Capítulo 5 Será que é verdade

Ligo para o último número registrado em meu celular, demora apenas dois toques.

─ Oi Evangeline, que bom que retornou à ligação. – A voz dele remete a surpresa boa.

─ Estava ocupada quando ligou, recebendo sua encomenda. – Não deixa de ser verdade.

─ Queria ter-lhe consultado antes, mas creio que agi corretamente. Não posso prejudica-la mais ainda. Basta o que fiz com seu carro e seu trabalho. – Ele parece receoso com minha opinião.

─ A princípio recusei sua oferta, mas você tem razão, preciso do carro. Prometo que cuidarei dele como se fosse o meu e lhe devolverei do mesmo jeito que me emprestou.

─ Não tenho dúvidas sobre isso Evangeline.

Um silencio se faz e parece demorar séculos. Decido falar.

─ Então Ricardo, tenho que lhe agradecer novamente por mais essa providência. Você fez mais do que deveria. Era isso que precisava te falar. Até mais!

─ Olha Eva, fiz o que achei certo. – Ele ignora minha despedida. ─ E porque por algum motivo que desconheço eu me preocupo com você.

Sinto um frio na barriga e um sentimento reciproco surgindo. Como é possível eu me sentir atraída por ele se nem o conheço direito? Olho para as meninas e elas disfarçam a curiosidade.

─ Não há motivos para se preocupar, você já providenciou tudo, não houve prejuízo – digo com tom agradecido.

─ Fiz o que qualquer um faria Evangeline. Bem, assim que seu carro estiver pronto eu entrarei em contato, mas se precisar de qualquer coisa não hesite em me ligar.

─ Vou me lembrar disso. Obrigada e até mais Ricardo.

─ Até breve Eva.

Desligo o telefone querendo não o ter feito. Será que ele também está atraído por mim? Não, definitivamente não, sua preocupação deve ser por causa nossa diferença social tão gritante.

Volto para perto das meninas.

─ O que ele queria? ─ as duas perguntam ao mesmo tempo.

─ Nada demais. Eu agradeci, ele disse que qualquer um faria o que fez e que se preocupa comigo. E disse que está à disposição caso eu precise de qualquer coisa. Nada demais.

─ Qualquer coisa? – Nicole pergunta com olhos desconfiados.

─ Não seja maliciosa Nicole. E ele não me parece um homem atrás de sexo. E mesmo se tivesse, com certeza ele não precisaria procurar tão longe.

─ Você está o colocando em um pedestal, precisa se lembrar que ele é homem e no final das contas é isso que eles querem. Sexo para satisfazer um amor ou sexo para satisfazer uma atração.

─ Do jeito que você fala Nicole, parece que já teve várias decepções amorosas ─ comento porque nunca conversei sobre isso com ela.

─ Quem nunca passou por isso Eva? – Percebo uma tristeza em seu olhar.

─ A Eva nunca passou por isso ─ Clarinha fala em tom debochado, nem consigo me chatear com ela, me acostumei com seu jeito torto de querer fazer as pessoas se sentirem melhor à custa de outras pessoas. ─ Acho que ela está esperando um homem que a ame, mas que não queira sexo.

─ Não seria má ideia, pelo menos não teria que me preocupar dele estar comigo só para usufruir do meu corpinho lindo. ─ Começo a rir debochando de mim mesma.

─ Não, não, não, eu prefiro minhas decepções amorosas após muito desfrute do meu corpinho. – O humor da Nicole voltou ao normal.

─ Você precisa resolver esse seu problema Eva.

─ Não vejo como um problema, eu apenas não tenho pressa, sei que um dia vai acontecer e sei que vai ser no momento certo.

─ Se depender de você Eva, o momento nunca vai chegar, e você vai se acabar sendo devolvida por falta de uso. ─ As duas começam a rir as minhas custas.

─ Pronto! Virei a piada da noite. ─ Quando se não pode com elas, o melhor é se juntar a elas.

─ Se você soubesse como sexo é bom, você não perderia tempo. Só é complicado quando você se apaixona e descobre que o cara não está interessado em nada sério, mas isso também faz parte da vida ─ fala se entristecendo mais uma vez.

Como o assunto voltou é melhor conversar e tentar ajudar.

─ Quem é ele Nicole? – Pergunto.

─ Um carinha que eu estava saindo há uns dois meses, o papo era bom, o beijo era bom e o sexo era uma maravilha, eu achei que estávamos na mesma sintonia, mas ontem ele me dispensou. ─ Pela sua voz parece mesmo que ela estava gostando dele.

─ Ele disse o porquê? ─ Clarinha que pergunta.

─ Disse que estava sem tempo para encontrar e quando perguntei quando teria tempo, ele simplesmente disse que se estivesse afim me ligaria, ou seja, nunca vai ligar ─ conclui com leve suspiro de resignação.

─ Você vai ficar bem? – Pergunto e na verdade eu não sei o que dizer, Clarinha que é minha amiga a mais tempo, nunca passou por isso, sempre foi lúcida demais em seus relacionamentos e nunca a vi chorar por alguém.

─ Vou sim, o tempo resolve. O tempo e algumas taças de vinho com minhas queridas amigas. – Ela sorri ao falar e vejo que ela precisa de nossa companhia hoje.

Eu e Clarinha a cercamos num abraço, e ela começa a chorar. E agora?

─ Mamãe, porque tia Nicole está chorando? – Não tinha visto Carol se aproximar.

─ É que ela deu um beijinho num sapo e ele não virou príncipe.

─ Clarinha!!! ─ chamei-a atenção, mas ela e Nicole começaram a rir.

Vejo Carol subindo pertinho da Nicole a abraça e dá um beijinho no seu rosto.

─ Tia Nicole, um sapo só vira príncipe se você tiver com vestido de princesa...você colocou o vestido e coroa de princesa?

─ Não. – Nicole a responde ainda fugando. ─ Eu não sabia que tinha que colocar.

─ Ai tia, antes de beijar o sapinho ele precisa ver que você é uma princesa, aí ele vai querer virar príncipe. ─ Por essa, ninguém esperava. Sabedoria infantil.

O final do dia foi divertido, conversamos bastante e brincamos muito com as meninas.

É claro que as várias taças de vinho ficaram só para Clara e Nicole, jamais me excedo no álcool por causa das crianças. Porém, hoje queria que fosse diferente, ficar sóbria não me ajudou a não pensar no Ricardo e na minha cabeça levemente alterada pelas duas taças de vinho que tomei, começava a se formar imagens de nós dois.

Será que ele está pensando em mim também? Num sábado à noite? Ele em casa lembrando de mim? Por mais que eu queira que sim, minha sensatez grita que não.

E na hora de dormir, toda a vontade de vê-lo volta e penso absurdamente que eu queria que fosse com ele a minha primeira vez, não me importando se seria para satisfazer um amor ou uma atração, não me importando se ele me dispensaria depois, só queria tê-lo nem que fosse uma única vez.

─ Devo ter bebido mais do que o normal ─ digo a mim mesma deitada em minha cama.

Acordo no dia seguinte e é como se durante o sono eu tivesse chegado a uma conclusão, pois assim que abro os olhos combino comigo mesma de esquecer o assunto Ricardo e seguir a vida tal como ela é. Essa decisão me deixa mais confortável, não preciso de complicações em minha vida.

Me levanto e vou ao quarto das meninas para vê-las, e elas ainda dormem, parecem anjos.

Nicole e Clara estão dormindo na sala. Decido fazer um café da manhã bem reforçado para curar a ressaca que elas com certeza estarão.

Ligo a televisão que tenho na cozinha para ver as notícias matinais enquanto preparo o café, deixo no canal com as notícias locais.

Ainda está passando um programa sobre os eventos sociais ocorridos na noite anterior, não tenho paciência para ver as pessoas se divertindo em festas e os entrevistadores fazendo perguntas evasivas sobre a vida pessoal delas.

No entanto, assim que pego o controle para mudar de canal escuto a voz dele, desligo o fogão e sento para vê-lo.

─ Estamos aqui com o empresário Ricardo Linhares, que está na cidade e veio prestigiar a comemoração do aniversário da Casa do Baile. ─ A entrevistadora fala e posiciona o microfone para ele comentar algo.

─ É uma satisfação estar aqui. – A voz dele soa belíssima pela televisão. E ele está lindo em um terno azul escuro, provavelmente feito sob medida para ele, percebo o belo porte físico que ele tem.

─ Sabemos que você não frequenta muito à sociedade, poderia nos dizer o porquê? ─ A entrevistadora que está nitidamente se oferecendo a ele novamente posiciona o microfone para ele responder.

─ Não tenho motivo especifico, apenas não sou muito de festas. – Seu semblante deixa claro que não gostou da pergunta, porém ele responde com educação.

─ Se não gosta de festas, por que veio nesta? – Ela é só sorrisos para ele.

─ Não poderia deixar de comemorar o aniversário de um patrimônio da minha cidade, principalmente porque e você deve saber disso ─ fala lhe lançando um olhar questionador, ─ é minha mãe que está à frente de tudo e preparou essa belíssima festa. ─ Ficou claro que a entrevistadora não estava preparada para essa entrevista e não sabia desse detalhe.

─ Você é sempre visto sozinho, hoje você está sozinho? ─ Eu gostei da pergunta, mas ele não. Seguro a respiração aguardando a resposta.

─ Sozinho não estou, há inúmeras pessoas conhecidas aqui nessa festa. – Ele debocha da entrevistadora que rir para disfarçar o embaraço.

─ Eu quis dizer que você é sempre visto solteiro, hoje você está aqui solteiro, ou há alguma pretendente no recinto? ─ Ela pergunta praticamente se jogando em cima dele que se afasta com educação.

Minha barriga doí, acho que não vou suportar ouvir a resposta. Será que ele tem namorada, ou é casado? Eu não tinha pensado nessa hipótese.

─ Aqui no recinto impossível de haver uma pretendente, e solteiro sim. ─ Ele demonstra não ter paciência para esse tipo de comentário. ─ Se você me der licença, preciso cumprimentar algumas pessoas. ─ Ele acena com a cabeça e faz menção de sair, a entrevistadora o segura levemente pelo braço.

─ Só mais uma pergunta. Seu coração está livre? – Que audácia dessa mulher, ele balança a cabeça negativamente, suspira fundo e se prepara para se afastar, porém volta e olha para a câmera.

─ Meu coração sempre foi livre, mas hoje ele experimentou um sentimento inédito, e eu pretendo explorar esse sentimento o mais rápido possível. ─ Eu engulo seco, será que eu ouvi isso?

─ E você pode nos dizer por quem você experimentou esse sentimento? ─ a entrevistadora percebe que não terá chances e o ironiza a pergunta.

─ A única certeza que lhe dou é que não foi por você ─ responde e sai de perto dela, a mesma finge que não ouviu o que ele disse e parte para o próximo entrevistado e eu já não presto mais atenção.

Será que esse sentimento inédito foi por mim? Por que ele disse isso na televisão? Ele me pareceu ser tão reservado quanto sua vida particular. Será que me enganei sobre ele? Minha cabeça começa a fomentar conclusões e novas dúvidas, mas me lembro do que combinei comigo mesma. Respiro fundo na tentativa de afugentar um sentimento que insiste em se mostrar dentro de mim e decido esquecer o assunto mais uma vez.

Ou ao menos tentar esquecer.

─ Com certeza ele estava falando de você ─ Clarinha diz se aproximando e não quero falar sobre o assunto. Sou salva pelo choro de Sophia.

─ Meu bebê acordou. Vou vê-la. ─ Saio o mais rápido possível de perto dela para evitar ouvir qualquer coisa que se relacione a ele.

Volto a cozinha com Sophia no colo para preparar sua mamadeira e torço para que Clarinha não toque mais no assunto.

─ Sei que você quer fugir desse assunto Eva, te conheço ─ fala, e conhece mesmo, eu penso.

─ Você acertou. Não vale a pena falar de algo imaginário ou improvável.

─ Desde quando você passou a ter baixo auto-estima? Você sempre evitou se relacionar por achar que nenhum cara até hoje atende seus requisitos tão exigentes, mas nunca a vi rejeitar alguém por achar que não atende aos padrões dele ─ dispara sua sinceridade habitual e ela está certa. Nunca fui assim, mas também nunca me interessei de verdade por alguém. Sempre encontrava algo que desabonava qualquer pretendente que se apresentasse.

─ Você é linda Eva, e você sabe disso. – Ela insiste em falar sobre isso.

─ Beleza não é tudo Clara, um dia acaba ─ digo levantando as sobrancelhas, como faço quando acho que estou certa.

─ Ok, não é só beleza, mas simpatia, doçura, inteligência, você tem inúmeras qualidades amiga. Seu único defeito é ter medo demais de amar e se decepcionar.

─ Não tenho medo da decepção Clara. Não tenho segredos com você, eu tenho medo do abandono. De perder mais alguém, seja deliberadamente pela vontade dele ou porque faz parte do meu destino ─ explico e agora que comecei não vou mais parar. Sento meu bebê em sua cadeira de alimentação e continuo. ─ Duas pessoas tão diferentes, de realidade tão opostas não tem como dar certo. Pensa se um cara como ele vai assumir um relacionamento com uma mulher com duas filhas? Ele pode ter quem ele quiser. E eu não estou disposta a ser só mais um casinho na vida dele.

─ Mas você o quer? – ela pergunta o que eu não quero assumir em voz alta, mas como eu não sei esconder nada dela, não temos segredos uma com e a outra.

─ Quero e muito. Não parei de pensar nele desde o momento em que ele me deixou aqui, o que é totalmente ilógico para mim, como posso me sentir assim se não o conheço? Penso que pode ser só uma atração passageira, daquelas que você me conta que passa logo. ─ Essa é minha esperança.

─ Vindo de você Eva, duvido que seja algo passageiro. E pelo que ouvi dele na televisão, o sentimento é reciproco.

─ Será Clara?

─ A melhor coisa é esperar, não se precipite com opiniões fundadas em preconceitos, ok. Algo me diz que ele vai te procurar e quando isso acontecer escute o que ele tem para lhe dizer.

─ Clara, você se esqueceu de um detalhe.

─ Qual?

─ Minhas filhas.

Ela respira fundo, isso quer dizer que lá vem palavras duras e verdadeiras.

─ Elas não são suas filhas.

                         

COPYRIGHT(©) 2022