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Por mais que me machuque ouvir o que ela diz, no fundo eu sei que ela tem razão.
Em um prazo de seis anos perdi meus pais e minha irmã, ficando eu e minhas meninas; que na verdade não são minhas.
Quando eu tinha 16 anos, minha mãe que na época estava com 45 anos, descobriu um tumor em estágio avançado nas mamas.
Minha mãe era saudável, ela se cuidava e não sentia nada, até que um dia durante o banho sentiu um caroço em uma das mamas, do diagnóstico ao seu falecimento passaram-se apenas 1 ano.
Sofremos muito, minha mãe era a alegria da casa, sempre otimista e bem humorada.
Meu pai ficou arrasado, ele e minha mãe tinham um casamento invejável, pareciam namorados, após a morte dela ele ficou bastante debilitado, entrou em depressão, nitidamente não queria viver sem ela, assim dois anos depois ele faleceu decorrente problemas cardíacos.
Aos 19 anos eu estava órfã de pai e mãe. Sofri muito, minha irmã Beatriz que era dois anos mais velha se revoltou, parou os estudos e começou a andar com pessoas estranhas, eu não sentia confiança nelas.
Foi nesse período que conheceu o Murilo, não gostei dele assim que o vi, desleixado, agressivo, não a tratava bem. Acho que minha irmã se apegou a ele e o medo de perder mais alguém a cegou. Então ela ficou grávida e assim que soube o Murilo desapareceu.
Ela sofreu muito, mas se reergueu para cuidar da pequena Carol. Quase três anos depois ele reapareceu, fez promessas que a convenceram a aceita-lo de volta e por um descuido ela engravidou novamente, dessa vez ele ficou, mas a maltratava muito, tanto físico quando verbalmente.
Eu e outras pessoas conversamos muito com ela, e mesmo sendo constantemente aconselhada ela não o deixou, a gravidez foi complicada, ela estava instável emocionalmente o que refletiu em seu corpo, ela teve complicações no parto e faleceu.
E ao saber do seu falecimento, Murilo novamente desapareceu.
Aos 22 anos estava também sem minha irmã e minha maior herança foram Carol e Sophia.
Não tive dúvidas de que as assumiria, só não sabia como, aliás, a única certeza que eu tinha é que jamais procuraria o pai delas para cobrar qualquer coisa, dele eu queria distancia, para nosso bem.
─ Elas já perderam a mãe, minha irmã Beatriz, o pai como você mesmo sabe é um ausente e irresponsável. Pensa se me envolvo com alguém, elas se apegam e não dá certo, será mais um abandono. ─ Penso que estou certa em preserva-las.
─ Você tem razão em querer preservá-las, mas existe várias formas de você se dá uma chance sem envolve-las, eu estou sempre à disposição para ajudá-la e minha mãe também. ─ Clarinha e sua mãe Dona Sonia, me ajudaram quando minha irmã faleceu, eu não tinha a menor ideia de como cuidar de um bebê e ela se dispôs a me ensinar, e por fm Dona Sonia se apegou muito as meninas que a chamam de vovó.
─ Clarinha, você é minha melhor amiga, mas não vou abusar de sua boa vontade e nem da sua mãe. Vamos deixar esse assunto de lado, pois não vou vê-lo novamente mesmo ─ dou o meu desfecho do assunto.
─ Alguma coisa me diz que essa história com o Ricardo não acabou. – Ela dá aquele sorriso de quem tem certeza do que está falando.
Assim que coloco Sophia no bercinho, a campainha toca. Carol dá um pulo de susto e Clara se levanta para abrir a porta e já vai avisando:
─ É a Nicole, ela ligou avisando que vinha. ─ Ela abre a porta e as duas se abraçam.
Nicole, ao contrário da Clarinha, é muito autoritária, parece que nasceu para mandar e por algum motivo acha que manda em minha vida, mas fazer o que? Eu a adoro!
─ Eva! ─ ela me lança um olhar inquisidor. ─ o que aconteceu? Aqueles não eram seus doces, nem passavam perto de ser seus doces. Parece que foram comprados na padaria da esquina e que já estavam lá a uma semana.
─ Sinto muito Nicole, mas tive um acidente...─ começo a falar mais sou interrompida.
─ Acidente? Que acidente? Por que não fiquei sabendo? Você sabia Clarinha? – Ela se volta rapidamente para a Clara e eu tenho vontade de rir, as duas sempre foram um poço de ciúmes uma da outra.
─ Fiquei sabendo somente quando ela chegou em casa, e também achei um absurdo não ter sido avisada. – Clara a responde com um ar de indignação. Percebo que teremos um complô contra mim.
─ Não avisei porque não me lembrei, também sou humana e tenho direito a ficar transtornada quando sou atingida em plena rodovia – falo para as duas.
─ Você teria direito ao transtorno se não fosse o arrimo dessas duas princesas. Se lhe acontece alguma coisa, já pensou no que vai acontecer com elas? – Nicole sempre consegue acertar no meu ponto fraco.
Carol parece ouvir a conversa e chega mais perto para prestar a atenção.
─ Está tudo bem mamãe? – Pergunta fazendo carinho em meu rosto.
─ Está tudo bem, estamos apenas conversando - falo e sorrio ao mesmo tempo.
─ Aiaiai tia Nicole, vou ficar muito brava se você deixar minha mamãe triste. – Ela agora começou a querer cuidar de mim também.
─ Escuta aqui mocinha sabe o que faço com menina atrevida. – Nicole se levanta em direção a Carol que começa a rir. ─ Eu faço cocegas. – Nicole nem dá tempo dela correr.
Amo o som da gargalhada dessa menina. Me acalma e me relaxa mais do que qualquer coisa no mundo.
Ficamos eu e Clarinha vendo as duas se digladiarem em cocegas, e rindo junto com elas. Tenho sorte em ter essas duas amigas que sempre estão ao meu lado. Clara conheço desde criança, morávamos na mesma rua e desde que colocamos os olhos uma na outra ficamos amigas. Clara remete bem ao seu nome, tem a pele clarinha, cabelos louros claros e olhos azuis claros, ela é linda tem um ar de menininha e é simpática com todos, será uma excelente pediatra.
Já Nicole, era a melhor amiga da minha irmã, elas eram inseparáveis. Acho que depois o que aconteceu com a minha irmã, a dor que sentimos nos uniu. Ela é o contrário da Clara, é um mulherão, alta e morena. Seus cabelos são cacheados e negros. Olhos negros e expressivos. Chama a atenção por onde quer que passe, além de ser vestir muito bem.
Assim que Carol volta a brincar sozinha Nicole volta para perto de nós duas.
─ Me conta exatamente o que aconteceu. – Ela praticamente exige e eu conto tudo o que aconteceu e como aconteceu, e do mesmo modo que a Clarinha, ela se exalta.
─ Você quer me dizer que bateram no resto do seu carro e que o responsável era uns dos homens mais ricos e bonitos do país e que esse homem quis conversar um pouco mais e você recusou?
─ Ele com certeza se cansaria. Meninas lembrem-se que tenho duas filhas e que isso não é muito atrativo para os homens. Além do que nossas vidas são totalmente contrarias ─ pondero.
─ Primeiramente Eva, não acredite em tudo o que diz os jornais, revistas ou redes sociais. – Nicole senta na beirada do sofá e começa a falar. ─ Ele virtualmente pode parecer bem sucedido e feliz, mas a realidade pode ser totalmente diferente. Em segundo lugar, você não pode julgar ninguém sem conhecer, sem saber dos seus sonhos e vontades.
─ Gente! É a Nicole falando? Até se parece comigo. ─ Clara rir de si mesma.
─ Clarinha, você não é a única com bom senso. ─ Nicole rebate.
─ De qualquer forma já passou a oportunidade e pelo que penso não o verei novamente. – apesar de querer o contrário, mas é claro que não digo isso em voz alta, seria meu decreto a dias de conselhos e sermões.
─ Evangeline, você gostou dele! – Para minha surpresa quem diz isso é Clara.
─ Gostou? ─ Nicole se surpreende.
─ Sim. Você não vê como ela se incomodou pelo fato deles não se verem mais? – Clara me entrega de bandeja.
─ Olha, o fato de ter gostado dele ou não, não faz a menor diferença, eu não o verei mais e pronto – falo palavra por palavra devagar para não deixar qualquer dúvida.
─ Mas é um avanço você finalmente assumir que gostou de alguém. – Nicole fala se jogando para trás no sofá. – Isso merece uma noite de conversa a base de um bom vinho.
─ Aqui em casa o máximo que você vai achar é um bom leite. ─ Começo a rir da minha estupida piada. ─ Por falar nisso, as meninas comeram?
─ Comeram sim. Tem um supermercado que entrega em casa, tenho o número no meu celular – Clarinha fala já consultando o aparelho.
─ Vamos aproveitar e pedir algo que adultos comam, sopas ou mingaus não abre muito meu apetite. ─ Nicole emenda, elas estão se deliciando com a piada.
─ Isso quer dizer que terei as duas só para mim hoje, em pleno sábado? O que aconteceu com as festas e baladas imperdíveis? ─ Tento ser debochada também.
─ Amiga, você apaixonada é o evento de todos os momentos. ─ Nicole debocha da situação.
─ Não estou apaixonada. Confesso que ele me interessou, mas não vai passar disso. Somos de mundos totalmente incompatíveis. Além do mais, tenho outras prioridades e não vou perder tempo com romancinhos – decreto minha posição.
─ O problema é que você sempre tem uma desculpa para não se envolver com alguém. ─ lá vem Clarinha me entregando. ─ Antes eram os estudos, o trabalho e agora são as meninas. ─ Arregalo os olhos para ela, mas ela não para. ─ Concordo que agora você tem as meninas, mas você não precisa parar sua vida por isso e nem usá-las como desculpas. Um dia elas crescem e o que você vai fazer da vida, qual desculpa você vai dar? – Clarinha pegou pesado.
─ Quando elas crescerem vou continuar sendo a mãe delas, isso não vai mudar – digo.
─ Sei que não vai mudar, mas você vai fazer o quê? Você precisa se dar uma chance, precisa experimentar o amor. – Clarinha engatou e pelo visto não vai parar.
─ Como assim experimentar? – Nicole é minha amiga, mas não conhece detalhes profundos da minha vida como a Clarinha. ─ Você já namorou, lembro da sua irmã falando que você finalmente havia encontrado alguém.
Mentira sempre tem perna curta.
─ Era mentira ─ Clara responde. ─ Ela falou que estava namorando para a irmã parar de pegar no pé dela por esse motivo.
─ Quer dizer que você nunca namorou? Nunca...─ Entendi o que ela está perguntando.
─ Não, ela nunca namorou, o máximo que fez foi beijar um garoto na faculdade. Elas se viram uma para outra, literalmente me excluindo da conversa.
─ Não acredito! – Nicole realmente parece incrédula. Começo a rir. ─ Como você consegue? – Pergunta se virando para meu lado, eu paro de rir no mesmo instante.
─ Não sinto falta do que nunca tive ─ respondo.
─ Acho melhor ligar logo para o mercado, preciso beber pra entender. ─ Nicole é sempre tão dramática.
Me levanto em direção a Carol, prometi brincar um pouco com ela. Quando começamos a brincar de quebra-cabeça a campainha toca novamente.
─ Alguém mais ligou e disse que vinha? – Pergunto a Clarinha.
─ Não – responde.
─ Não pode ser a comida, acabei de pedir. – Nicole volta a sala.
─ Vou ver quem é. – Clarinha vai até a porta.
─ Boa tarde, a Srta. Evangeline está? – Ouço a voz de um homem.
─ Quem é você? – escuto Clarinha perguntar.
─ Meu nome é Marcelo, trabalho para o Sr. Ricardo Linhares e vim trazer uma encomenda para Srta. Evangeline. – O que será que esse homem mandou. Vou até a porta.
─ Sou eu a Evangeline.
─ Boa tarde Srta. Evangeline. Vim lhe entregar essa encomenda a pedido do Sr. Ricardo Linhares. – Fala e me entrega uma caixa e um envelope.
─ E o que é? – Recebo e ao levantar a cabeça vejo que ele já está quase na rua. Me viro e vejo que Nicole e Clara estão atrás de mim.
─ Abre logo. – Exige a autoritária Nicole.
Abro primeiro o envelope, onde há um cartão simples, branco com a marca da empresa dele.
"Mais uma vez me desculpo pelo acidente. Pensei em lhe mandar doces, mas seria de péssimo gosto. Flores não teriam utilidade. Por isso e pensando no que me disse sobre a importância e utilidade do seu carro, resolvi lhe emprestar um dos meus até que o seu esteja pronto.
Não tente me questionar, fatos e dados concluem que estou certo em minha atitude. Até logo, Ricardo."
Abro a caixa e há uma chave de carro dentro. Olho para a rua e vejo um Corolla preto novo e lindo estacionado.
─ Esse homem é louco. Não vou aceitar, nem como empréstimo ─ protesto, não gostei da atitude autoritária. Ele pode mandar nos seus funcionários, mas não vai mandar em mim e no que eu decido.
─ Achei sensato da parte dele. Se seu carro tivesse segurado, a seguradora provavelmente lhe emprestaria um carro. Além do mais, ele tem razão em não deixar você sem carro, já que ele destruiu o que restava do seu.
─ Não tem graça Clarinha – digo.
─ Não estou tentando ser engraçada, mas é a realidade, você precisa do carro.
─ Concordo com a Clara, mas é muito estranho ele te emprestar um carro sem ter nenhuma garantia sua. Ele teve estar muito interessado em você.
─ Não Nicole. Esse homem acha que pode resolver qualquer coisa só porque tem dinheiro, e eu não vou aceitar. Interessado ou não em mim, ele não pode decidir nada. O mais sensato seria ele me ligar e perguntar primeiro. ─ Mal acabo de falar e meu telefone começa a tocar. Fico olhando sem coragem para atender, ainda estou nervosa com o atrevimento dele.
─ É ele não é? – Nicole pergunta. – Atende logo! – Nicole manda.
─ Não vou atendê-lo. O que ele vai querer agora? Meus agradecimentos?
─ Eva, deixa de ser cabeça dura, ele lhe fez uma gentileza e um favor. Qualquer um teria se contentado em pagar pelo conserto e pronto, sem se preocupar com a utilidade que o carro tem para você. – Clarinha sempre madura.
─ E lembra que você tem duas crianças e que já precisou sair correndo para o hospital com a Carol por causa de febre alta. – Nicole acabou com qualquer argumento que eu poderia ter.
─ Vou ligar para ele e agradecer – falo com mal humor.