Capítulo 2 Primeira impressão.

Em minha frente vejo um homem alto, pele clara, cabelos castanhos claros e olhos deslumbrantemente verdes, ele é simplesmente lindo e muito bem vestido.

Ele me repara também e seu olhar impõe sua presença. Quando nossos olhares se cruzam, eles se fixam e eu sinto uma emoção explodir em mim, é como se eu tivesse procurado por aquele olhar por anos e finalmente o tivesse encontrado.

Fico totalmente desconcertada por essa emoção e intimidada pela sua presença e beleza.

Ele ameaça dizer algo, mas balança a cabeça em negativa demonstrando estar incomodado com alguma coisa, fico observando e ele parece se recuperar e volta a me olhar.

Desvio o olhar ao me lembrar da encomenda perdida. Recupero a razão! Não vou deixar a beleza desse projeto mal-acabado de piloto me distrair ou me abalar, minha missão nesse momento é esbravejar minha raiva e frustração nele, além de fazê-lo pagar pelo conserto do meu carro.

─ Você está bem? ─ a voz é sedutora e seu olhar é perturbador.

─ Não, não estou bem. ─ falo logo em seguida. ─ Afinal além de destruir meu carro, você conseguiu destruir meu trabalho. ─ Minha voz sai estridente, droga! Tento me recompor. ─ O que aconteceu? ─ apelo para meu lado humano, afinal ele também sofreu um acidente.

─ Acho que meu pneu estourou. ─ ele explica. ─ Esse carro é novo, por isso não estou habituado com ele e ao tentar pará-lo, eu não sei o que aconteceu que ele começou a rodopiar e colidiu com o seu. ─ ele me pareceu sincero.

Só então percebo que ele estava dirigindo Land Range Rover novíssima. Conheço sobre carros, não por dirigi-los é claro, mas gosto de ver as novidades do mercado e sonhar que um dia terei um (sonhar não custa nada!), por isso sei que a versão à minha frente não é encontrada em qualquer concessionária da cidade.

─ É estranho que um pneu de um carro desses tenha simplesmente estourado. ─ Faço essa afirmação sem tirar os olhos dele e vejo que ele também sabe disso.

─ Você tem razão ─ ele fala quase que sussurrando e continua a me olhando fixamente. ─ Meu nome é Ricardo Linhares. Você é?

Conheço esse nome. De onde mesmo? Tento puxar da minha memória enquanto respondo sua pergunta.

─ Evangeline. ─ Por que mesmo estou envergonhada? ─ Mas me chame de Eva. – O quê? Eu disse isso mesmo? Só faltava essa. A minha boca agora tem vida própria. Quero que ele se sinta desconfortável com a minha presença e não que pense que posso ser sua melhor amiga de infância.

─ Muito prazer Evangeline ─ ele fala de forma extremamente educada. ─ Sei que lhe causei grande transtorno, mas saiba que pretendo arcar com todo prejuízo, incluindo...hum...o que era aquilo mesmo? ─ ele pergunta apontando para a pista.

─ Eram doces, meu trabalho! – respondo. ─ E considerando que você foi responsável pelo acidente você não tem outra alternativa ─ respondo já me recuperando do impacto que sua presença causou.

─ Mais uma vez você tem razão Evangeline. ─ Ele sorri e eu quase me perco novamente em sua beleza.

─ E como faremos para você arcar com o prejuízo que você causou? ─ pergunto em tom provocativo, eu não sou assim, geralmente não, e não entendo a minha necessidade de querer afetá-lo de alguma forma.

─ Considerando a idade do seu carro e o fato do seu prejuízo ter sido com doces, você há de convir que não seja muito difícil pagar pelos estragos. ─ retruca com um sorrisinho irônico e entendo que ele está devolvendo a provocação.

Minha vontade nesse momento é de dispensá-lo, mas não posso. Apesar de o meu carro ser um pouco velho, uma Parati 2002, apesar de que estava em bom estado até esse acidente, eu não tenho a menor condição de pagar pelo conserto, e os doces terão que ser ressarcidos, então o melhor agora é manter a tranquilidade e ser o mais cordial possível. Ele se mostrou responsável em arcar com o estrago, creio que não precisarei ficar discutindo ou provocar algum atrito.

─ Parece que agora é você que tem razão. ─ respondo o mais afável possível. Espero que ele permaneça com a mesma boa vontade demonstrada, farei o possível para não irritá-lo.

─ Geralmente eu tenho razão em minhas conclusões. ─ Como alguém pode dizer isso e parecer quem realmente tem razão?

─ Ter razão em conclusões baseada em fatos e dados lógicos não é muito difícil para uma mente treinada e afinca a detalhes. ─ Eu também sou boa com palavras.

Ele começa a rir.

─ Parece que você também possui essa habilidade.

─ Digamos que minha habilidade é muito mais intuitiva.

─ E sua intuição diz o quê sobre este momento? ─ Ele está se divertindo.

─ Diz que é muito surreal duas pessoas que acabaram de se conhecer após um acidente de carro estar discutindo sobre habilidades pessoais em vez de resolverem o problema em questão.

─ Isso realmente não seria comum para duas pessoas normais e sem traços de personalidades comuns. ─ Ele não desvia seu olhar de mim, é como se me estudasse.

─ É muito precoce achar que temos traços de personalidades em comum e creio que seja algo que jamais vamos descobrir. ─ decreto que não nos veremos outras vezes, apesar de ter dúvidas sobre o que eu quero agora.

─ Como você disse antes, não é comum um pneu como o daquele carro ter estourado. Isso não lhe diz nada? Sua intuição não lhe diz que isso teria que acontecer? Afinal, meu carro poderia ter batido em qualquer outro. ─ Que olhar é esse? Ele parece ler minha alma.

─ Acredito em intuição e destino, mas acredito também em fatalidade, algumas coisas acontecem porquê tem que acontecer. ─ É verdade, apesar de eu acreditar que o destino interferiu, mas não vou admitir isso para ele!

─ E eu acredito em oportunidades Evangeline. E vejo aqui uma ótima oportunidade de uma boa conversa, um bom diálogo ─ ele fala e eu não entendendo aonde ele quer chegar.

─ Não vejo como duas pessoas podem ter uma boa conversa no meio de uma via após um acidente ─ creio ter terminado a nossa conversa maluca.

─ Você está certa. Vamos resolver nosso problema e depois vemos como ficamos. ─ fala com total segurança.

─ Como assim, o que você quer dizer com "como ficamos"? ─ tive que perguntar.

─ Não é nesse sentido, minha conclusão sobre este acontecimento me diz que seremos amigos, a meu ver você é uma pessoa que não posso deixar passar em minha vida sem conhecer melhor ─ responde com convicção e sei que meu semblante está entregando a minha decepção.

─ Realmente não espere qualquer outra coisa de mim, não tenho interesse em me envolver com quem quer que seja. ─ Minha boca é mais rápida que meu cérebro, não devia ter dito isso, soa presunçoso demais, porém ao olhar para ele vejo também um traço de decepção, será que ele teve a mesma percepção que eu ao vê-lo? Será que ele sentiu o mesmo que eu senti? Bem, creio que não e não vou voltar atrás sobre meu interesse por ele, minha vida é complicada demais para deixá-lo entrar.

─ Vamos trocar nossos números de telefone e quando você tiver um valor peço que entre em contato. – Ele ficou mais sério.

─ Ok, faremos assim, no entanto não posso deixar minha cliente com esse prejuízo, hoje é aniversário do filho dela e festa de criança sem doces, não é festa.

─ Qual o endereço da festa e qual era a encomenda? ─ ele mal espera a resposta e já liga para alguém.

─ Como vai? Te enviei uma lista de encomenda de doces – parece que foi interrompido. ─ Isso mesmo, encomenda de doces! Algum problema? – ele fala com muita segurança e autoridade, mas de forma extremamente educada. ─ Devem ser entregues no endereço indicado ainda hoje até as 12:00. Quero ser informado assim que concluir o trabalho. Obrigado!

─ Parece que além de razão, você também tem muita autoridade. ─ Tento voltar a conversa anterior, não gosto de deixar as pessoas desconfortáveis.

─ Sim, tenho quer ter. Tenho que ser um bom líder para meus funcionários e isso consiste em saber solicitar ou mandar, sem deixar dúvidas no que deve ser feito, e uma das formas de se conseguir isso é tendo autoridade ou propriedade do que se diz. ─ Fiquei impressionada.

─ Bem, agradeço a agilidade para resolver o problema ─ falo realmente agradecida. ─ Já trocamos nossos telefones, te ligo assim que tiver feito alguns orçamentos para o conserto do meu carro. ─ Estendo a mão com a intenção de me despedir, mas ele não retribui o gesto.

─ Espere! Precisamos nos certificar que seu carro ainda anda. ─ Noto sua preocupação. Ele coloca o dedo indicador na boca, no que será que ele está pensando?

─ Vou fazer melhor. ─ ele pega o celular novamente. ─ Mande dois reboques para a rodovia 381 km 48. Isso! O pneu no meu carro estourou e eu colidi com outro carro. ─ Parece que a pessoa do outro lado o interrompe. ─ Eu sei disso, mas veremos isso depois! ─ Entendo que não fui a única a estranhar o fato do pneu ter estourado. ─ Só mais uma coisa, preciso que você venha me pegar. Obrigado.

─ O que você fez melhor? ─ pergunto me referindo a sua decisão recém tomada sem me consultar.

─ Não vou esperar seus orçamentos, vou mandar seu carro para uma oficina de confiança e o entregarei novo em folha, se é que isso é possível. ─ ele volta a sorrir.

─ Dispenso sua ironia, Ricardo. Meu carro pode ser velho, mas é com ele que me desloco pela cidade e eu preciso muito dele. ─ Olho a hora e apesar de algo em mim querer permanecer ali, sei que preciso ir embora, tenho outras responsabilidades. ─ Agradeço mais uma vez sua iniciativa e espero seu contato assim que tiver tudo resolvido. ─ Estendo minha mão mais uma vez e ele não retribui o gesto, chateada abaixo minha mão e viro as costas com a intenção de ir embora, apesar de não ter ideia de como vou fazer para voltar para casa.

─ Onde você acha que vai, Evangeline? ─ Sinto um frio na barriga e me viro novamente e vejo que ele estava me admirando.

─ Para minha casa.

─ Vai ser difícil sair daqui sem carro. Meu motorista está chegando e lhe levarei aonde você quiser. ─ Ele termina a frase com tom sedutor, o que me dá a entender que há muitas insinuações ali, ao menos na minha perspectiva.

O desejo de aceitar a carona é grande, mas meu senso de responsabilidade me lembra que eu não o conheço e que pode ser perigoso aceitar carona de estranhos.

─ Como posso saber se você é confiável? ─ pergunto, minha segurança em primeiro lugar.

─ Não tenho intenção de cortejá-la Evangeline, achei que isso já estava claro. ─ Sinto um balde de agua fria caindo sobre minha cabeça.

Respiro fundo. Não posso deixar que ele perceba minha frustração. É claro que alguém como ele não vai cortejar alguém como eu.

─ Não foi isso que eu quis dizer. Cortejar é um verbo muito elegante para a pergunta que lhe fiz.

─ Não leve para o lado pessoal, mas nem cortejar nem seja lá o que você pensou, não é minha intenção ─ responde e sinto uma leve insegurança. Queria muito saber o que ele está pensando.

─ É qual é sua intenção? ─ espero ansiosa pela sua resposta sem ao menos saber o porquê da minha ansiedade.

─ Lhe dar uma carona, já que destruí seu carro, e além do mais gosto de conhecer pessoas e suas histórias. – Vejo que mente.

─ Minha história não é tão interessante e tão pouco atraente. Não temos o que conversar Ricardo. Desculpe a indelicadeza, mas tenho outras responsabilidades, Você já assumiu o conserto do carro e a entrega dos doces, agora preciso ir embora e posso fazer isso sozinha. Conversamos depois. ─ Nem eu entendo o que se passa em minha cabeça, eu quero e não quero.

─ Seja como você quiser. ─ Ele estende a mão sem muita vontade.

─ Até logo! ─ retribuo.

            
            

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