eu passo por esta porta. Andava pelas ruas com passos largos, sempre olhando para os lados até chegar na faculdade, ainda estou aprendendo a disfarçar a minha desconfiança. A casa da minha tia é pouco distante da universidade, moro com ela desde que deixei Itália. Passei pelos portões e segui direto para a minha sala, a primeira aula seria microbiologia de alimentos, afinal eu escolhi gastronomia, sempre adorei o feitio de cozinhar, para mim era terapêutico, não como aulas de tiro e boxe.
Assim que entrei na sala, sentei-me na frente como sempre, gostava de ouvir atentamente os professores nas explicações. Em seguida Rebecca e Luana passaram pela porta e vieram ao meu encontro, sentaram ao meu lado.
- Bom dia, Liana. - Esse era o nome qual eu havia me nomeado.
- Bom dia.
- Faz tempo que chegou?
- Pouco tempo. Onde estavam?
- Na cantina, estava comendo um sanduba delicioso. - Respondeu Rebecca.
- Que ótimo!
A aula havia dado inicio e assim dei a devida atenção, alguns pontos importantes foram anotados em meu caderno. O professor explicou detalhadamente do assunto até bater o final da aula, assim que o sinal tocou eu dei um perdido nas duas e fui até a praça mais próxima da universidade. Já era nova da manhã, o número restrito logo apareceu na tela do meu telefone, atendi e esperei que falasse primeiro.
- Filha, como está?
- Oi mamãe, saudades. - meu coração se aqueceu ao ouvir sua doce voz.
- Pensei que não falaria com você esta semana.
- Andei ocupada com as provas do semestre.
- Fico feliz que esteja fazendo o que gosta, me alegro muito. - disse sorridente.
- Alguma novidade?
- Nenhuma. Tenho tomado cuidado para falar com você, sempre uso o telefone da empregada quando seu pai não está em casa.
- A propósito, ele está bem?
- Se preocupa com ele, pequena?
- Não! Esqueceu que é por causa dele que vivo como uma fugitiva?
- Meu anjo, sei que Marco, mas ele é seu pai.
- Não defenda ele!
- Não estou defendendo, meu amor. - Houve um breve silêncio, resolvi quebrá-lo.
- Não vamos discutir, okay? Apenas nos falamos uma vez na semana e não quero esgotar os minutos que restam falando dele.
- Tudo bem. Mas conte-me, como está a faculdade?
- Indo muito bem.
- Estou orgulhosa de você, meu amor.
- As vezes me pergunto se voltaremos a nos ver.
- Se não voltarmos a nos encontrar, significa que sua fuga deu certo.
- Acha que vai dar certo por muito tempo?
- Eu não sei. Não tenho notícias de como anda as investigações.
- Será que ainda estão me procurando? Já faz tanto tempo..
- Você sabe que seu noivo ficou dominado de ódio quando soube da fuga, quase que mata a mim e ao seu pai.
- Filho da puta.. - murmurei baixo.
- Mas não se preocupe, por enquanto estamos bem. Talvez seu pai esteja o ajudando na sua procura.
- Esse Mortalla é um idiota, está claro que eu não o quero como marido. Não deixarei que me peguem nunca!
- Pequena, tome muito cuidado.
- Não se preocupe, eu sei me cuidar.
Encerrei a ligação e admirei o gramado da faculdade pensativa, toda vez que falo com mamãe eu me sinto vazia por dentro. Sei que deve ter sofrido alguma violência por minha causa, saber disso e ainda sim fugir me torna egoísta, mas sei que se tivesse ficado ela não teria me perdoado. O dia da fuga não foi nada comparado a simples, foi uma situação tensa e aflita, havia poucas chances de darem certo, mas eu precisei tentar porque não queria me casar pelo bem do acordo, eu tinha pavor daquele homem desde o dia em que o vi pela primeira vez.
***
Me olhei no espelho e vi o lindo vestido branco, ele demonstrava a minha pureza para o meu prometido, quando mamãe me explicou, eu senti náuseas. Respirei fundo e deixei o meu quarto, chegando nas escadas eu os vi na sala principal, mamãe sentada no sofá e papai em frente a janela com um copo de bebida na mão, esperando meu prometido. Quando desci as escadas ele me encarou sorridente.
- Meu tesouro, está perfeita. - me elogiou.
- Por que está sorrindo assim? Não precisa ser falso, papai.
- Pequena, não fale assim. Um dia entenderá que foi necessário.
- Me oferecer para salvar seu pescoço não foi necessário, e sim covardia.
Marco olhou para mamãe com um olhar mortal, deduzindo que ela havia me explicado detalhadamente o que aconteceu na casa de Julian. Me aproximei dela e esperei o desconhecido com uma expressão de velório. Ver a minha mãe aflita e assustada me fez repensar em desafiá-lo, sei que ele não me machucaria, mas acabaria descontando nela.
- Graças a mim você tem um teto sobre a cabeça e barriga cheia. Não seja uma mal agradecida.
Contive minhas ofensas preso na garganta, ela sabia que iria o enfrentar, então ela segurou a minha mão e me suplicou com os olhos para ficar quieta.
- Graças a mim você ainda respira, não inverta os papéis, papai.
Naquele momento o governante se aproximou de nós e avisou, chamando atenção de papai.
- Me desculpe a intromissão, mas acaba de chegar o senhor Mortalla.
Marco andou para a entrada e o recepcionou com educação como deveria. Ao entrar com dois soldados eu o vi, meio forte e alto, seu rosto mostrava o quão jovem era, não queria acreditar que aquele era o meu marido.
- Bem vindo, senhor Mortalla. - Papai o cumprimentou amigavelmente.
- Obrigado, Greco. Vim apenas conhecer a minha futura esposa.
O encarei com repúdio, foi evidente reconhecer em sua voz a ironia se tratando de mim.
- Não sou futura esposa de ninguém! - rebati sem nenhum sentimento de arrependimento.
Meus pais me olharam com reprovação e temor, talvez achassem que não ousaria ser rebelde na frente daquele homem, mas não deixaria que ele me dirigisse como mercadoria. Era assim que todos estavam me tratando.
- Vejo que a obediência não foi lhe ensinado como de costume. - O homem aproximou-se de mim e me encarou como se pudesse me esmagar como um inseto.
- Foi-me ensinado perfeitamente, embora eu não deva esgotá-lo com todos que apareça.
Ele sorriu sem humor, até me olhou como um animal selvagem assustador, então, pediu educadamente aos meus pais para que ficasse um minuto a sós comigo. Assim eles aceitaram, fiquei sozinha com aquele desconhecido na minha frente, olhando-me com curiosidade.
- Vejo que é uma garota bastante corajosa, terá de aprender a controlar sua língua. Já que tenho planos para ela e não posso cortá-la.
- V-você não me assusta. - Disse eu, assustada.
- Garotinha, eu não sou o seu pai. É bom começar de já como deve se dirigir a mim, ou então seus pais sofrerão por isso.
Não precisava ser adulta para saber que aquilo era uma ameaça. Meus olhos se encheram de lágrimas, porém eu as segurei até onde podia.
- Se fizer algo de errado vai lamentar por isso, tudo bem para você?
- S-sim!
- Que bom! - Ele sorriu e tirou de seu terno impecável um anel, pegou em minha mão sem nenhuma delicadeza e deslizou o objeto no dedo. - Te verei no altar, noivinha!
***
Sou tirada de pensamentos quando ouço Luana chamar pelo meu suposto nome, a encarei e sorri, ela estava acompanhada por Rebecca:
- O que você quer, meu anjo?
- Esqueceu onde está? Vem logo, a próxima aula já vai começar!
O observei andar para a universidade em passos largos, eu apenas respirei fundo e apanhei minhas coisas, fui logo atrás sem demora. Mais um lindo dia...