A vingança de Cleópatra
img img A vingança de Cleópatra img Capítulo 5 O que consegui dizer
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Capítulo 6 Uma frase clichê img
Capítulo 7 Até logo, Lucas img
Capítulo 8 O melhor abraço img
Capítulo 9 Cleópatra moderna img
Capítulo 10 Pesadelos img
Capítulo 11 Impulsiva, mas sincera img
Capítulo 12 Promessas e promessas img
Capítulo 13 Hora da mudança img
Capítulo 14 Potencial para dar errado img
Capítulo 15 O início do fim img
Capítulo 16 O melhor de mim img
Capítulo 17 Mais do que delicado img
Capítulo 18 Flores amarelas img
Capítulo 19 Uma carta img
Capítulo 20 O início da vingança img
Capítulo 21 Eu entendia img
Capítulo 22 Difícil de acreditar img
Capítulo 23 Quero falar com ela img
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Capítulo 5 O que consegui dizer

Fazia apenas dois dias que eu tinha encontrado meus amigos no happy hour na Lapa, mas levando em consideração o número de mensagens enviadas por eles no meu celular, parecia que eu estava sumida há anos.

"Sabe a promessa de sexta?"

"Não dá para aturar a vida sem nicotina, amiga"

"Mas não conta pro Braga, por favor"

"Ei, tá aí?"

"Vai ficar o fim de semana todo desaparecida mesmo?"

"Responde, garota"

Essas eram apenas algumas mensagens carinhosas enviadas por Claudinha. As do Murilo conseguiam ser mais desesperadas.

"Cleo, a Agatha quer um programa de casais. Cinema amanhã?"

"Chama o Lucas"

"Cleo"

"Cleo??"

"Cleópatra???????"

"Cleo, se você não responder agora vou achar que o Lucas te sequestrou"

"Cleo?"

"Você saiu meio estranha de lá na sexta. Dá pra responder o que houve?"

"Tô ligando pra polícia"

Como a última mensagem era de apenas três horas atrás, resolvi responder logo antes que Murilo resolvesse colocar todo o drama realmente em prática. Apesar de grata pela preocupação deles, eu não estava nenhum pouco afim de conversa quanto mais sair de casa, então resolvi ser objetiva.

"Para de drama. Tô viva"

"Obrigada pelo convite mas não tô muito afim de sair, quero ficar na minha"

"Manda um beijo pra Agatha. E desculpa"

Respondi de forma semelhante à Claudinha e ao Braga, para tranquilizá-los, torcendo para que eles se dessem por satisfeitos pela resposta e não me ligassem. Tudo o que eu queria e precisava era um restante de domingo a sós comigo mesma.

Catorze anos antes...

Era a primeira vez em cinco meses que nosso encontro às escondidas ia acontecer em Petrópolis, cidade em que eu morava desde os cinco anos de idade; ou desde que eu passei a ser mais uma criança abrigada pelas freiras do Lar da Esperança. Não seria a primeira vez que eu sairia escondida do orfanato. Ah, não mesmo. Na minha ficha institucional havia uma série de atributos listados pelas madres e bom comportamento nunca foi um deles. Mas seria a primeira vez que eu passaria a noite ou, pelo menos, parte da madrugada fora com um homem.

Eu estava apreensiva, não pelo risco de ser pega em flagrante e precisar levar mais um sermão; ou pelo fato de ele ser um completo desconhecido. O que eu temia eram minhas próprias reações durante a aventura que eu sabia que estaria por vir. Em cinco meses, eu havia mudado muito, em vários sentidos. Meus encontros com Victorio passaram a dividir espaço com o tempo que eu tinha para estudar e como consequência eu comecei a atrasar algumas matérias, a perder aulas. Já não conseguia me concentrar como antes nas disciplinas mais complexas.

Não, eu não estava apaixonada, longe disso. Não me permitia estar apaixonada. O relógio continuava correndo contra mim e eu precisava manter minha formação acadêmica como prioridade para conseguir um bom emprego e iniciar uma vida fora do orfanato.

Mas a companhia dele me fascinava. Ele era o oposto de toda calmaria que eu havia vivenciado até então. Assim como toda a correria e o caos do centro do Rio de Janeiro contrastava com a tranquilidade que emanava de Petrópolis, com seu perfil turístico, tudo em Victorio me afastava da garota nerd e acanhada que eu vinha sendo até então. Com ele, tudo era tempestade. O beijo, os toques, o calor, em nada eram parecidos com os beijinhos inocentes que eu havia trocado com alguns meninos, em raros momentos que eu conseguia passar fora do abrigo. Por mais que eu quisesse esconder que já era praticamente uma mulher adulta aos 17 anos, por trás de roupas simples e até meio masculinas, Victorio me fazia sentir sensual. Era estranho e ao mesmo tempo tentador. Talvez excesso de hormônios, já que eu jamais admitiria que o amava. E também queria respostas.

E foi alegando curiosidade que eu topei sair escondido do Lar da Esperança para encontrá-lo no sábado à noite. Como das outras vezes, não foi difícil. Pedi para Linda me dar cobertura e despistar alguma freira que desse por minha falta. Ela aceitou sem fazer qualquer comentário, já que vivia fazendo isso e aprontava mais do que eu. Pelo contrário, ficou até feliz de saber que eu tinha conhecido alguém. "Depois vai me contar tudo com detalhes. Mas, olha, seja sábia, Cleo. Pelo amor do pai", ela me fez prometer. Meu plano era voltar no máximo à meia-noite, e se eu demorasse mais, ela não precisava ficar preocupada. A gente sempre se virava.

Eram quase oito da noite quando passei pelo corredor principal do orfanato em direção ao portão. Como era uma das internas mais velhas, minha movimentação passou despercebida e quando mal me dei conta, já estava na esquina da Avenida Portugal. Como combinado, ele estaria me esperando nesta avenida, alguns prédios abaixo do Lar da Esperança, para não correr o risco de alguém da vizinhança me reconhecer. Mais alguns passos, e lá estava o carro branco com o pisca-alerta ligado. Respirei fundo, instintivamente ajeitei o cabelo e abri a porta do carona.

Como era de se esperar, Victorio me recebeu com aquele sorriso de criança bagunceira, que sabe que vai aprontar e levar a melhor. Ele estava lindo. Por alguns segundos eu senti vergonha do que estava vestindo. Havia garimpado a melhor blusa entre as poucas que eu tinha, um casaco de lã preto e curto, e a calça jeans de sempre. Nos pés, um salto alto preto emprestado por Linda.

A diferença é que desta vez, em um raro momento eu havia soltado os cabelos, que àquela altura chegavam abaixo da minha cintura. No espelho do quarto, eu havia gostado do que vi e arrisquei até um batom vermelho. Mas naquele momento, vendo o quanto ele estava arrumado e cheiroso, me senti pequena e simples demais. Sentimento que durou pouquíssimo tempo, já que ele conseguia sempre reverter a situação.

- Isso tudo pra mim? Gostei. Seu cabelo é lindo, podia soltá-lo mais vezes. - ele se inclinou para me beijar, mal esperando eu entrar no carro e colocar o cinto. - Então, para onde vamos?

Eu não conhecia muitos lugares que pudessem ser considerados badalados durante a noite em Petrópolis. Nenhum pelo menos tão badalado quanto os bares de São Cristóvão ou a Lapa, tão idolatrada pelos universitários. Isso de curtir a noite, embalada por música alta, multidão e muita bebida era um universo completamente desconhecido por mim. Mas é claro que eu não queria bancar a nerd que só sabia passar os fins de semana ouvindo música no quarto ou de cara nos livros. Então arrisquei O Imperador como sugestão para a nossa noite.

Das poucas vezes que eu passava pela Praça da Liberdade antes de voltar para o abrigo à noite, eu notava um movimento interessante de moradores e turistas. Com música ao vivo e decoração elegante, O Imperador era o único bar localizado na praça, o que também explicava a grande concentração de pessoas nos fins de semana. Bom, não tinha erro. Era um lugar ideal para uma conversa. E para aqueles que não se importavam com o frio, os bancos ao longo da praça eram verdadeiros convites aos casais.

- Parece bom. Já veio aqui? - Victorio me perguntou, assim que sentamos à mesa.

- Nunca entrei. É a primeira vez.

- Fico feliz em saber que comecei bem então. - ele sorriu e apoiou as mãos sobre as minhas em cima da mesa, me fazendo respirar fundo - Espero estar do seu lado em outras 'primeiras vezes' - piscou.

E era a primeira vez de muitas que ele me faria corar naquela noite. A todo tempo minha cabeça martelava questionando que homem era aquele que me fazia ficar sem palavras nas piores horas. Logo eu, que tinha resposta na ponta da língua pra tudo. Em um momento, ele fazia eu me sentir a pessoa mais segura do mundo. Em outro, eu era apenas a Cleópatra órfã e perdida, com desconfianças e incertezas.

Terminado o jantar, estávamos satisfeitos e leves. Victorio havia feito minha insegurança desaparecer com seu bom humor e trocadilhos, sempre nos momentos certos. É claro que os quatro ou cinco copos de cerveja que me forcei a beber também ajudaram. Por algum motivo idiota eu não queria parecer inadequada ou infantil na frente dele, então vesti a capa de pessoa adulta-que-sabe-o-que-faz e o acompanhei nas rodadas de chopp, disfarçando as caretas a cada gole. Para comer, concordamos em frango à passarinho e batatas fritas. O cantor de voz e violão da noite era bom e a música convidativa, apesar de não ser do estilo das que eu costumava ouvir. Tudo estava indo bem até aquele momento. Talvez bem demais para o meu gosto, e o medo de algo dar errado me deixava novamente apreensiva. Em que momento eu havia me transformado em uma estúpida insegura mesmo? Infelizmente há cinco meses, quando encarei pela primeira vez aquele par de olhos castanhos.

- Acho que para iniciante em cerveja, atingi minha cota de hoje - admiti.

- Tudo bem. Vou pedir a conta, então. - pausou - Impressão minha ou você odeia cerveja e ficou disfarçando o tempo todo?

- Ops, me pegou - disse, levantando as duas mãos. Notei que meus movimentos estavam mais lentos e cheguei à conclusão que já estava 'alta' o bastante para ser sincera.

- Mais chopp então? - ele sugeriu, irônico.

O garçom trouxe a conta e depois, mesmo sem ninguém ter combinado nada previamente, estávamos caminhando lado a lado pela Praça da Liberdade. Faltavam poucos minutos para as onze da noite e quase não percebemos o tempo passar enquanto estávamos no bar.

- Quando a gente gosta da companhia da pessoa é assim. O tempo passa sem que a gente perceba. Não acha louco isso? - ele devaneou.

- Hum... então quer dizer que gosta da minha companhia - afirmei, esperando que ele entendesse como uma pergunta.

- Ei, olha onde eu estou! Você ainda tem alguma dúvida? - ele parou, virando-se de frente para mim. - Eu sei que você tem essa dificuldade estranha de confiar nas pessoas, mas acredite em mim, eu gosto de você. De verdade. É só que...

- É só que não é o suficiente para a gente namorar. - cuspi, interrompendo-o.

E para me contrariar ainda mais, ele sorriu. Sorriu e permaneceu me olhando nos olhos, como se enxergasse algo através de mim. Como se quisesse ler meus pensamentos. E depois, como se pesasse o que estava para dizer, ele umedeceu os lábios e disparou as palavras ensaiadas na mente.

- Olha, é complicado. Eu tenho uma família complicada, tive uma educação complicada. Para ser sincero, as únicas pessoas em quem realmente confio na minha família são minha irmã Vivian, e Lorenzo, meu primo, que mesmo longe, nunca me deixou na mão. O que quero dizer é que... não tem nenhum mistério, entende? Não vejo o fato de apresentar você à minha família como uma prioridade pra gente ter algum relacionamento.

- Mas ninguém aqui estava falando sobre a sua família.

- Eu sei, mas esse é um ponto inevitável. Você já me perguntou sobre isso antes, então é bom que tudo fique esclarecido logo. A gente se gosta, independente de rótulos. - ele disse, segurando minhas duas mãos - Eu não estou com mais ninguém, se é isso que você tanto teme. Eu só não quero te envolver na confusão que é a minha vida. A gente se gosta e é honesto um com o outro. Não é isso que importa? - ele repetiu, com aquele olhar inquisidor.

- Sim - foi o que consegui dizer.

                         

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