Depois que voltei a minha mesa, após tentar confrontar a advogada da minha querida ex-esposa, chamei o Eduardo para ir embora, pois eu não tinha mais nenhum pouco de vontade de continuar ali, depois de toda a frieza com a qual aquela advogada me tratou e aquela noite já havia rendido muito mais do que eu pretendia.
Meu amigo, no entanto, ainda estava terminando sua refeição e como sempre acontecia, não parecia ter pressa alguma, como se ele tivesse todo o tempo do mundo e eu constatei, por toda a minha experiência com o Eduardo, que o melhor a ser feito era sentar novamente e esperar por ele.
Olhei para a mesa ao lado, para olhar mais uma vez para a pedante Danielle, e foi a tempo de ver que o casal estava se levantando e saindo do restaurante.
A expressão de entojo no rosto da advogada quase me fez rir, mas a irritação vendeu qualquer divertimento que eu pudesse sentir.
- Você por acaso teria tentado falar com a doutora Danielle ou foi impressão minha? - Eduardo perguntou, ainda comendo a sua refeição de modo tranquilo.
- Claro que sim. - Confirmei e ele fez uma careta de desagrado. - Ela precisa me ouvir, pois tenho certeza de que ela nem faz ideia do quanto a cliente dela é uma piranha.
- Se era sobre isso que pretendia falar com a Danielle, fico extremamente feliz que não tenha conseguido, então.
- Quem te disse que eu não consegui?
Ele quase se engasgou com a sua comida nesse momento e descansou os talheres ao lado de seu prato, me encarando com notável irritação.
- Você quer deixar as coisas ainda mais complicadas do que já estão, Miguel?
- Não entendo qual a complicação que pode haver em um divórcio. - Falei entediado, não acreditando realmente nas ameaças da minha ex-esposa.
Sabia que a Talita havia feito várias exigências para concordar em assinar o divórcio, mas eu não estava disposto a atender nenhuma delas e ponto, não existia a possibilidade de prolongar aquele processo, como ela acreditava.
Nós tínhamos nos casado com separação parcial de bens e nada cabia a ela da minha fortuna já estabelecida e a Talita estava bastante enganada se pensava que iria conseguir tirar dinheiro de mim.
Já bastava o casamento fraDaniado que tivemos, onde eu tive o desprazer de conviver com uma mulher mesquinha e fútil, que fingiu ser uma pessoa completamente diferente da verdadeira e que apenas a convivência no dia-a-dia fez cair a máscara e me mostrar a realidade dos fatos.
Logo que percebi quem ela era de verdade, através das suas ações e palavras, comecei a me distanciar e, quando, em uma de nossas tantas discussões, eu lhe disse que queria o divórcio, ela simplesmente surtou e se mostrou em toda a sua essência podre.
- Você pode se surpreender ainda mais com a sua querida esposa e eu sinto muito em ter que ser o portador dessa má notícia..
- Você é sempre tão sensitivo.
- Tenho alguns anos de prática em audiências, caro. - Eduardo confirmou sem se importar com a ironia contida em minhas palavras. - Isso me ajuda a conhecer melhor o caráter das pessoas.
Não reclamei com ele sobre não ter me avisado então sobre a Talita, por que ele não apenas me avisou, como também insistiu bastante que eu não deveria me casar com e foi também o responsável por eu ter optado pela separação parcial de bens.
- Pensei que você não iria terminar esse prato nunca. - Falei em tom de reclamação, quando enfim o observei terminar a sua refeição.
- Nos encontramos às oito em frente ao fórum?
- Por que tão cedo? - Perguntei em um tom exasperado. - Eu preciso mesmo estar nessa audiência? Você não pode fazer seu trabalho sem que precise da minha presença?
- Cara, você está precisando transar. - Eduardo falou com cínismo, rolando os olhos. - Esse seu jejum de sexo não está te fazendo bem. Você anda muito estressado e isso não será nada bom durante a audiência amanhã.
Ao ouvir a palavra sexo, me veio a lembrança a boca vermelha de lábios cheios e brilhantes da advogada arrogante, quando me ordenou rudemente que tirasse a mão de seu braço e fiquei ainda mais irritado por isto.
- E você acha mesmo que sexo vai resolver o meu atual problema?
- Pensando bem, não. Afinal, foi exatamente o sexo que te colocou nele.
Depois de soltar aquela pérola, Eduardo caiu na risada, me fazendo bufar mais uma vez com suas piadinhas sem graça. Mas concordei, apenas para mim, que ele não deixava de estar certo.
- Podemos ir? - Resmunguei.
- Claro. - Ele enfim levantou de seu lugar a mesa. - Amanhã será um dia bastante interessante. Não vejo a hora de estar em uma mesma audiência em que a outra parte é representada por Danielle Rocha.
- Eu, não. - Eu o contrariei, novamente me incomodando com o tom sonhador em sua voz, em todas as vezes que falava sobre a advogada da Talita.
Depois que cada um recebeu a chave de seu próprio carro, eu coloquei uma música romântica (não sei por qual motivo) e dirigi vagarosamente pelas ruas ainda bastante movimentadas da cidade.
Pensei novamente na advogada, a qual eu percebi, desde o primeiro momento em que a observei no restaurante, que me olhava com bastante desprazer.
Na verdade, ela parecia me olhar com verdadeira raiva, seria essa a forma correta de dizer.
Os seus olhares em minha direção foram aumentando de intensidade durante o tempo que a observei discretamente e, na mesma proporção, aumentam tanto o incômodo quanto a minha curiosidade ao longo da noite, pois eu não me recordava de quando estivemos em um mesmo ambiente, em uma outra oportunidade.
Mas ela, como na outra ocasião, parecia não gostar nenhum um pouco de mim. E aquilo não era nada bom e na situação atual, nada favorável a mim.
Cheguei na casa dos meus pais, local onde eu voltei a morar após a minha separação, deixando para a Talita a minha cobertura na Barra, a qual eu possuía desde antes do nosso casamento, ainda era cedo, considerando os meus horários de quando era adolescente, antes de decidir morar sozinho.
Eu havia pedido o divórcio e solicitado que a Talita saísse do meu apartamento, mas quando ela deixou bastante claro que não sairia de lá de forma alguma, assim como também não aceitava o pedido de divórcio, eu mesmo saí.
O fato é que eu não aguentava mais ver aquela mulher na minha frente e antes que chegássemos a um pouco ainda mais desgastante, era melhor ceder. Mas não o faria novamente, no entanto.
- Só chegou agora da empresa? - Minha mãe me perguntou, quando nos esbarramos no corredor que levava aos quartos da família.
- Não. Estava jantando com o Eduardo.
Aproximei-me da belíssima e ainda jovem mulher que era a minha mãe e dei um beijo breve em sua face, sentindo o perfume familiar de rosas.
- Deveriam ter vindo jantar conosco, querido. - Ela reclamou. - Seu pai está se sentindo muito solitário, agora que se aposentou. Não suporto o ver passar todo o dia no celular, tal qual um adolescente.
- Não vamos começar esse assunto novamente, mamãe. Foi este mesmo assunto que me deixou na atual situação em que me encontro.
Eugênia soltou uma sonora gargalhada mediante a minha clara insinuação, exibindo a sua personalidade exuberante e alegre que eu tanto amava.
- Ah! Não venha colocar a culpa de seus erros em nós, querido. Sabe que ninguém irá comprar essa sua história. - Respondeu ainda sorrindo e apertando a minha bochecha como costumava fazer desde que eu era apenas um bebê.
Sorri de volta para a minha mãe, pois ela estava certa. Eu estava querendo colocar a minha culpa em alguém e os meus pais eram ótimas pessoas para isso.
- Mas foi exatamente essa história, a de que vocês estavam sentindo falta de movimentação nessa casa, que precisavam de crianças correndo novamente por esses corredores, que me levou a casar com a primeira mulher que apareceu na minha frente, mamãe. - Eu usei a justificativa ainda assim.
- E você achou mesmo que a Talita iria querer procriar, Miguel!? - Minha mãe perguntou com incredulidade. - Meu amor, não se faça de bobo para a sua mãe. A única coisa que você pensou quando decidiu se casar com aquela mulher mesquinha e fútil, foi o quanto ela poderia te satisfazer sexualmente.
- Mamãe!
- Ah? Não me venha também com falsos moralismos. Nem combina com você, querido. A história verdadeira é essa e nenhuma outra.
A minha mãe era uma mulher que falava sempre aquilo que desejava e não pesava palavras para fazer isso. No entanto, era uma pessoa especialmente carinhosa e gentil com todos, sem distinção de pessoas e jamais poderia ser considerada má.
Ela costumava gostar de todo mundo, mas também sabia reconhecer uma pessoa maldosa apenas de olhar e eu deveria ter confiado em seu julgamento quando apresentei a Talita para ela. Como ela mesma apontou, a cabeça de baixo escolheu e a de cima aceitou, simples assim.
- Mas, voltando ao assunto. Convide o Eduardo para passar o fim de semana conosco, em Angra. - Mamãe falou, começando a caminhar em direção ao seu quarto, no final do extenso corredor.
- Vamos viajar neste final de semana?
Minha mãe tinha por hábito decidir a programação e todos nós tínhamos que aceitar as suas “sugestões” de lazer, pois ela sabia muito bem como conseguir que fizéssemos o que ela queria e não ousamos contrariar.
- Claro, querido. - Confirmou o que eu já havia deduzido. - Você está precisando se distrair. Tenho notado que você anda muito tenso nos últimos dias.
- Não tinha percebido ainda, mamãe. Será que é porque eu perdi minha cobertura, estou em processo de divórcio e a minha ex é uma megera? - Sugeri em tom sarcástico.
- Tudo bobagem, Miguel. - Ela falou sem ao menos se virar para me olhar e entrou no seu quarto. - Tenha uma boa noite de sono, querido - Ainda falou antes de fechar a porta.
Eu conhecia a minha própria mãe o suficiente para saber que ela estava sendo realmente sincera ao me desejar uma boa noite de sono, ainda mais quando eu não estava conseguindo atingir aquele feito há dias.
Mas Eugenia sempre falava em um tom de voz que deixaria algumas dúvidas àqueles que não a conheciam tão bem quanto nós, que éramos da família e aquele acabou sendo mais um dos problemas que eu tive, enquanto estava casado com a Talita.
A minha ex-esposa detestava a minha mãe e não fazia segredo daquilo, algo que me deixava bastante chateado, pois jamais iria aceitar que qualquer pessoa nesse mundo ousasse falar mal dela, muito menos alguém que estava ao meu lado na vida.
As queixas de Talita sobre a mamãe rendeu muitas discussões acaloradas entre nós dois, durante todo o tempo em que convivemos. Não sentia falta alguma dos meses que passei casado com aquela criatura mesquinha.
Afastei os pensamentos do passado e segui para o meu quarto. Após fechar a porta com força e tirar a gravata do meu colarinho, me joguei sobre a enorme e confortável cama de casal que havia no centro do cômodo, suspirando de insatisfação.
Precisava tomar um banho, mas estava me sentindo exausto nos últimos dias e imaginei que aquilo se devia a indignação constante que sentia por constatar o quanto errei ao entrar em um casamento com a Talita e ainda mais por não ter pedido o divórcio assim que percebi que aquilo não era o que eu desejava.
Pensar na Talita me levava a pensar também na sua advogada e a raiva aumentou, se é que aquilo era possível. A Danielle não parecia uma mulher boba, mas estava defendendo o lado errado daquela história e eu sentia que ela não tinha conhecimento de todos os fatos sobre a amiga, caso contrário, não o estaria fazendo.
Talita havia me dito que se eu insistisse em divórcio, ela faria da minha vida um verdadeiro inferno e eu já estava sentindo os indícios do quanto a sua ameaça era real, pois naquela tarde, antes do Eduardo chegar ao escritório, eu vi algumas matérias em sites de fofoca que poderiam me descredibilizar como um homem de negócios, tendo em vista o quanto os grandes empresários do país ainda eram, em sua maioria, conservadores.
E a pior parte dessa história é que a maioria das informações era forjada, pois, eu jamais havia tido envolvimento algum com orgias em que estariam garotas menores de idade e a minha equipe jurídica e de marketing já estavam tentando conter a onda de notícias falsas que estavam circulando sobre mim na mídia.
Só me restava tentar dormir e torcer para que amanhã a Talita e eu entrássemos em um acordo justo, em que eu não precisasse me desfazer dos meus bens e ela ficasse satisfeita com o que eu estava disposto a ceder.
Depois disso resolvido, eu não queria pensar em casamento nunca mais em minha vida e os meus pais que tentassem convencer a Luana, minha irmã, alguns anos mais nova que eu, a casar de ter os tão sonhados netos que eles desejavam.