Capítulo 3 Minhas amigas

A corrente elétrica desse contato me surpreende e fico sem reação. Retiro minha mão e o olho para saber se percebeu minha reação.

Ele está conturbado também.

Quando me viro para sair ele me segura pelo braço.

─ Meu motorista chegou. Vou te levar para casa ─ diz aliviado.

Vejo um carro preto chegando e parando bem próximo a nós. Será que vou?

─ Entre, por favor. ─ Ele pede fazendo gesto gentil com as mãos após abrir a porta.

Decido entrar e ver onde vai dar essa história.

─ Para onde vamos, Sr. Ricardo? ─ pergunta o motorista olhando pelo retrovisor.

─ Qual o seu endereço? ─ pergunta e agora sou eu que sinto alivio, é um bom sinal, se ele estivesse mal-intencionado não perguntaria meu endereço já que me encontro dentro do seu outro carro. Informo meu endereço a ele e espero sua próxima pergunta ou comentário.

─ Além de fazer doces, você tem outra ocupação, outro trabalho? ─ ele muda de posição ficando quase de frente para mim.

─ Sim, tenho. Sou professora, aceito encomendas de doces para complementar minha renda. – Sorrio ao responder.

─ É uma profissão bonita, tenho boas lembranças das minhas professoras. – Parece se lembrar de quando era estudante e sorrir. Como pode ficar ainda mais bonito? Me perco por um minuto em sua bela aparência. Mas ele já está falando novamente. ─ Qual matéria você ensina?

─ Sou professora de educação infantil, sou formada em pedagogia ─ digo com orgulho da minha profissão.

Ele novamente sorri.

─ Seu papel na vida das crianças é de fundamental importância, penso que é na educação infantil que se inicia a influência positiva ou negativa do desenvolvimento educacional. Além de outras habilidades que se deve ter para prender a atenção das crianças. ─ Por essa eu não esperava.

─ Vejo que é um conhecedor no processo educacional.

─ Essa é uma das minhas preocupações diárias, Evangeline. A educação é a base para sabermos cuidar da nossa saúde, sabermos nos relacionar, nos respeitar, cuidar da parte financeira e outras inúmeras questões. ─ Meu queixo cai de novo.

─ Concordo plenamente, a educação é a base para a evolução social. E para mim, especificamente, ensinar é um ato de amor. ─ Mas e você? Trabalha com o quê? ─ pergunto.

─ Tenho uma empresa que atua em diversos setores, sendo superficial, somos um holding que controla participações em diversas empresas de infraestrutura nacionais e algumas empresas multinacionais.

Parece bem importante o que ele faz.

─ Qual é o nome da sua empresa? – pergunto.

─ Linhares e Cia.

Agora me lembrei de onde o conheço, quer dizer, de onde já ouvir falar dele. Ele é o empresário Ricardo Linhares, lembro de ter assistido algumas entrevistas com ele sobre alguns projetos sociais e participações em eventos importantes no país, li uma vez que ele fez fortuna mesmo sendo de uma família rica. Me sinto ainda mais constrangida por este homem, antes pela sua imponente presença, sem falar de sua beleza, agora pelo fato dele ser um dos homens mais influentes do país.

─ Está tudo bem? ─ pergunta me fitando diretamente.

─ Está sim ─respondo sem muita convicção. ─ O que faz em minha cidade?

─ Sua cidade? ─ ele sorri ao perguntar. ─ Além de ter nascido e aqui ter minha residência fixa, meus pais moram na cidade e sempre que posso venho vê-los.

Eu não sabia disso! Olho em volta e vejo que já estamos chegando ao meu bairro.

─ É muita gentileza me trazer em casa.

─ Queria ter esse tempo a mais com você.

─ Por qual motivo? – Minha surpresa reflete na minha pergunta. Até o momento não consegui descobrir se ele está dando em cima de mim ou se está com tempo ocioso e sem o que fazer, o que parece ser improvável.

─ Não sei ao certo, mas algo me diz que você é uma pessoa rara de se encontrar, quero ver se estou certo.

Eu, uma pessoa rara? Acho que não! Enfim, devo parecer um ser de outro planeta para despertar a curiosidade de outra pessoa.

─ Acho que vai se decepcionar. Sou uma pessoa comum, como tantas outras. Minha vida é simples e sem tanta emoção para despertar a curiosidade de quem quer que seja.

─ Acredite Evangeline, sei do que estou falando. Fatos que ocorreram em minha vida me tornaram especialista em conhecer e reconhecer pessoas do bem e do mal, interessantes e desinteressantes e tantos outros adjetivos e seus antônimos. E você se enquadra na parte do bem e interessante, o restante eu quero descobrir.

─ Que avaliação direta e sem muitos critérios, você não sabe nada sobre minha vida, minhas dificuldades e alegrias. O que você sabe trata-se de uma análise superficial feita em uma situação pós-traumática de um acidente de carro. – É melhor parar por aqui. Apesar de sua análise ter sido boa, não me senti confortável de ser avaliada.

─ São em situações de estresse que a maioria das pessoas se mostram. Estou certo em meu julgamento, disso eu tenho convicção. ─ ele fala olhando no fundo dos meus olhos e eu me arrepio.

─ Mesmo que seja a verdade, você não tem o direito de querer me estudar ou avaliar. ─ Neste momento quero descer desse carro o mais rápido possível, ele me constrange ao mesmo tempo que sua aparência e perspicácia me incomodam e me deixam desorientada. E não quero nem pensar no que senti ao vê-lo, deve ser devido ao acidente.

─ Não se sinta avaliada ou estudada, apenas quis conhecê-la um pouco mais, se isso a constrange ou a incomoda, não irei mais faze-lo.

Opa! Isso me incomoda muito mais. Quero que ele pare, mais também quero que continue? Devo ter batido a cabeça no acidente.

─ De qualquer forma estamos chegando a minha casa. Aproveito para lhe agradecer pelas providencias tomadas e pela carona.

─ Sei que nos veremos outras vezes Eva e aguardarei ansiosamente por isso. ─ Se despede com um beijo no rosto ao mesmo tempo em que o motorista estaciona em frente à minha casa.

─ Adeus Ricardo.

─ Até breve Eva.

Outra frase cheia de promessas. Fico aliviada em sair de perto de sua presença, mas o estranho é que queria ter esse incomodo mais algum tempo.

O que será isso? Nunca me senti atraída e nem intimidada por alguém por ser tão bonito, já conheci outros rapazes bonitos e esse sentimento nunca apareceu. Está certo que sua beleza é fora dos padrões normais, além da imposição que sua presença causa, mas me portar como uma adolescente é inadmissível.

Desço do carro, a porta já estava aberta pelo motorista. Olho para trás e o vejo me encarando.

Aceno e começo a busca pela minha chave. Por que não a guardo sempre no mesmo bolsinho da bolsa?

─ Precisa de ajuda? ─ pergunta e me oferece o sorriso mais encantador

─ Não obrigada. Já encontrei minha chave ─ falo sacudindo a mesma à minha frente. ─ Tchau Ricardo!

─ Não vai me convidar para entrar? ─ Ouvi isso? Ele quer entrar? Por qual motivo? Bem de qualquer forma, isso não será possível.

─ Fica para outro dia, tenho outros afazeres, e não poderei lhe dar a atenção necessária ─ falo devagar para não ser traída pela minha real vontade.

─ Bom, quem sabe então outro dia. ─ disse sem graça, como ele é expressivo!

─ Sim, quem sabe outro dia. Agora preciso entrar. ─ Aperto sua mão pela última vez. ─ Obrigada de novo.

─ Disponha Eva, até mais. ─ se despede. Por que ele insiste em dizer até mais, como se fossemos nos encontrar novamente?

─ Até. ─ Me viro e entro no portão da minha casa, ao fechá-lo escuto o barulho do carro partindo.

Finalmente consigo respirar. Meu Deus! O que foi isso tudo? Que dia mais louco. Ainda tenho que ver o saldo disso tudo, porque estou sem carro, ao menos temporariamente, falta saber se a cliente aprovou os doces providenciados por ele. E ele, será que realmente isso aconteceu? Esse homem estava interessado em mim? Acho que não, ele mesmo disse que não tinha interesse em me cortejar ou qualquer outra coisa. Ele disse gostar de histórias, mas a minha? Ele pode ser um louco, um psicopata.

E aquele sentimento que tive quando nossos olhares se cruzaram? Pode ter sido pela sua aparência? Acho que não! Mas deixa pra lá, passou! Pelo menos não terei que lidar com ele novamente até a entrega do carro, as vezes nunca mais, ele pode cair na real e pedir ao motorista para cuidar desse pormenor.

É melhor entrar e ver como anda as coisas com as meninas.

Mal abro a porta e Carolina vem correndo ao meu encontro.

─ Mamãe, mamãe, que bom que chegou. Podemos brincar agora? ─ Carol tem 04 anos e é linda, pele clarinha, cabelos negros lisos e olhos castanhos claros, é muita esperta para idade e aparentemente muito feliz, mesmo tendo passando por tantas coisas traumáticas em tão tenra idade.

─ Ei princesa! Nós vamos brincar muito hoje. ─ É difícil resistir aos seus encantos, dou-lhe um abraço bem apertado que ela solta e volta a brincar com suas bonecas.

─ Você chegou? Não ouvi o barulho do seu carro, devo estar com problemas de audição já que barulho alto é o ponto forte dele. ─ Clara, minha amiga e babá nas horas de aperto chega trazendo Sophia no colo.

─ Vejo que está de ótimo humor hoje! Oh me dá minha bonequinha. ─ Sophia sorri e estende seus bracinhos para eu pegá-la. Sophia tem 1 ano e se parece muito com a irmã, seu cabelinho também é negro e liso, com um corte chanelzinho que a deixa uma graça, combinando com sua meiguice natural.

─ Ah não, já estávamos melhores amigas. ─ Clara sorri, visivelmente encantada pela minha doce Sophia.

─ Como foi a entrega, deu tudo certo? ─ pergunta Clara.

─ Bem, não consegui chegar à casa de festas. Sofri um acidente no caminho. Um carro colidiu com o meu e minha encomenda está estraçalhada pela via neste momento.

─ Acidente? Por que não me ligou? Você está bem? Machucou? ─ Vejo que ela ficou preocupada e eu realmente não me lembrei de ligar para alguém.

─ Nossa! É mesmo, poderia ter te ligado, mas foi tanta loucura, tanta informação que nem me lembrei. ─ Finalmente consigo me sentar um pouco e fico alisando o cabelo da Sophi que está com carinha de sono. Consulto as horas no celular, são 13:45, o tempo voou. ─ Está na hora do cochilinho dela ─ falo, mas reparo que Clara mudou sua fisionomia.

─ Eu estou bem e não me machuquei. Já meu carro, ficou um pouco pior do que já era. ─ Tento descontrair o ambiente, Clara parece chateada pela minha falta de consideração. Ela é estudante de medicina, vai se formar este ano e se especializar em pediatria, ela tem um dom natural para cuidar de crianças, e as vezes acha que eu sou uma criança.

─ E onde está seu carro? Como você veio para casa?

─ Meu carro foi para oficina e vim de carona com o cara que bateu no meu carro. ─ Estou rindo por dentro, sei que ela está processando a informação e no final vai ficar chocada com o que fiz e me dar uma bronca.

─ Eva, você já ouviu falar que não se deve pegar carona com estranhos? Você sabe o risco que você correu? – Ela está ficando brava, é melhor eu contar logo a história. ─ Isso foi muito irresponsável Eva!

─ Calma Clarinha, ele não era bem um desconhecido. – sorrio pra ela.

─ Como assim? Fala logo! Quem é ele? Eu o conheço? ─ ela intercala uma pergunta a outra, quase sem respirar.

─ É provável que tenha ouvido falar dele, Ricardo Linhares, ele é empresário e sempre está nos noticiários.

─ Amiga, estudo medicina, não tenho tempo para noticiários. Deixa eu pesquisar. ─ ela pega seu iphone e começa a busca. ─ Eva, esse gato te deu carona? ─ Me mostra a foto ela já achou. – Deixa eu ler; aqui diz que ele é um empresário bem sucedido, está na lista dos homens mais ricos do país além de ser um solteiros bem cobiçado. – Ela deixa o iphone de lado e me olha. ─ Isso não faz dele um conhecido, não é porque ele é notícia que automaticamente é confiável. Você deveria ter me ligado e contado o que aconteceu antes de entrar no carro dele. ─ conclui cruzando os braços e as pernas.

─ Você tem razão Clara, não podia ter agido dessa forma, me desculpe. ─ Olho para as minhas meninas, realmente arrependida de não ter ligado para ela.

─ Mas já que deu tudo certo, me conta como tudo aconteceu. ─ Ela mudou seu humor e agora está curiosa. Conto quase tudo para ela, não quero me entregar e contar que me senti atraída por ele.

─ Você está brincando comigo? Ele, o Ricardo Linhares, este homem lindo que eu acabei de ver a foto, deu a entender que está interessado em você, quis entrar e te conhecer melhor e você recusou? Tem certeza que não bateu a cabeça? ─ Agora ela está irônica. Voltou ao normal, eu diria.

─ Ele me deu carona pelo fato de ter destruído meu carro e meu trabalho, quanto ao resto é como ele mesmo disse, apenas gosta de boas histórias. E eu não tenho uma boa história ou qualquer outra coisa para oferecê-lo ─ digo rápido para não deixar dúvidas no ar. – E você já viu como ele é gato? Nunca se interessaria por mim? – falo abaixando o olhar.

─ Não concordo ─ diz Clarinha. ─ Primeiro porque você tem uma história incrível, dificilmente alguém faria o que você fez e faz, e em segundo lugar, você sempre foi uma das mais garotas mais bonitas da escola e que pelo que sei da faculdade. Nunca te faltou pretendentes.

Realmente eu era muito cobiçada, sei que tenho uma beleza natural, ao menos era o que me falavam. Sou morena clara, meus cabelos são negros lisos e pesados, e meus olhos tem cor de mel, tenho covinhas na bochecha que sempre chamaram a atenção. Apesar disso, nunca fui convencida ou me aproveitei desse fato, para falar a verdade, só tenho a beleza, porque estilo para arrumar ou vestir passam longe de mim.

─ Sobre a história incrível, acho que outras pessoas fariam o mesmo no meu lugar, pois trata-se de família e família é tudo, certo? Quanto a pretendentes realmente sempre apareceram, mas sumiram ao saber da minha incrível história ─ falo a verdade com um tom de ironia no final.

─ Eva, você nunca se apaixonou, te falo isso porque sou sua amiga. Acho que se você tivesse demonstrando interesse em qualquer um desses pretendentes, eles teriam investido. – Clara sempre pensa o melhor das pessoas.

─ Só que eu tenho duas meninas. Como elas ficariam depois que a aventura com a mãe delas acabasse? Mais um abandono? Mais um trauma? Como ficaria minha Carol? – Sofro só de pensar no sofrimento e angustia da minha pequena. ─ Entenda Clara, tenho que pensar em cada passo que dou, não sou mais sozinha, tenho minhas responsabilidades. Não conseguiria viver sabendo que provoquei qualquer dor ou desconforto emocional as meninas.

─ Sei disso Eva, mas você se fechou para o mundo ninguém entra e ninguém sai. Você nunca se permitiu amar e depois das meninas, você se trancou mais ainda. – Ela chega perto porque estamos quase sussurrando, Carol não precisa ouvir essa conversa; Olho e vejo que ela ainda está entretida com as bonecas. ─ Você não pode se anular dessa forma, você precisa viver.

─ Mas eu vivo. Trabalho, passeio, fico em casa, tudo o que qualquer pessoa faz. Que mal há em querer viver sozinha, sem um companheiro?

─ Você trabalha com crianças, passeia e fica em casa com suas crianças, realmente vive, mas não a vejo fazendo nada por você mesma.

─ Não é hora de pensar em mim, meu foco são as meninas, não posso falhar. Vivo e luto todos os dias para dar o melhor para elas. Minha hora vai chegar e eu sei disso. – Aquela sensação de que algo bom vai acontecer hoje volta, e eu seguro para não rir e ter que explicar a Clara.

─ Tomara que chegue antes de você completar cem anos. ─ Ela respira fundo, a conheço bem para saber que está tomando coragem para falar algo que pode me magoar. ─ Você melhor que ninguém sabe a importância de se viver bem dia após dia. Suas perdas foram inesperadas e súbitas, por isso você tem a obrigação de viver como se fosse o ultimo dia.

Não quero entrar nesse assunto, é doloroso demais. Me levanto com Sophia adormecida em meu colo em direção ao seu berço.

Quando retorno vejo que Clarinha não desistiu do assunto.

─ Você precisa viver ─ ela fecha os olhos, lá vem palavras fortes, eu só espero o impacto. ─ Você precisa se lembrar que você está viva, você não se foi com eles.

            
            

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