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O sol já estava se pondo no horizonte, descendo por trás das belas e esverdiadas serras que se levantavam a sua frente. Era como se um espetáculo de várias horas
tivesse chegado ao fim, e chegada a hora do véu estrelado cobrir o céu junto uma magnífica lua minguante.
Havíamos ficado na sala de aula para terminar nosso trabalho de física sobre Newlton. Pedimos a diretora Poliana para usar esse turno e já deixar o trabalho na sala dos
professores.
Os alunos do turno da noite não tinham aula naquele dia, então aproveitamos que o porteiro e as faxineiras iriam ficar até tarde para agilizar a entrega.
_Nicholas, me diz que você avisou sua mãe sobre esse trabalho_disse Rafaella sujando a mão de cola._Não quero receber trezentas mensagens no meu celular perguntando
onde você está.
_Fica calma, eu já avisei_eu respondi._Falei que ia dormir na casa do Adrian.
_Espera, lá em casa?_Adrian pareceu surpreso._Quando foi que a gente combinou isso?
_No exato momento em que você deixou de prestar atenção em nós e começou a viajar nessa sua cabeçinha_Rafaella encostou seu dedo indicador na testa
de Adrian._Assim como você fez na aula da Adriana.
_Eh...até que faz sentido_respondeu Adrian._Espera, não! O que eu fiz na aula dela foi descobrir uma substância composta que...
_Tá bom cientista do ano_eu o interrompi._A gente sabe que você gosta desse lance ciência. Mas que tal acabarmos de fazer isso aqui primeiro? Depois a gente fala sobre essa
sua brilhante aula no novo laboratório.
_Na verdade é química, mas deixa para lá_ele voltou a contornar as letras na cartolina com um marca texto.
Todos nós tinhamos acabado os retoques, e as mãos de Rafaella se destacaram por estarem repletas de restos secos de cola e alguns brilhos embaixo das unhas.
_Prontinho_ela ergueu a cartolina e a virou na nossa direção._O trabalho de física mais lindo de todos os tempos.
_Não mereçemos menos do que um nove nisso daqui_disse Adrian.
_Com toda certeza_afirmou Rafaella, pousando a cartolina de volta na mesa._Até porque foi um saco usar essas fórmulas sem sentido de exemplo.
_Nem me fale_suspirei._Que necessidade tinha de colocar um calculo com a fórmula da força?
Adrian olhou para a imagem impressa de Newton na cartolina.
_Ah, não exagera Nicholas. Newton foi um cientista muito importante. Principalmente na lei da Gravitação Universal e da lei dos Movimentos.
Rafaella olhou para Adrian e resmungou:
_Sabe, as vezes eu prefiro você quieto.
_Nessa eu vou ter que concordar_eu respondi.
Adrian revirou os olhos em desdém.
_Pra quê inimigos se eu eu tenho vocês dois.
Demos algumas risadas e começamos a arrumar os materiais e a sujeira em cima da mesa do professor.
Logo quando terminamos de limpar tudo, pegamos nossas mochilas e saímos da sala.
Tudo parecia quieto demais. Não conseguia nem mesmo ouvir o som das tias da faxina, que a essa altura, já deviam estar limpando aquele corredor.
De qualquer modo, o nosso foco não era aquele. A diretora havia pedido que deixássemos o trabalho na sala dos professores se quiséssemos adiantar a entrega, e foi isso
que fizemos, até que chegamos na porta da sala.
_Ué?_Rafaella tentou girar a maçaneta da porta, mas a tranca não destravou._A diretora disse que ia deixar a sala dos professores aberta até sete e meia.
Eu liguei meu celular e mostrei a eles o horário.
_E agora são sete em ponto.
Rafaella girou a maçaneta novamente mas a porta não se abriu.
_Então por que ela tá trancada?
Adrian estralou os dedos.
_Relaxa gente, só deve tá emperrada.
Rafaella saiu da frente e deixou Adrian passar. Ele segurou a maçaneta e a girou com força. O garoto até aparentava ser bem forte, mas seu rosto já estava mudando
do bronzeado para o vermelho de tanta força que tentava fazer.
_Eh...tá trancada_disse ele ofegando.
_Talvez a diretora se esqueceu de deixá-la aberta_eu opinei.
No mesmo instante, houve um alto esturro, que ecoou por toda a escola. Como se um animal selvagem tivesse invadido a escola e anunciado a sua presença, ou melhor, avisando suas presas
de que ele estava próximo.
De alguma forma, aquele som me soava bastante familiar. Podia dizer o mesmo da sensação de medo e pavor que me rondavam a todo momento.
_Essa não é uma boa hora para brincadeiras, Adrian_Rafaella reclamou.
_E-eu não fiz nada, eu juro_gaguejou o garoto assustado. Seus olhos não paravam de encarar o final do corredor.
_Nem olhem para mim_eu protestei._Não tenho nada haver com isso.
Rafaella franziu a testa.
_Então se não foi nenhum de vocês...?
A energia de toda a escola caiu. Luzes do corredor e das salas apagaram completamente. Naquele momento, meu estômago congelou até doer de medo, e eu tinha certeza de que não
era o único.
_Ah, um apagão, era só o que me faltava_Rafaella resmungou.
_Acho que deve ser só uma falha no gerador ou algo do tipo_disse eu como se fosse um eletricista profissional, o que com toda certeza não era.
Ligamos as lanternas dos celulares. Não eram tão fortes, mas pareciam ter encorajado Rafaella.
_Vamos_chamou ela._As faxineiras devem estar no primeiro andar.
_Opa opa_Adrian interrompeu e entrou na nossa frente._Vocês realmente estão falando sério? Não é possivel que só eu ouvi uma coisa rugindo pela escola.
Eu suspirei sem paciência.
_Escutei em alto e bom som, Adrian. Mas precisamos descer pelas escadas, esse é o único jeito.
Sabia da preocupação de Adrain, e ele tinha total razão para estar daquela forma. Estávamos presos dentro de uma escola com uma coisa à solta pelo colégio.
Nossa única chance de sair era descer para o primeiro andar.
Caminhamos pelo resto do corredor e viramos a esquerda. Os corredores se conectavam uns aos outros em formato de "U", o que significava que teríamos de chegar até
a outra ponta para acessar as escadas.
O esturro parecia ficar mais próximo a cada passo, e qualquer barulho nos deixava em alerta. No final do corredor, havia uma porta que dava acesso às escadas. O mais estranho
de tudo aquilo era que ela estava fechada.
_Que estranho_eu me aproximei lentamente da porta._A porta das escadas nunca ficou fechada.
Ao escostar na maçaneta, minha visão foi tomada por um forte clarão, e meu corpo formigou como se estivesse tomado por milhares de descargas elétricas ao mesmo tempo.
Não era tão doloroso, mas a sensação ainda era agonizante. Então surgiram imagens como fleches de um pequeno slide.
Vi aquela mesma criatura do meu sonho se aproximando das escadas com seus olhos verdes brilhantes, como se estivesse planejando uma armadilha. Vi a porta das escadas se abrindo e a fera lançando
um jato de chamas verdes sobre nós três.
Foi aí que minha visão voltou ao normal. Estava deitado sobre o chão e encarando os rostos de Rafaella e Adrian.
_Cara, o que foi que deu em você?_perguntou Adrian._Por que não abriu a porta?
_E-eu..._a visão da criatura subindo as escadas rodopiou pelos meus pensamentos novamente, então eu sabia de alguma forma que não podia perder tempo explicando.
Me ergui novamente com o corpo ainda formigando, mas o encômodo estava passando aos poucos.
_Não temos tempo. Precisamos nos esconder em algum lugar.
Rafaella franziu a testa.
_Do que é que você tá falando, Nicholas? Você desabou no chão do nada e agora quer que a gente se esconda?
_Rafaella, por favor. Precisa confiar em mim. Você também, Adrian.
A garota bufou e concordou logo em seguida. Adrian também concordou, mas com uma expressão desconfiada sobre alguma coisa.
_O quartinho das faxineiras fica logo alí_disse Rafaella apontando para uma porta próxima a eles._Torçam para que esteja aberto.
Corremos direto para a porta, e por sorte estava aberta. Entramos no quartinho e eu a fechei com as mãos trêmulas de medo. Naquela hora, eu agredeci a Deus por terem colocado um
quartinho de limpeza bem alí. Olhei para os vários produtos de limpeza, esfregões e diversos outros utensílios.
_Adrian, preciso que banque o cientista agora_eu apontei para os produtos._Sabe se o cheiro desses produtos oculta o cheiro de uma pessoa?
O garoto parecia ter um ponto de interrogação enorme acima da cabeça, mas olhou para os produtos e colocou a mão no queixo pensativo.
_Talvez se os deixarmos abertos, o cheiro forte dos produtos químicos podem se misturar com o nosso. Mas por que a pergunta?
_Depois eu explico, agora me ajudem a abrir esses produtos de limpeza.
A cada frase que eu dizia naquele momento de tensão, mais confusos e atônitos meus amigos ficavam. Fomos nas pratileiras e abrimos o máximo de produtos que conseguimos achar,
desde detergentes e sabão em pó á limpa-alumínio e água sanitária. Eu ia tocar em um pote verde com uma tampa preta, mas Adrian segurou minha mão rápidamente, apontando
para o rótulo que dizia: "Soda Cáustica". Eu afastei minha mão no mesmo instante que o observei, e mesmo sem abrí-lo, o cheiro naquele lugar fechado já estava ficando insuportável.
_Não podemos ficar aqui por muito tempo_sussurrou Adrian._O cheiro desses produtos podem nos matar de asfixia se demorarmos para sair.
_Está bem_eu respondi._Agora preciso que se escondam em algum lugar, e rápido.
Adrian e Rafaella trocaram olhares duvidosos, se escondendo atrás de um amontoado de vassouras, rodos e esfregões. Eu me escondi atrás de um amontoado de caixas de papelão
e observei fixamente a porta. Em sua parte superior havia uma pequena janelinha de vidro, que dava para ver uma parte do lado de fora.
_E agora?_perguntou Rafaella.
Eu apenas fiz sinal de silêncio e pedi para que desligassem as lanternas.
Alguns minutos se passaram e nada aconteceu. Quando Rafaella ia se levantar reclamando sobre aquela perda de tempo, o som de chamas e uma porta sendo arrombada ecoou pelo corredor, e todos
nós nos encolhemos atrás dos objetos.
Por uma fração de segundos, o corredor tomou uma coloração de luz verde, e outro esturro ecoou, só que ainda mais forte e próximo de nós. De
repente, um enorme felino de pelugem negra e olhos verdes flamejantes passou com seu rosto no vidro da porta. Ele rosnava inquieto, passando pela frente da porta do quartinho como se não gostasse nem um pouco do cheiro
dalí. Seu tamanho tinha uma proporção grande demais para um felino normal da floresta, e quando passou com a cauda, dava para perceber que sua silhueta se parecia com a de um escorpião.
Não acreditava que aquele plano havia funcionado. E não acreditava mais ainda no que tinha acabado de ver. Estava em choque. Aquela era a mesma criatura do pesadelo e da minha
visão.
Como aquilo era possível?
Uma vez eu li em um site que os sonhos eram vislumbres de um possível futuro ou acontecimento trágico. Não queria acreditar que aquilo fosse verdade, mas se aquela criatura
do meu pesadelo era real, então não podia descartar a possibilidade de que as outras coisas também fossem.
_Mas que merda era aquela?!_sussurrou Rafaella horrorizada.
Os rosnados foram ficando distantes. Parecia que o intruso já havia virado o corredor, talvez seguindo nosso rastro até a sala que estudávamos.
_Depois eu explico tudo. Agora me sigam_susurrei o mais baixo que conseguia._Não façam nenhum movimento brusco.
Lentamente, saímos detrás das caixas e instrumentos de limpeza. Caminhamos até a porta e girei a maçaneta o mais calmo e concentrado que pude. Abri a porta e fiz
o possivel para não fazer nenhum ruído, abrindo-a o suficiente para passarmos.
Tudo estava ocultado pela escuridão. Os olhos flamejantes da criatura já não estavam mais naquele corredor, o que deu a chance de descermos pelas escadas. Peguei meu celular
e liguei a lanterna novamente, iluminando a porta completamente incendiada, com arranhões tão profundos que podiam facilmente caber metade de um dedo humano.
Descemos degrau por degrau com o máximo de cuidado para não fazermos barulho. Chegamos ao segundo andar e o mesmo estava tomado pela escuridão. Descemos ainda mais e chegamos
ao primeiro andar, e o que vimos ao chegar talvez fosse a pior cena de todas as nossas vidas.
Uma das faxineiras estava caída sobre o chão em uma enorme poça de sangue, com marcas de arranhões no abdômen. Havia rastros de sangue vindos do banheiro,
como se ela tivesse tentado fugir daquela coisa mas não tido a mesma sorte que nós.
Ficamos tão apavorados que fomos paralizados pelo medo. Minha mente entrou em desespero, pensando em mil possibilidades do que poderia ter acontecido com aquela mulher, até que
o rugido da criatura novamente ecoou. Ele devia ter percebido que foi enganado e havia descobrido nossa localização.
_Vamos!_gritei desesperado.
Nós corremos até a porta de entrada para o colégio, mas a mesma estava trancada.
_Ele trancou as saídas_murmurei ofegante.
_Ele?_perguntou Rafaella._Ok Nicholas, agora você está me assustando.
Outro rugido estrondou o chão da escola, e olhos verdes flamejantes surgiram em meio a escuridão. Estávamos diante da porta, Rafaella e Adrian tentaram desesperadamente
abri-la com as mãos e em seguida com chutes, mas a mesma continuava firme.
_O que você quer comigo?! Hein?!_eu gritei._Eles não tem nada haver com isso! Sou eu quem você quer!
Os olhos verdes que estavam distantes, começaram a se aproximar lentamente, como se a criatura estivesse se preparando para dar o ataque final. Rosnava incansavelmente, e eu conseguia
sentir um turbilhão de ódio e sede de vingança.
No mesmo instante, as luzes de toda a escola se acenderam novamente. Pude ver perfeitamente o tamanho imenso daquela fera na nossa frente. Eu tinha 1,70m de altura, e a fera batia facilmente
até a altura do meu ombro. Tinha uma grossa coleira de ferro na cor vermelha, com alguns detalhes pontudos também feitos de ferro. As chamas em seus olhos e boca eram de um tom verde-esmeralda hipnotizante. Suas
presas eram alongadas como as de um tigre-dente-de-sabre. As garras extremamente ponteagudas e expostas arronhavam o piso em um som angustiante. Sua calda cinza e dura como uma carapaça, se curvava no alto e possuía
um ferrão vermelho na ponta.
O tipo de visão que preferiria continuar no escuro.
Aquele medo que tive no pesadelo fez meu corpo formigar outra vez, só que em forma de adrenalina intensa. Não podia ter medo naquele momento, ou iriamos acabar morrendo alí
mesmo.
Observei rapidamente a sala e vi o botão daquele sinal insuportável do recreio em uma parede afastada dalí. Onde teriamos que passar pelo nosso visitante indesejado se
eu quisesse alcançá-lo.
_Apenas corram quando eu mandar_sussurei para os dois.
_Você ficou maluco?_sussurou Rafaella desesperada._Essa coisa é muito mais rápida que a gente.
Não deixava de encarar a criatura nem por um segundo. Alguma coisa me dizia que isso o deixava aguardando antes de avançar contra nós. Uma disputa para ver quem piscava
primeiro, ou quem de nós três seria o primeiro a morrer.
_...AGORA!
A criatura avançou contra nós em um salto, mas conseguimos desviar e correr por entre alguns pilares de concreto que sustentavam os andares. O felino se chocou contra a porta
e a mesma não se arrebentou, continuando a nos perseguir quase que colado em Adrian.
Eu queria até parabenizar o serralheiro que colocou aquela porta indestrutível como a principal da escola. Nunca se sabe quando um felino gigante te persegue pela escola, não
é?
O animal gigante estava bem próximo, quando consegui chegar ao botão e ativar o sinal. Aquele barulho era tão insuportável que nem mesmo eu e meus amigos aguentamos.
Meus ouvidos já estavam doendo só de ouví-lo por cinco segundos, foi então que soltei o botão e continuamos a correr.
A criatura havia ficado para trás, se afastando do som em agunia.
_Espero que goste da melodia!_Adrian se virou para trás enquanto corriam e mostrou os dedos do meio com a língua para fora.
Para seu azar, Adrian tropeçou no corpo morto da faxineira e se espatifou no chão. No mesmo instante em que o som do sinal chegou ao fim.
_Merda de cadáver_murmurou ele.
_Adrian!!_eu e Rafaella gritamos ao virar para trás.
Dava para ver no semblante do animal que ele não estava nem um pouco contente com o insulto de Adrian. Se recuperou da náusea feita pelo som angustiante e avançou na direção
do garoto com suas garras.
Eu e Rafaella estávamos longe demais para ajudá-lo, gritando em desespero. Não tinhamos como salvá-lo.
Quando as garras já estavam próximas do corpo de Adrian, uma flecha acertou bem no olho do animal, fazendo-o se afastar e rugir de dor.
Adrian aproveitou a distração e voltou a correr, vindo na nossa direção.
_Por aqui!_gritou uma voz mais ao fundo.
Ao me virar para frente, vi um garoto na porta do corredor das salas de aula. Estava com arco em mãos e uma aljava presa nas costas, como se fosse um caçador que acabara de encontrar
sua caça. Ele parecia ser uns dois anos mais velho que eu e mais alto também. Seus olhos eram castanhos assim como cabelo médio e cacheado, realçando a beleza do tom bronzeado de sua pele. Vestia
uma camiseta preta com um colar de cristal vermelho, uma calça cargo bege amarrada por um moletom xadrez vermelho e um All Stars preto.
Não pensamos duas vezes e corremos o mais rápido que podíamos. A criatura lançou um jato de chmas em nossa direção, mas conseguimos chegar ao corredor
a tempo. Havia uma porta nele que usavam para bloquear a passagem do terceiro ano no horário de recreio, já que eram adolescentes pervertidos demais e sempre queriam entrar em conflitos. Aquela porta foi a nossa
salvação, pois assim como a de entrada, ela também parecia ter sido feita para aguentar feras gigantes e jatos de fogo.