Julian parecia um inseto venenoso em nossa terra que desejava mais do que qualquer a possuir as terras da minha família, mas meu pai não queria vendê-la, ele escolheu negociar. Lucio, meu pai sempre foi um homem fraco quando se tratava de riqueza e poder, afinal quem não gostaria? Mas como Sandra é uma boa mãe e esposa, ela tentava avisá-lo de onde estava se metendo, porém ele não se importou tanto, aceitou o mundo do crime e apodrecer nossas terras com drogas ilegais.
Aminha liberdade, junto com a de minha irmã Daniele, já não fazia parte da nossa escolha. Nosso pai tinha planos para nós, como por exemplo nos prometer a casamentos com homens envolvidos na grande corporação mafiosa, mas nós não queríamos isso, desejávamos ser livre daquela vida onde nossas vontades eram ignoradas. Porém, mesmo odiando todo aquele idêntico filme de terror, a única quem teve coragem de fugir, melhor, forjar a sua morte foi Daniele, foi preferível de sua escolha a ser alguém oculto na sociedade do que ter um status e casada com um homem sem escrúpulos.
Hoje, pode-se dizer que sua vida está melhor do que antes, conseguiu criar uma nova identidade e atualmente vive na Califórnia. Por me lembrar da oportunidade que tive a segui-la me causa grandes arrependimentos, no qual hoje não vejo necessidade de lamentar, eu fui fraca, temerosa, talvez a minha escolha me assombre para sempre. Nunca quis ser tratada como uma mulher troféu, embora isso tenha se tornado habito, eu jamais me acostumei, apenas aprendi a lidar. Há cada ano eu vejo mulheres jovens serem forçadas a casar com homens da organização, criadas apenas para isto, eu jamais quis uma vida desta para minha menina, minha Alice.
Mesmo na esperança de que minha filha não tivesse o mesmo destino que o meu, meu marido, Marco, se envolveu em um grande problema na organização, onde foi condenado por traição. Para salvar a sua vida a minha filha teve que ser prometida como um simples negócio, como um objeto. Foi necessário fazer aquilo, afinal, se Marco fosse condenado e porto por traição, Alice e eu acabaríamos mortas por consequência. Desde aquele momento ele não escondeu a sua falta de satisfação ao ser ajudado por uma mulher, pior ainda, ver que sua filha estava comprometida a uma família que ele odiava com todas as suas forças. Seu ódio quase nos custou a vida, por isso, para que isso não voltasse acontecer eu resolvi preparar Alice desde os seus cinco anos. Planejei seus estudos e suas aulas de luta, tiro ao alvo, até de sobrevivência, eu não queria que minha filha fosse iguais as demais garotas da Cosa Nostra, dóceis e submissas.
Não precisei de muito esforço, ela já era uma leoazinha indomável, tem a mesma perseverança e ousadia do pai, é frívola e sabe esconder muito bem seus sentimentos, mais sei que em alguns aspectos ela se parece comigo. Alice corria para o nosso grande jardim com o cachorro que ela ganhou de aniversário sempre que tinha a chance, e eu observava pela janela da mansão enquanto fazia a lindos lalaus no pelo do cachorro, assim como eu fazia quando tinha sua idade. Também já presenciei seu grande interesse na cozinha, embora não fosse apropriado para ela, quando havia possibilidades ela observava as empregadas preparando alguma refeição, eu jamais intervi na sua curiosidade ou nos seus interesses, ela estava conhecendo o mundo como podia, já que não saia tanto de casa.
Alice não tinha amizades com outras crianças, foi difícil no inicio para explicá-la, ela não entendia mas também nunca questionou sobre. Foi complicado quando me preparei para falar sobre seu compromisso com alguém que nunca viu, eu já sabia que sua reação seria negativa, não sabia se ficava orgulhosa ou com medo, pois eu não queria que nada acontecesse com ela. Depois que conheceu seu noivo eu pude ver a revolta e a tristeza em seus olhos, me partiu o coração vê-la daquele jeito.
- Papai arruinou minha vida! - Alice disse com ódio, e eu apenas segurei, me sentindo impotente.
- Sei que seu pai errou, mas não se desespere. - Ela ergueu os olhos e soluçou:
- Como não, mãe? Papai me prometeu casar com aquele homem! - Coloquei seu rosto manchado de lágrimas em minhas mãos e fiz com que ela me encarasse, e disse com firmeza:
- Eu vou fazer tudo ao meu alcance para impedir esse casamento, você me ouviu?
- Não seja boba, você sabe que se envolver em negócios pode custar muito caro. - Alice ficou longe do meu contato. Ela ficou tão chateada que não saiu do quarto por três dias inteiros, quando uma das empregadas levava sua refeição, tratava de enviá-la de volta intacta. Em um jantar com Marco, chamei sua atenção e contei sobre o estado de sua filha:
- Alice não sai do quarto há três dias.
- Ok, então eu não tenho que lidar com seu temperamento. - Eu olhei para ele com nojo.
- Como você pode sentar e relaxar na situação atual dela?
-O que você quer que eu faça?! - ele perguntou com raiva.
- Seu papel de pai. A nossa filha vai se casar com aquele homem por sua culpa!
- Deveria aceitar verdades, Marco. Já que sua inveja pelo poder dos Mortalla custou a nossa família! - Ele bateu as mãos sobre a mesa furioso, soube tocar onde mais doía, seu ego. Marco sempre desejou ter o total poder de Cosa Nostra, mas sabia que jamais teria. Marco se levantou da mesa e se aproximou de mim, seu olhar mortal já não me assustava, apenas indiferença. Sua mão pesada acertou em cheio o meu rosto, eu apenas segurei as lágrimas momentâneas de dor, e eu queria salvar o destino da minha filha mais do que nunca.
Alice estava tentando viver sua vida depois de saber sobre o casamento, ela praticava luta e tiro como nunca antes, e enquanto eu estava preocupado que ela estava ficando cada vez mais obsessiva, eu sabia que ela precisava estar pronta para quando ela fugisse do lugar. Os anos se passaram e ela se tornou uma bela nova adulta. Eu a vi tão chateada no dia do casamento, mas ela era uma verdadeira princesa em seu vestido de noiva. Me entristece saber que esta será a última vez que a vejo, mas vejo algo bonito nela, e se nunca mais a verei novamente é porque tudo ocorreu muito bem.
3 anos depois...
A sensação de terminar a ligação foi entristecedora. A empregada Teresa que me emprestou o celular para ligar para Alice olhou para mim e viu meu rosto angustiado, ela me lança o mesmo olhar de pena, sempre tentando me animar com a esperança de que Alice um dia deixará de ser caçada como um animal valioso.
- A pequena Alice é forte e sabe se cuidar, senhora.
- Eu sei, Teresa. Mas temo pela vida da minha filha.
- O senhor Mortalla não vai encontrá-la.
- Não subestime o inimigo, Teresa. Se Sebastian a encontrar, talvez seja apenas vingança por ter sido deixado no altar.
- Não vamos pensar no pior, ok? A pequena Alice está em minhas orações. - Olhei com carinho para Teresa, que sempre cuidou de Alice como se fosse sua própria filha. Eu a puxei para um grande abraço e beijei seu pequeno cabelo grisalho.
- Obrigado por me ajudar.
- Eu faço isso com todo o amor do mundo.
- Mas não se arrisque e não confie no resto dos funcionários, sabemos que existem pessoas leais ao meu marido.
- Não se preocupe, este é o nosso segredo
Teresa se afastou e deixou seu telefone em minhas mãos, então liguei para minha irmã Daniele, que estava fingindo estar morta e atualmente cuidando da minha filha.
- Olá irmã.
- Daniele, como você está?
- Na medida do possível, e você?
- Eu sou muito bem. Como está Alice? Ainda tendo pesadelos?
- Você acha que ela vai me dizer?
- Não, é claro que não. - Sorriu sem humor, lembrando que minha filha não é tão aberta como aparenta ser.
-Talvez a responsabilidade de criá-la não foi inútil, já que ela sabe se proteger e ser fechada com uma concha.
- Fiz o que era necessário. Eu jamais deixaria minha filha se transformar em uma flor como todas as outras da organização.
- Ela ainda é uma flor, só que por sua causa criou-se espinhos.
- Se Sebastian encontrá-la, vai gostar de arrancá-los um por um.
- Não seja cruel com suas palavras, Daniele, é a sua sobrinha!
- Eu sei e a amo, mas não me impede de falar a verdade com ironias.
- Vai sair tudo bem, até agora ela não foi encontrada e se sairá bem por mais tempo.
- Eu gosto da personalidade de Alice, é realista e determinada. Mas ás vezes creio tenha herdado ele lado otimista e ingênuo de você... Agora me responda, você contou a ela?
- Contar sobre o quê?
- O que seu marido fez com você. Não me pague de estupida, está usando uma bengala para se locomover.
Olho para o meu suporte ao lado, que uso para me movimentar com mais facilidade. Respirei fundo e soltei o ar, e toda vez que falava com Daniele, ela ousava relembrar o que aconteceu comigo.
- Esquece disso, já faz anos.
- Alice precisa saber disso, se esconder por mais tempo e ela descobrir, será muito pior.
- Se ela souber, terá a ideia de me tirar daqui e eu não quero que se arrisque sobre nenhuma hipótese!
- Você me parece irônica, fez de tudo para livrar a sua filha de um casamento mas não ousou fugir. Como conseguiu ajuda para realizar o plano?
- Isso não é da sua conta, Daniele.
- Prefere viver nesse inferno do que fugir daí? Marco ferrou com sua qualidade de vida, parece uma inválida com essa bengala.
- Eu sabia dos riscos ao impedir que minha filha se casasse, foi um efeito colateral que já me conformei.
Desliguei a chamada e saí do jardim, e assim que vi Teresa eu devolvi o telefone e retomei o meu papel habitual nesta casa, esposa troféu. Subi as escadas cautelosamente e andei para o meu quarto, assim que passei pela porta eu me deparei com Marco saindo do banheiro com uma toalha enrolada na sua cintura.
- Marco, não vi você chegar. O que faz aqui?
- Este quarto também é meu, não é?
- Sim, sim.. Mas achei que estivesse na sede da máfia.
- Estava, mas voltei para tomar banho, estava sujo.
- Hum!
- Onde estava?
- Na sala de leitura. - Respondi com a voz firme, tentei a todo custo demonstrar que não estava mentindo.
- Curiosamente, perguntei a Alfred onde você estava. Ele disse ter visto você no jardim.
Fique nervosa com seu questionamento repentino, já que ele nunca se importou com as minhas atividades diárias. Então, eu disfarcei meu tremor e sorri;
- Ah! Eu fui até o jardim ler um livro, estava muito calor aqui dentro.
- Tem certeza do que está me dizendo?
- E isso importa, Marco?
- Mas é claro que importa! - Ele aproximou-se de mim e olhou bem nos meus olhos. - Está escondendo algo de mim?
- Não..
- Tem certeza?
- Absoluta! - Seus olhos estão fixos em mim, me estudando como sempre.
- Está bem.
Marco foi até o armário e escolheu alguns itens para vestir, um terno impecável e sapatos pretos. Me lembro de Alice me perguntar se eu tinha alguma informação, mas como teria? Não sou informada sobre nada, Marco nunca me revelou nenhuma informação.
- Marco.. Como está indo a investigação de Alice? - A minha pergunta chamou a sua atenção, ele virou-se para mim com suspeita.
- Por que de repente se interessou sobre as investigações?
- É da nossa filha que estou perguntando, eu não sei nada dela há três anos, se conseguir me dizer alguma coisa já é suficiente.
Assim que terminou de se vestir, Marco se aproximou de mim com uma expressão fechada, eu não ousei me afastar, permaneci parada no meio do quarto, segurando a bengala com bastante força. Eu sentia que minha alma abandonaria meu corpo a qualquer instantes.
- Não faço parte do grupo de investigações, seu genrinho deixou minha participação de fora, desde o dia em que quase nos matou, se lembra?
- Como não lembrar? Foi no mesmo dia em que ela fugiu.
- Então não me faça perguntas idiotas, já sabendo da resposta. Aliás, não me convenceu com sua desculpa naquele dia, Alice não teria fugido sozinha, ela recebeu ajuda e sei que foi você.
- Mas eu já disse, eu não tive nada a ver!
- De todo o modo, se não participou você teve culpa em não vigiá-la. Você prejudicou o acordo, interrompeu o inevitável.
Marco encostou sua mão em meu rosto, deslizando com delicadeza. Eu estava nervosa com suas palavras e com o tom que elas saiam de sua boca. Tentei me afastar dele sem demonstrar que estava com medo, foi meu pior erro. Marco levou suas mãos até a raiz do meu cabelo e os agarrou com violência, olhei para o seu rosto apavorada, ele demonstrava a frieza de sempre.
- Como uma adolescente foge de uma fortaleza com soldados espalhados pela propriedade sozinha?
- Marco, você está me machucando.. - Falei sentindo dificuldade, minha voz estava trêmula.
- Responde, caralho! - Gritou enfurecido.
- E-eu não fiz nada, eu juro!
A bengala escapou das minhas mãos e não tive forças para me manter em de pé, minhas costas e pernas desistiam aos poucos de me manter rígida diante dele. Marco me segurou contra o seu peito para que eu não fosse ao chão, então, soltou meus cabelos e me prendeu contra o seu corpo.
- Sabe, eu acredito em você. É uma inválida por quem me casei, ao menos consegue se manter de pé.
- Graças a você.
Ao me olhar com desprezo, Marco me arrastou até a cama e me jogou nela, contive a dor em minhas costas e caí em um choro intenso, antes de deixar o quarto, avisou:
- Estou de olho em você.
Marco Greco
48 anos