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Ao fecharmos a porta do corredor, o fogo esverdiado a atingiu com uma força estrondosa. Nós quatro a seguramos com todo o peso que conseguíamos fazer em nossos corpos.
A maçaneta em que Rafaella segurava esquentou tanto que acabou queimando a sua mão. Em seguida, todas as partes de metal da porta começaram a derreter rapidamente, se fundindo
umas nas outras em uma espécie de solda gigantesca sobre a passagem.
O jato de chamas estava quase penetrando a porta, quando ele logo se cessou. Os rosnados foram desaparecendo lentamente até não conseguirmos mais ouví-los.
_Droga_o garoto tentou empurrar a porta, mas estava emperrada._Estamos presos.
_Não me diga_eu murmurei.
Adrian viu a queimadura na mão de Rafaella e ficou preocupado.
_Você tá bem?
Rafaella gemeu de dor.
_Eu pareço bem para você?
O garoto desconhecido olhou para ela.
_A enfermaria fica nesse corredor_ele apontou com a mão._É só andarmos um pouco e...
_Me polpe das instruções Robin Hood_eu cruzei os braços._Quem é você e por que diabos está aqui nesse colégio?
O garoto olhou na minha direção incomodado.
_Vai calma Sherlock Holmes. Uma pergunta de cada vez.
_Calma é a ultima coisa que estou tendo hoje_eu disse de forma grosseira.
O garoto suspirou.
_Eu me chamo Isaac. Isaac...
_Newton?_perguntou Adrian.
Todos nós o encaramos friamente.
_É...não foi engraçado, eu sei.
_Isaac Álvaro.
Me virei novamente para Isaac.
_Nome diferente. Mas nunca vi você por aqui.
_É claro que não. Eu sou novo aqui_respondeu ele._Minha mãe disse que o colégio iria ficar aberto até tarde, então eu vim treinar na quadra_ele ergueu
o arco.
_ Você veio treinar tiro ao alvo...na quadra da escola?_perguntou Adrian desconfiado.
_Sim...por que?_respondeu ele como se aquilo fosse óbvio._É proibido?
_Claro que não_respondeu Adrian._Desde que a diretora saiba.
_Minha mãe? Ah sim, já avisei ela.
_Você é filho da diretora?!_perguntou Adrian depois de processar a frase de Isaac._Pensei que só o babaca do Matheus fosse filho dela. Q-quer dizer...
_Já chega Adrian_eu o interrompi sem paciência._A gente tá tentando fugir daquela coisa, não tentando desvendar a árvore genelógica dele.
Rafaella pareceu estar incomodada, se aproximando de mim com uma expressão de raiva, tensão e ódio misturados em uma só careta.
_Não sei se você lembra...mas é graças a você e esses seus segredinhos que estamos aqui.
Eu franzi a testa.
_O que você quer dizer com "segredinhos"?_eu a encarei._Você mais do que ninguém devia saber que não é culpa minha.
_Tem certeza?_perguntou ela alterando o tom da voz._Porque não sou eu quem sabia de toda essa merda antes mesmo dela acontecer.
_Eu tô tão confuso quanto você, barbezinha_eu estreitei meus olhos._Mas acho que você não deve ter percebido.
_Parem com isso vocês dois_disse Adrian nos separando._Não podemos brigar agora.
Adrian se virou para mim e olhou nos meus olhos.
_Não vamos te obrigar a falar nada... Mas sabe muito bem que nos deve uma explicação.
Queria muito falar para eles sobre o pesadelo e tudo que se conectava com aquela criatura no pátio da escola, mas parecia que as palavras intalavam na garganta sempre que tentava. Talvez
por achar que não acreditariam no meu pesadelo idiota assim como minha tia Angélica.
Mas por outro lado, tudo estava estranhamente fácil de compreender. O impossível agora podia ser realmente real e verdadeiro. Tinha que contar a verdade para eles.
_Eu...
Outro esturro tremeu tudo ao nosso redor, fazendo com que nós quatro nos assustássemos.
_Que tal deixar para discutir isso depois?_perguntou Isaac observando os arredores._Como você disse, precisamos fugir daqui primeiro.
Rafaella revirou os olhos e se afastou de mim junto de Adrian.
_Vamos na enfermaria tratar dessa queimadura_disse ela._Podemos pensar em alguma coisa lá.
Eu e Isaac concordamos.
***
Os dois foram na frente. Eu e Isaac ficamos atrás observando-os caminhar e cochichar sobre algo. Óbviamente era sobre seu melhor e mais mentiroso amigo de todos. Aquele que guarda
segredos e, mesmo tendo a chance de contar a verdade, não conseguia formular a porra de uma frase explicando sobre o maldito pesadelo que teve.
Naquele momento, eu estava com tão perdido que minha ansiedade começou a se aproveitar do momento de fraqueza. Minhas mãos começaram a ficar trêmulas e meu
coração a acelerar. Estava começando a desejar ficar sozinho de novo e me isolar de tudo.
De modo algum eu iria fazer tudo aquilo para machucá-los, eles eram os únicos amigos que eu realmente tive em toda a minha vida. O problema era que a maldita ansiedade confunde
seus pensamentos ao extremo, querendo sempre te por para baixo com os piores e mais sombrios tipos de ideias que poderia imaginar. Tudo isso sempre com a intenção de te deixar cada vez mais eufórico e
louco.
O único jeito de provar que estava certo seria tomar coragem para enfrentar aquele medo angustiante no meu peito. Enfrentar um dos meus maiores inimigos.
***
Chegamos a enfermaria e a porta estava aberta. Apenas Adrian e Rafaella entraram para fazerem o curativo na queimadura, enquanto eu e Isaac ficamos de vigia na porta.
Isaac me olhou e percebeu que estava cabisbaixo.
_Sei como se sente.
Eu voltei meu olhar para ele.
_Não, não sabe... Nem mesmo sabe qual é meu nome.
Ele deu um sorriso.
_Pelo menos até você querer me contar...
Eu dei uma leve risada.
_Nicholas. Nicholas Wardwell
_Humm..._ele estendeu a mão._Prazer Nicholas.
_O prazer é todo meu...Isaac Álvaro.
Quando nossas mãos se apertaram, senti que eram quentes e rígidas como uma rocha, como a de um pedreiro que trabalha incansavelmente todos os dias. Mal se esforçou e pude
ver os musculos e algumas veias pulsando em seus braços.
Ele era alguém que eu com certeza podia dizer que era forte.
_Agora que já sei o seu nome...
_Você não desisti mesmo, não é?
_Não_respondeu ele com um sorriso bobo.
Eu respirei fundo, e a ansiedade foi diminuindo aos poucos.
_Acho que minha cabeça ainda me faz acreditar que vocês não iriam confiar em mim. Que seria impossível acreditar que o que eu iria falar seria real.
Ele se virou e encarou o teto do corredor.
_Bom...você nunca vai saber se não tentar. Pode ter certeza de que depois de hoje, uma loucura não vai ser.
Eu soltei um sorriso.
_Obrigado pelo conselho... Mas também sei que o que disse foi só uma parte da verdade.
Isaac coçou a parte de trás da cabeça sem jeito.
_Pensei que não precisava de tantos detalhes.
A tão temida ansiedade havia desaparecido. Era estranho pensar que uma simples conversa com aquele garoto desconhecido faria esse efeito sobre mim. Meu coração ainda estava
saltitando como um louco, mas era como se também não sentisse aquela sensação.
_Acabamos aqui_disse Adrian nos interrompendo.
Eu logo percebi que estava encarando Isaac enquanto viajava nos meus pensamentos. Ele também lançava um olhar calmo e radiante na minha direção. Aquilo foi tão
vergonhoso que virei meus olhos como se nunca tivesse olhado para ele. Talvez tivesse pegado essa mania de Adrian.
Entramos na sala de enfermagem. Isaac se sentou em uma cadeira perto da porta e eu me escorei na parede. Adrian e Rafaella estavam sentados em uma maca ao fundo da sala.
_Como é que tá a queimadura?_eu perguntei.
_Melhor_respondeu Rafaella._Adrian ajudou bastante.
_Ah, de nada_respondeu Adrian orgulhoso._Mas ainda não sei de onde eu aprendi a enfaixar um machucado tão bem... Nunca tinha feito isso antes.
_ Vai ver é só uma habilidade assim como a minha_explicou Isaac._Eu já nasci com uma ótima pontaria desde que tinha cinco anos.
_E eu com uma voz encantadora. Queriam até que eu fizesse o papel de Ariel em uma peça da minha antiga escola_disse Rafaella._Mas mudando de assunto, como vamos passar pela onça
gigante no pátio?
_Ela tem um nome... Se chama Kutê_eu cruzei os braços e me recompûs._Acho que tá na hora de dar uma boa explicação a todos vocês.
Contei cada detalhe que me lembrava do pesadelo: as idosas tagarelando no escuro, uma grade me impedindo de chegar até a luz, Kutê surgindo do nada, uma voz masculina o fazendo
recuar dizendo que era "a hora da caçada", e a visão que tive no terceiro andar.
_Que merda_murmurou Adrian._Então quer dizer que esse cara tá atrás de você?
_Sim... Mas de alguma forma, vocês também estão envolvidos_respondi pensativo._Se não ele teria me atacado quando ficava sozinho em casa.
_E você acha que o cara do mal está ligado com esse tal de Kutê?_perguntou Rafaella.
_Provavelmente_eu respondi._É impossivel aquela coisa ter trancado portas tão específicas como a dos professores.
_Espera...mas por que a sala dos professores?_perguntou Isaac.
_Era onde íamos entregar um trabalho de física_respondeu Adrian.
_Então, se ele trancou justo aquela porta de propósito..._disse Isaac.
_Quer dizer que ele sabia do nosso trabalho de física_eu completei._E usou essa chance para nos atrair até o Kutê.
Adrian deu uma risada e nós três o encaramos.
_Desculpa... Ainda não tankei o nome da onça gigante.
Eu suspirei indignado.
_Tem alguma ideia melhor do que zoar o nome dela?
Adrian se levantou da maca.
_Olha...eu não sei se pode dar certo. Na verdade, tem grandes chances de dar muita merda.
_Ai garoto, para de enrolar e conta logo!_disse Rafaella impaciente.
_Tá, ta bom_disse Adrian._Eu pensei em fazer um "presentinho químico" para a nossa amiguinha lá fora.
Eu, Isaac e Rafaella nos encaramos.
_E que "presentinho químico" seria esse?_Rafaella perguntou.
Adrian colocou a mão no queixo e ficou pensando por alguns segundos.
_Acho que um pouco de brometo de potássio e um dardo improvisado deve ser o suficiente_disse ele._Um tranquilizante químico, resumindo. Mas vamos precisar de uma ótima
pontaria.
Adrian olhou para Isaac e ele assentiu.
_Deixa comigo.
_Mas e depois?_eu perguntei._Como vamos sair daqui?
_As faxineiras_Rafaella deu a ideia.
_Mas elas estão mortas_eu respondi.
_Não elas em sí, Nicholas_disse Rafaella._As chaves da escola. Ainda devem estar com elas.
Isaac balançou a cabeça em negação.
_O cara que Nicholas falou deve ter pegado delas assim que morreram.
_Faz sentido_disse Adrian._Por isso ele teve acesso ás portas do colégio.
_Alguma ideia melhor então?_perguntou Rafaella.
Nosso tempo estava ficando cada vez mais curto. Não conseguíamos pensar em uma maneira de sair do colégio. Se todas as saídas tivessem realmente sido trancadas pelo
homem desconhecido, não tínhamos como encontrar a chave a tempo.
Não tinha sinal em nenhum dos celulares, e mesmo se tivéssemos, os policias não acreditariam em adolescentes sendo atacados por uma onça gigante que cospia fogo
pela boca. Pensariam que era um trote assim que começassemos a falar.
Em uma situação como aquela, teriamos que escapar por conta própria.
Foi então que uma ideia me veio a cabeça, mas ainda assim, teria que torcer para que algum dos três soubesse executá-la.
_Tive uma ideia.
Os três voltaram seus olhares para mim.
_Alguém aí sabe abrir uma porta com um grampo?
Rafaella arregalou os olhos. Ela parecia ter se lembrado de alguma coisa.
_Caralho, como eu não pensei nisso antes?!
A garota colocou sua mochila no colo e tirou seu estojo para fora.
_Não contem a ninguém que eu sei fazer isso. Minha mãe pode ter um treco se descobrir.
_Minha boca é um túmulo_disse Adrian.
Da bolsinha, Rafaella retirou uma caixinha rosa repleta com clipes de papel coloridos.
_Fiquei interessada no jeito que os personagens dos filmes abriam as portas com grampos e clipes de papel. Daí eu resolvi aprender para ver se realmente funcionava... E para nossa sorte,
eu consegui.
Naquele momento, minha mente ficou tão aliviada que queria dar um abraço bem forte em Rafaella. Mas eu sabia que tinhamos trabalho a fazer.
_Você é realmente incrível!_Adrian tentou dar um abraço na garota, mas ela pôs a mão em seu rosto.
_Eu sei disso_respondeu a garota orgulhosa.
_Depois não reclama se eu não te der um abraço_murmurou Adrian.
Eu dei uma leve risada e me descolei da parede.
_Muito bem pessoal... Hora de colocar o plano de fuga em ação.
_A-antes de irmos..._disse Isaac no momento em que Rafaella e Adrian se levantam._Uma pessoa me pediu para dar mais detalhes de como eu vim parar aqui. Até porque eu preciso conquistar
a confinça de vocês primeiro.
Ele olhou para mim com um olhar de "você fez a sua parte, agora é a minha vez".
_Só não demora_disse Adrian._A nossa amiga onça deve estar maluca atrás da gente.
Isaac assentiu.
_Eu vim até aqui realmente para treinar com o arco e flecha. E assim que a luz acabou e eu ouvi aqueles rugidos, me escondi em um quartinho que encontrei lá.
Ele apertou os punhos.
_Quando eles foram sumindo, eu resolvi ir encontrar a saída da escola, mas ela estava trancada. Foi aí que encontrei as faxineiras rasgadas ao meio como se fossem bichinhos de
pelúcia.
Isaac estava tenso demais enquanto fala. Dava para ver nitidamente em seus olhos.
_Então você foi procurar o gerador de energia?_perguntei tentando ajudá-lo.
_Como sabe disso?_perguntou ele surpreso.
_Palpite_disse eu.
Por dentro, eu já estava começando a estranhar aquela troca de olhares com Isaac. Mas talvez fosse só coisa da minha cabeça.
_Bom, como Nicholas disse, eu fui encontrar o gerador e ativei a energia da escola novamente_continuou Isaac._Esse cara foi bem cuidadoso e só abaixou as alavancas do painel.
_Não danificou o gerador?_disse Adrian._Bota cuidadoso nisso daí.
Rafaella se levantou novamente.
_Mais alguma coisa que devemos saber?
_As câmeras da escola_disse Isaac._Foram todas desativadas, mesmo voltando a energia.
_Estranho_disse eu._Mas acho melhor falarmos sobre isso depois que fugirmos daqui.
Outro esturro impaciente ecoou pelo colégio, e uma tentativa de arrombar a porta do corredor foi feita.
_Não temos mais tempo para conversar_disse Rafaella em desespero.
Eu me virei na direção de Adrian.
_É com você, Adrian.
O garoto sorriu, o que era meio estranho em uma situação tão desesperadora como aquela.
_Venham crianças... Hoje é dia de aprender química com o titio Adrian.