A vingança de Cleópatra
img img A vingança de Cleópatra img Capítulo 4 A gente vai se falando
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Capítulo 6 Uma frase clichê img
Capítulo 7 Até logo, Lucas img
Capítulo 8 O melhor abraço img
Capítulo 9 Cleópatra moderna img
Capítulo 10 Pesadelos img
Capítulo 11 Impulsiva, mas sincera img
Capítulo 12 Promessas e promessas img
Capítulo 13 Hora da mudança img
Capítulo 14 Potencial para dar errado img
Capítulo 15 O início do fim img
Capítulo 16 O melhor de mim img
Capítulo 17 Mais do que delicado img
Capítulo 18 Flores amarelas img
Capítulo 19 Uma carta img
Capítulo 20 O início da vingança img
Capítulo 21 Eu entendia img
Capítulo 22 Difícil de acreditar img
Capítulo 23 Quero falar com ela img
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Capítulo 4 A gente vai se falando

Catorze anos antes...

- Eu não deveria estar aqui.

- Por que? Está arrependida? - perguntou, sem disfarçar um risinho de escárnio. Ele achava graça da minha inocência.

- Não sei, talvez.

- Haha. Essa é boa. Não sabe se está arrependida? Por que? Está sendo ruim?

Eram perguntas difíceis de responder. Na minha cabeça vinham respostas sempre controversas. É claro que não estava sendo ruim, senão eu não estaria ali, completamente abandonada em seus braços, confiando detalhes da minha vida à ele. Coisas que talvez eu nunca tivesse compartilhado nem mesmo com a Linda, que eu considerava uma irmã. Mas ao mesmo tempo, algo naquela cena que eu estava envolvida me deixava mal. Era incômodo.

- Não, não está sendo ruim. É só que talvez seja... - e como se lesse meus pensamentos, ele completou a frase no mesmo momento - errado?

- Não se preocupe, você não vai para o inferno por causa disso - disse, entre risos - Eu talvez, sim, mas procuro não pensar nisso.

Seu tom sombrio ao dizer isso me arrepiou. Ele tinha uma forma incrível de mudar do tom irônico para brincalhão e do brincalhão para sério em questão de segundos. Ao mesmo tempo que me assustava às vezes, seu jeito instável me atraía. Era como se ele guardasse segredos, tivesse rodeado de mistérios que eu só poderia desvendar aos poucos, adquirindo a confiança dele.

Era fim de tarde, e ele havia parado o carro, aquele mesmo carro que havia pifado cinco meses antes, na Praia da Reserva. Estava se tornando uma rotina assistirmos ao pôr-do-sol juntos. Desde aquela tarde em São Cristóvão, nos víamos quase todos os dias. Eu prometi a mim mesma não voltar àquela praça, mas de alguma forma ele descobriu qual curso eu fazia e dois dias depois daquela cena bizarra, lá estava ele no portão da faculdade me chamando para sair. "Só pode ser louco", pensei. Acontece que a loucura dele era convidativa. Pelo menos o bastante para eu aceitar o convite.

- Só um sorvete? - ele insistia, mesmo após três negativas.

- Você não cansa?

- E você, não cansa de dizer não? Está com medo? Não sou maníaco.

- Nossa, bom jeito de me convencer que não é um maníaco. Insistindo para sair com uma completa estranha que, não sei como, descobriu onde estuda. Olha, preciso atualizar meus conceitos sobre maníacos...

- Chocolate, limão ou flocos? - ele interrompe, sem me deixar escapatória.

Conforme a tarde caía e observávamos as ondas batendo na praia, as lembranças dos primeiros encontros voltavam como cascatas na minha mente. Ou na nossa mente. A conexão era tanta que, em várias vezes, a gente se pegava relembrando os mesmos momentos ou fazendo as mesmas perguntas.

- Ainda acha que sou maníaco?

- Talvez eu nunca descubra - respondi, com um sorriso de canto.

- Não confia em ninguém?

- Caramba, tantas perguntas.

- Você quem começou dizendo que não sabe se está arrependida. Apenas responda, não confia em mim? - ele me fez levantar do seu colo para encará-lo e me lançou seu olhar mais inquisidor. Já que ele questionava, resolvi ser direta.

- Olha, eu cresci acostumada a não confiar em ninguém a não ser em mim mesma. Não tenho muitos amigos e, sei lá, você é o primeiro cara com quem eu me sinto mais à vontade. O que é bem estranho, já que tivemos um início bastante conturbado - sorri, tentando aliviar o discurso, mas ele continuava a me encarar - Mas ao mesmo tempo que parece que somos velhos conhecidos, no fundo eu não sei nada sobre você. Não que isso importe, é só um pouco estranho.

- Se você está dizendo, importa sim. O que quer saber? - ele perguntou, em tom seco, desviando o olhar.

- Não sei, é tudo novo para mim, não quero estragar nada levantando questionamentos e também não quero ter que definir o que está rolando entre a gente. Só quero te conhecer mais. Só isso.

- Então responde, o que quer saber? Você não é a garota sem rodeios? - ele simulou um meio sorriso ao fazer a pergunta, mas percebi que ele estava incomodado com a conversa. Àquela hora, o breu já havia tomado conta da praia e os quiosques começavam a acender as luzes e organizar as cadeiras no calçadão para receber um outro tipo de público: os farristas da noite.

- Quero saber o que realmente gosta de fazer para se divertir, se tem família, irmãos, animal de estimação. Dos livros que gosta de ler, filmes, se acredita em Deus, essas coisas. - respondi.

- É uma boa lista. Posso enumerar os itens? - ele ironizou, ajeitando o banco e dando a partida no carro.

- Não vai responder, não é? Eu sabia. - disse, enquanto revirava os olhos e procurava pelo cinto de segurança.

- Eu vou te responder tudo isso, se você me disser que está livre no sábado à noite.

- Eu dou um jeito, mas não posso voltar tarde, porque o portão do orfanato fecha às onze em ponto.

-E ninguém mais pode entrar depois disso? - ele perguntou, os olhos brilhando.

- Humm, não. - respondi, inocente.

- Ok. - disse, apenas, para logo em seguida engatar na pergunta que daria início a todos os meus pesadelos dali em diante - O que tem de interessante para se fazer em Petrópolis, hein?

Hoje

Ao chegar em casa, encontrei um Lucas jogado no sofá, entre edredom, lençóis, pipoca espalhada e a TV ligada no último volume em uma de nossas séries favoritas. Incomodado com o barulho, Bingo havia se abrigado em nosso quarto, no cantinho habitual dele. Tentando não acordar meu namorado e assim evitar uma DR àquela hora da noite, abaixei o som da TV e fui me deitar na cama. Covardia? Talvez. Eu já tinha muitas informações para digerir naquele sábado, não precisava de mais problemas.

Pela manhã, acordei com o barulho da cafeteira e o aroma das torradas com manteiga. Como era domingo, pensei que Lucas estaria correndo na praia, como costumava fazer sempre que não estava de plantão. Ao chegar à cozinha, ainda um pouco sonolenta, fui recebida com uma mesa repleta de sucos, queijos e meu iogurte preferido. Será que era meu aniversário e eu tinha esquecido?

- Bom dia, flor do dia. Dormiu bem? - disse Lucas, com um sorriso no rosto, após me dar um beijo na testa.

- O que é isso? Hoje é meu aniversário? - eu questionei, fazendo uma cara estranha, provavelmente piorando minha aparência já estragada de quem acabou de acordar.

- Isso? Bem... isso é um café da manhã de domingo. Já faz tempo que não passamos uma manhã juntos, então pensei 'porque não'? Ah, comprei o iogurte que você gosta. Quer puro ou com a salada de frutas?

- Puro. Obrigada. - disse, depois de simular um sorriso.

Aquela atitude de Lucas me fez ficar dividida entre a culpa e apreensão pelo diálogo tenso que enfrentaríamos em algum momento daquele domingo. A menos que eu estivesse exagerando, e ele quisesse realmente apenas me agradar com um café da manhã reforçado, já que o combinado de "relacionamento sem amarras" estava funcionando bem. Depois de me servir com o iogurte e suco de laranja, Lucas puxou uma cadeira e sentou-se na minha frente, a uma distância tão curta quanto provocativa. Ansiosa, resolvi tomar a iniciativa.

- Você não precisa fazer isso.

- Fazer o que?

-Isso que você está fazendo. É só me perguntar. - eu respondi, entre colheradas de iogurte natural, que por sinal, estava maravilhoso como sempre.

- Não sei do que você está falando. - Lucas simulava sua pior cara de desentendido, enquanto acariciava meu rosto e repousava uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.

- Tudo bem. Então não ficou chateado pela minha saída de ontem à noite? Por que dormiu no sofá?

Ele respirou fundo antes de responder, mas não se afastou.

- Bom, vou responder com duas perguntas. Eu tenho motivos para ficar chateado? E dois, já que eu estava no sofá, por que não me acordou e me chamou para ir para cama com você? Ah, se bem me lembro, você disse que eu não precisava te esperar acordado.

A minha vontade era de contar tudo para ele, mas minha intuição me dizia que era melhor deixá-lo fora daquela tempestade. Pelo menos, por enquanto. Eu confiava nele e não queria que ficasse triste, o que provavelmente iria acontecer se eu trouxesse todo meu passado com Victorio à tona. Não podia arriscar perdê-lo. Então resolvi adiar o inevitável.

- Não, você não tem motivos para ficar chateado. E, bom, não te acordei porque você parecia bastante confortável no sofá. Tá, vou confessar. Eu fiquei com raiva porque você agora está uns cinco episódios na minha frente e muito provavelmente vai soltar uns spoilers durante a semana - brinquei, tentando suavizar o clima. Ele riu, parecia ter funcionado.

- Não vou soltar spoiler nenhum. Na verdade, a TV mais me assistiu do que o contrário.

- Promete? Posso confiar em você? - perguntei, arqueando uma sobrancelha.

- Sabe que sim. E eu, posso confiar em você? - ele rebateu, enquanto levantava e começava a retirar a mesa do café.

- Pode. Prometo que você vai saber tudo na hora certa. - disse, numa tentativa de convencer a mim mesma. E sim, eu estava enganada. O diálogo tenso não iria acontecer naquele domingo.

Como resposta, Lucas me deu outro beijo na testa e saiu, sem dizer mais nada. Como eu, Lucas era bastante introspectivo, então nem sempre dava para saber se ele estava realmente convencido das minhas explicações, se continuava ansioso por respostas ou se disfarçava o aborrecimento pela falta delas. Ao vê-lo passar para a sala vestindo roupa de malhar, deduzi que ele havia apenas adiado e não cancelado a corrida matinal de todo domingo para preparar o café para mim.

- Vai correr? Não esquece de levar a garrafinha d'água, parece estar quente lá fora. - eu o lembrei, tentando ignorar a mala perto da porta, enquanto ele terminava de amarrar os tênis. Quando terminou, ele me deu um beijo breve e seco na boca e simulou um sorriso.

- Obrigado pela preocupação. Depois da corrida, eu vou pra casa, tá? Faz tempo que não dou as caras por lá, vou fazer uma média com minha coroa. A gente vai se falando.

"Eu vou pra casa". Há muito tempo ele não se referia à casa da mãe dele assim e por mais que disfarçasse da melhor maneira possível, é claro que essa ida repentina tinha a ver com a minha saída da noite anterior e com a falta de explicações durante o café da manhã. Mas, mais uma vez eu procurei ignorar. Eu não fazia o tipo que pede para ficar. Se queria ir, que fosse. Apenas retribuí o sorriso simulado.

- Tudo bem, manda um beijo pra ela. A gente vai se falando. - eu disse, antes de a porta fechar.

            
            

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