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Kyle.
Terremoto. A palavram vem instantaneamente na minha cabeça. Mas como isso é possível?! Eles não acontecen à décadas!! Tudo que sabemos sobre eles não passam de histórias e lendas urbanas tolas. Além disso, nenhum terremoto aconteceu diretamente na ilha, todos foram no mar, o que causava várias ondas gigantes que alagavam uma parte considerável da cidade, deixando dezenas de famílias sem abrigo.
E mesmo assim, aqui estamos nós, com a ilha tremendo sob as poucas coisas que temos. Travo no lugar e olho em volta, ouvindo algumas pessoas gritarem aterrorizadas e correrem pelas ruas. Rachaduras enormes começam à aparecer nas paredes dos prédios, deixando à mim (e todas as outras pessoas) ainda mais assustado.
Talvez vá acabar logo, penso, mesmo que uma vozinha irritande grite no fundo da minha mente que eu estou apenas me iludindo. Preciso fazer alguma coisa, e rápido.
Pego o nervosismo que estou sentindo e enfio na parte mais distante do meu cérebro, antes de dá meia volta e começar a correr na direção da feira, voltando para o prédio abandonado e para meus amigos, tomando bastante cuidado para não tropeçar devido aos tremores que se intensificam à cada minuto.
Mesmo que eu tenha mais de 1.80 de altura e que minhas pernas sejam longas, não sou acostumado à correr tanto e com essa velocidade, o que faz minhas pernas começarem à doer, assim como as laterais da minha barriga, mas forço-me a continuar correndo à todo vapor, desviando das coisas que despencam das barracas e das pessoas assustadas.
Tento cortar caminho por outro quarteirão, o que não adiantou muito, já que há uma multidão de pessoas caminhando na direção contraria à minha, indo para o centro da cidade, o que dificulta muuuito meu trajeto. Tento ziguezaguear entre as pessoas desesperadas, o que ajuda, mas não o suficiente.
- com licença. Por que todas essas pessoas estão indo para o centro da cidade?- pergunto para um senhor se idade que passa ao meu lado.
- você não soube?? E-eu também não sei ao certo... Mas parece que a ilha está afundando... As periferias já estão todas alagadas e as pessoas estão indo para o centro da cidade, que é o ponto mais alto de toda a ilha.- o velho responde sem parar de andar.
Merda, merda, merda, MERDA!! O que nós vamos fazer agora?! Não tenho tempo para pensar em mais nada, então simplesmente desato à correr sem parar, não me importando se vou atropelar alguém ou não. Para mim, apenas a minha vida e a de mais três pessoas importam.
(****)
Uns quinze minutos depois, eu finalmente chego ao prédio abandonado. Pra falar à verdade não sei nem como consegui chegar aqui, praticamente tudo em meu corpo está doendo e estou morrendo de sede e de cansaço.
Jay, Elliot e Alex estão na rua de frente para o prédio, com olhares assustados, cabelos assanhados e rostos sujos.
- oi!!- digo meio exaltado quando chego ao lado deles. Cumprimento os três com um típico abraço masculino seguido por taquinhas nas costas. Os tremores estão tão grandes que precisamos segurar uns nos outros para não cair de cara no chão.
- você estão bem??- pergunto, sem precisar ocultar toda a preocupação que se espalha pela minha voz.
- sim.- jay e Alex respondem ao mesmo tempo, enquanto Elliot apenas assente. Ele sempre foi o mais calado e tímido do grupo, mas é uma excelente ladrão e se encarrega de roubar quase toda a comida que conseguimos, ninguém na feira desconfiaria do garoto moreno de olhos verdes se ele fizesse o roubo do jeito certo. Alex é o mais inteligente de todos (e o único que sabe ler). Jay sabe tudo sobre metais e também é um ótimo ladrão, enquanto eu sou o líder do grupo, sou mais de roubos em campo aberto, do tipo "me dá o que tem aí ou eu te mato!" e não do tipo que pega algo sorrateiramente sem que ninguém perceba, talvez o meu tamanho ajude à intimidar os outros, eu gosto de ser o cara mau.
Quando olho para a esquerda, noto que o final da rua já está com água à uns dez centímetros, o que me faz concluir que essa ilha não tem mais nem duas horas na superfície. Não podemos subir em cima dos prédios e casas altas porque os tremores estão se encarregando de derrubar uma por uma (vi várias casas destruidas enquanto corria até aqui).
- pessoal. Temos pouco tempo antes que essa porcaria de cidade afunde, e se quisermos sair vivos dessa, vocês vão ter que me obedecer.- falo para eles, alternando o olhar entre cada um e observando todos confirmarem balançando a cabeça para cima e para baixo.
- Alex, quero que você roube toda a comida que encontrar, vá até a feira, as pessoas estão todas indo para o centro da cidade, o que torna isso o roubo mais fácil da história. Jay, você vai ter que procurar água doce, traga tudo que conseguir. E você Elliot, vai ter que encontrar gasolina e roupas para nós. Não quero que vocês entrem nos prédios e nem nas casas, elas podem desabar à qualquer momento, encontro vocês daqui à uma hora, NÃO SE ATRASEM!!- termino de falar enfatizando no "não se atrasem".
Os garotos confirmam com a cabeça antes de correrem pelas ruas para fazer o que eu mandei. Mas Alex para de andar e se vira para mim, antes de perguntar:
- e você kyle? vai fazer o que??- ele levanta uma das sobrancelhas, enquanto coça o cabelo embaraçado e sujo.
- eu??- começo, dando-lhe um sorriso convencido antes de completar: - eu vou arrumar um barco.
(****)
Meia hora depois estou escondido atrás de umas lixeiras fedorentas, observando os barcos amarrados nas docas da cidade. Há um pequeno grupo de pessoas conversando calmamente no cais, aposto que são os riquinhos que nunca passaram fome na vida, mesmo que um metro depois da porta de suas casas haja pessoas morrendo de desnutrição e sede (sei que são eles porque avisto a silhueta gorda do prefeito no grupo).
As docas ficam um pouco longe do centro da cidade, o que me faz sacar o plano nesses otários na hora: eles iludiram as pessoas para que elas fossem para o centro da ilha (onde supostamente era seguro) para que eles pudessem escapar nos barcos sem que uma multidão desesperada tentasse invadi-los.
Mesmo com os barcos, para onde eles iriam?? Nevcity é o único lugar do mundo onde existe (daqui uma hora, o verbo vai ser "existia") terra seca. Bom... Isso não importa agora, ficar à devira no mar é melhor que morrer afogado (aposto que eles pensam a mesma coisa).
Meus olhos pousam nos seis barcos amarrados no cais. Todos são de porte médio, mas alguns deles são mais luxuosos que os outros. Foco no último barco à esquerda, o menor e mais velho de todos.
Tenho que bolar um plano para chegar nele sem que me notem ou que eu precise tocar na água para fazer isso. Não sei nadar, como todos dessa ilha. As ondas são as barras da prisão em vivemos, a água pode matar um de nós mais rápido do que qualquer coisa. Histórias dizem que na água há todo tipo de mostros, alguns podem até engolir uma pessoa inteira!! Nenhum de nós sabe ao certo se isso é verdade já que ninguém tem coragem de colocar um pé dentro da água.
Deixo essas baboseiras de lado e me concentro no plano. As chances de que eu consiga fazer isso diminuem à cada segundo, assim com a porção de terra seca. Respiro fundo e corro para colocar meu plano em prática, rezando para que dê certo.
(****)
O grupo de riquinhos faz uma fila indiana para entrar no primeiro barco maior e mais chique. Eles estavam distraídos enquanto conversam normalmente como se pessoas não estivessem morrendo nesse exato momento.
O grupo mal nota quando eu incêndeio o um dos barcos (do lado oposto ao que pretendendo roubar). Encontrei uma garrafa cheia de gasolina no cais, o que facilitou muito meu plano, então precisei apenas de uma faísca para colocar fogo no barco.
Quando as pessoas notam as labaredas que se espalham à cada segundo, entram em pânico e correm para tentar conter o incêndio, mal notando quando eu corro sorrateiramente e entro no barco mais velho, que fica um pouco distante dos outros.
Tento controlar a minha respiração ofegante enquanto exploro o enterior do barco. Há um cabine de uns três metros quadrados que nós abrigará em caso de chuva ou qualquer outro imprevisto.
Quase choro de alegria ao ver que o tanque está cheio, então corro para fora da cabine e corto com meu canivete a corta velha e desgastada que prende o barco ao cais. Em passos rápidos e silenciosos volto para a cabine e ligo o barco, antes de começar à guia-lo através das ondas com um pouco de pressa, mas tomando cuidado para não cometer nenhum erro ou terminar afundando.
Pela janela, consigo ver os outros barcos a uns cem metros de onde estou. O fogo parece ter se espalhado por todos os outros barcos, o que deixou todos sem nenhuma saída à não ser voltar para o centro da cidade e seguir o seguir o mesmo plano que criaram para despistar as outras pessoas, acho que a madeira da proa fez com que o fogo se alastrasse...
Eu não queria destruir os barcos, só queria criar uma distração. Mas não consigo ficar triste por eles, esses otários que se fodam.
Agora só preciso encontrar Elliot, Alex e Jay, porquê esse não vai ser o fim, pelo menos não para mim e para meus amigos.
(****)
Porra!! Já era para eles estarem aqui!! Eu desliguei o barco onde antes era uma rua asfaltada, mas agora tudo que se vê é água e escombros no lugar onde eram as casas.
Uns 80% da ilha está todo alagado e daqui mesmo do barco consigo ver a multidão que se forma no centro da cidade. Uma massa impenetrável de pessoas desesperadas coladas umas nas outras enquanto apenas obsevam a água subir, e a morte se aproximar.
Uma vontade iminente de pular do barco e tentar achar eles passa por mim, mas se fizer isso alguém por aí pode roubar o meu barco, então controlo-me e permaneço sentado do lado de fora com as costas contra a parede velha, mas resistente da cabine.
Um alívio reconfortante toma conta do meu corpo ao ver os garotos cruzando uma esquina correndo e vindo na minha direção com uns sacos nas costas, sacolas e outras coisas pendendo no corpo. Solto um longo suspiro e observo os três vindo com os suprimentos...
Espera!! Franzo as sobrancelhas ao notar pela primeira vez que não são três garotos carregando sacolas e sacos, são quatro!!
Quatro!! Eu posso não saber ler ou fazer cálculos difíceis, mas não sou tão burro à ponto de não conseguir contar algo tão simples!! Uma onda de raiva toma o lugar da tranquilidade, ELES NÃO DEVIAM TER CONTADO O PLANO PARA NINGUÉM!! PODERIAM TER BOTADO TUDO À PERDER!!!
meus olhos pousam no garoto mais baixo que ajuda Alex com as sacolas de comida, ele está com uma mochila velha nas costas e com o capuz do casaco velho cobrindo o rosto.
Cerro os punhos com força para tentar controlar a raiva, enquanto observo-os andarem/correrem para o barco, com a água fria já em seus tornozelos.
Um vento gélido sopra meu cabelo preto fazendo-o cair na testa, mas não ligo para isso e deixo do jeito que tá. Não consigo deixar de alternar um olhar raivoso entre meus amigos, que se encolhem um pouco ao notar minha raiva.
Com a água já batendo na cintura (acima do umbigo do desconhecido), eles finalmente chegam ao barco e começam à jogar as sacolas, roupas e todo o resto dentro do barco. Levanto de onde estou sentado e caminho até a borda do barco sem me preocupar em esconder toda a minha irritação.
- QUEM DIABOS É ELE!?- pergunto/grito com minha voz fria e calculada enquanto aponto para o garoto encapuzado. Eles são meus amigos e irmãos, nunca bati neles e nem pretendo, mas eles já me viram zangado antes e com certeza não gostariam de ver outra vez.