Capítulo 3 Dois

CAPÍTULO 2

Acordou pouco depois enquanto era carregada nos braços por alguém e se desesperou.

Não gritou. Sabia que isso não adiantava de nada. Nos últimos anos no inferno, ela pouco fazia além de chorar. Não lutava mais, não gritava quando o padrasto a agarrava ou quando começavam as agressões. Ele gostava quando ela implorava, sentia prazer ao ver seu sofrimento, escutar seus gritos.

Então, se ele roubaria o pouco que lhe restava da alma, ela não lhe daria a satisfação que buscava. Foi a maneira que encontrou, na situação que se encontrava, de também agredi-lo.

Levantou a cabeça que repousava em um terno de aparência cara demais para ser babado e tentou olhar em volta. Estavam no estacionamento, notou. Tentou ver além, mas a visão daquela barba cheia e o terno azul marinho fizeram-na ofegar em silêncio. Forçou o corpo, tentando descer do colo daquele homem, mas não conseguiu.

Ele sequer precisou fazer muita força para deixá-la quieta onde estava e continuou andando, sabe Deus para onde, sem sequer olhá-la.

- O que... - tentou, mas precisou limpar a garganta ao sentir o quanto ela estava seca. - O que você está fazendo? - sua voz mal era audível, ainda sentia-se sem forças. O medo ainda pressionava suas entranhas.

O homem olhou-a de rabo de olho e continuou andando enquanto dizia:

- Estou carregando você.

A voz dele era rouca, grossa, quase gutural e ela se arrepiou. Não saberia dizer se aquilo era algo bom ou não.

- Por que? - o que ela queria perguntar era para onde, mas sua mente ainda estava confusa e aquele homem não ajudava em nada.

- Por que você desmaiou, lá no bar - ele não a olhava, apenas seguia andando, carregando-a como se fosse um bebê e sem esforço.

- Estou bem agora. Pode me colocar no chão - Sara tentava reprimir o medo, não conhecia aquele homem. Embora ele talvez a tenha ajudado, antes, lá no bar e agora enquanto a carregava, ela não queria permanecer mais tempo ali.

- Você desmaiou - ele repetiu, olhando-a pela primeira vez enquanto paravam ao lado de um carro de luxo preto e enorme que ela não saberia dizer a marca. - Vou levá-la ao hospital.

- Estou bem agora, pode me colocar no chão. Por favor - acrescentou por último quando ele não fez um movimento sequer para colocá-la no chão.

Não parou para perguntar-se por que não sentia com aquele estranho o que sentira com o homem do bar. Estava nos braços dele e, embora o temor ainda a fizesse tremer, ao menos ela conseguia pensar. E reagir.

- Não preciso de um hospital, obrigada - ela não conseguia desviar os olhos do rosto dele, tão perto do seu. A beleza daquele homem tinha que ser estudada. Não é justo um ser humano tão bonito assim perambulando por aí sem aviso.

Sara tentava não ser mal-educada, afinal aquele homem provavelmente a ajuSara e aparentemente estava preocupado com a sua saúde, já que a queria levar ao hospital. Ele examinou seu rosto e ela se perguntou qual aparência teria. Com certeza não era das melhores.

- Você ainda está pálida - franziu a testa preocupado ainda fitando seu rosto.

- Minha pele é muito cHelena. Ou provavelmente é a iluminação do estacionamento. Você pode me colocar no chão agora? - tentou novamente.

Daquela vez ele obedeceu e ela suspirou aliviada ao ser colocada no chão. Ajeitou rapidamente as roupas amassadas e deu um jeito nos cabelos, prendendo-os em um rabo de cavalo. Ensaiou dar um passo para trás e ao constatar que as pernas estavam estáveis, se preparava para uma despedida rápida quando ele a surpreendeu abrindo a porta do carro, do lado do passageiro.

- Entre - disse sério.

Sara arregalou os olhos e deu um passo para trás. Olhou em volta rapidamente e concluiu que estavam sozinhos. Ninguém escutaria se gritasse por socorro.

Ele pareceu ler o pânico em seu rosto e relaxou a expressão, aparentemente confuso e tentando entendê-la. Não era tão difícil assim de compreendê-la, eram desconhecidos e ele, um homem, queria que ela entrasse no carro. Até uma mulher sem o histórico dela o temeria.

- Não vou machucá-la - disse, com calma, a analisando. - Quero apenas ajudá-la.

- Eu não preciso de um hospital - ela disse, pronta para correr ao menor sinal de movimento dele. Provavelmente não conseguiria ir muito longe, mas tentaria.

- Tudo bem - cedeu e ela respirou aliviada. Até que ele continuou: - Posso levá-la para casa.

Ela negou veementemente com a cabeça e deu outro passo para trás.

- Não, obrigada. Posso ir sozinha.

- Como? - ele perguntou e estava claro que tentava manter a calma, temendo assustá-la.

- Como o que? - indagou confusa.

- Como você vai para casa, sozinha, a essa hora?

Ela fechou a boca antes de responder sinceramente. Tinha certeza de que se contasse a verdade, que iria para casa andando, ele insistiria para levá-la novamente. Pensou um pouco e respondeu rapidamente:

- Vou pegar carona com uma das garçonetes. Fiona, minha amiga - para alguém que nunca mentiu para ninguém, além de médicos e psicólogos, até que mentia bem.

Ele avaliou sua expressão, fitou seus olhos por alguns segundos, procurando algo neles, mas por fim pareceu aceitar sua resposta como verdadeira.

- Tudo bem - disse apenas e antes que ela pudesse seguir de volta para o bar, comentou: - Você não me disse seu nome.

Sara piscou, surpresa, mas respondeu no automático:

- Meu nome é Sara - não disse o sobrenome e se ele notou, não deixou transparecer nada. - Qual é o seu?

Ele a fitava como se nunca tivesse visto algo parecido. Parecia querer desvendá-la, ver o que ela não deixava transparecer. Ela se encolheu, intimidada.

- Neill - respondeu somente e ela soube que ele havia notado sua objeção ao também não dizer o próprio sobrenome.

- Obrigada, Neill, por ter me ajudado e sinto muito se atrapalhei a sua noite - ela tentou sorrir e ele encarou seus lábios por tempo demais depois disso.

Sara afastou-se mais um passo, observando-o e sentindo que ainda era analisada.

- Você não atrapalhou - ele fechou a porta do passageiro que ainda mantinha aberta e fez menção de seguir até a outra extremidade do carro. Ela se afastou rapidamente e esperou que ele entrasse no veículo, mas ele apenas parou onde ela estava e fez um sinal para a entrada do bar. - Vá até sua amiga, vou olhar enquanto você entra.

- Não precisa, pode ir se quiser.

- Faço questão.

- Mas...

- Vá, Sara - disse e ela podia jurar que havia um indício de sorriso nos lábios dele, apesar do tom sério.

Ela balançou a cabeça, fez um rápido aceno com a mão e praticamente correu para dentro do bar, batendo a porta atrás de si.

Não foi surpresa ser recebida com olhares curiosos. Ela desmaiou ao ser tocada por um dos clientes e, além disso, fora carregada por aquele homem. Surpresa para Sara foi ser recebida por um Steve sorrindo e cheio de dedos.

Ele se aproximou, afoito e falou como se fossem amigos e não patrão rabugento e funcionária insubordinada:

- Sara, minha querida, você está bem? - perguntou aparentemente preocupado.

- Sim - respondeu confusa, sem entender por que ele estava sendo tão atencioso se desde o momento em que se conheceram ele não fora outra coisa que não um pé no saco.

O bar estava consideravelmente vazio e ela se surpreendeu novamente, perguntando-se por quanto tempo havia apagado. Havia apenas três clientes restantes e Sara viu Fiona aproximando-se deles provavelmente para avisar que fechariam e que eles precisavam sair.

- Você me deu um susto e tanto, menina - Steve riu amigavelmente e ela forçou um sorriso, esperando o que viria a seguir: sua demissão. - Vamos, venha. Sente-se um pouco, você ainda está pálida. Tem certeza que se sente bem? Precisa de algo? Água? Fiona, por favor, traga um copo de água para a nossa Sara - gritou, forçando-a sentar em uma cadeira próxima e sem esperar que respondesse.

- Estou bem - disse quando ele puxou uma cadeira e sentou-se ao seu lado. Resolveu esclarecer as coisas logo, não suportava joguinhos e presumiu que aquilo cHelenamente era um, já que Steve não ia com a sua cara e nem ela com a dele. - Steve, eu gostaria de agradecer pela oportunidade e, se você concordar, posso passar aqui amanhã para pegar o meu pagamento.

Ele franziu a testa, confuso e riu um pouquinho, mostrando todos os dentes, o que estava começando a assustá-la.

- Passar aqui amanhã? Como assim? Você não vai poder trabalhar amanhã? - perguntou.

Sara arregalou os olhos. Aquela noite parecia sem fim e cheia de surpresas.

Poderia jurar de pés juntos que, após o desastre que fora seu desempenho como garçonete, nunca mais colocaria os pés naquele lugar novamente. Pensou que seria realmente uma dádiva se conseguisse receber o pagamento pela noite, mas não imaginara que seria contratada.

- Você está falando sério? Eu posso voltar amanhã?

Steve riu alto, jogando a cabeça para trás.

- Mas é claro, minha querida! Eu preciso de novas garçonetes e você é perfeita para o cargo - pegou as mãos dela e se aproximou um pouco, falando em um tom intimista e amigável que ela não entendeu: - Espero que você aceite trabalhar para mim, minha querida. Estou precisando de funcionárias competentes como você.

Competentes em quebrar copos e em desperdício de mercadoria, ele queria dizer. Sara não saberia dizer o que estava acontecendo, como ou por quê. Nada fazia sentido, mas como a cavalo dado não se olham os dentes, ela sorriu largamente para Steve e respondeu:

- Nos vemos amanhã, então.

Ele emitiu um gritinho de contentamento e levantou-se. Lançou um rápido olhar para a janela, por onde se via o estacionamento e seu sorriso se alargou mais alguns centímetros.

- Perfeito, minha querida! Magnífico! - exclamou. - Nos vemos amanhã, então. Você está liberada, pode deixar que eu e as meninas nos viramos com a limpeza. Tenha uma boa noite!

Sara se levantou um pouco tonta e seguiu até o pequeno armário onde os funcionários guardam suas coisas. Pegou sua bolsa, verificou rapidamente o visor do celular baratinho que havia comprado para emergências. Não havia nenhuma ligação, então ela respirou aliviada. Não gostava de passar longos períodos de tempo longe de casa, mas precisava encontrar uma maneira de conseguir dinheiro logo.

E, aparentemente, conseguira. Só não conseguia imaginar como isso era possível.

Despediu-se das outras meninas com um aceno rápido, recebeu mais alguns sorrisos e exclamações de Steve e deixou o bar. Passou pelo estacionamento e constatou aliviada que o carro de Neill não estava mais ali.

Seguiu caminhando rapidamente. O dia estava quase amanhecendo, não havia movimento nas ruas e ela sentiu um pequeno arrepio. Não costumava andar tão tarde e sozinha pelas ruas, mas o pequeno apartamento que alugava por sorte era próximo ao bar, o que ajudava muito.

Revirou a bolsa em busca de um agasalho quando ouviu o som de um carro se aproximando. Olhou para trás, sem diminuir os passos enquanto vestia o suéter. Sentiu um tremor na espinha e continuou andando, rezando para chegar logo em casa.

O carro cHelenamente a seguia e o motorista não fazia questão de ser discreto. Mantinha uma pequena distância e a luz dos faróis impossibilitava que ela visse o motorista. Apressou o passo e o carro fez o mesmo, aumentando a velocidade.

Aproximou-se da esquina e quando preparava-se para correr, um outro carro, vindo da rua paralela ao sentido que ela seguia, parou bem na sua frente. Ela não teve tempo para analisar que conhecia aquele carro.

O motorista abriu a janela e ela se surpreendeu apenas um pouco ao constatar quem era.

- Entre no carro - disse Neill, os olhos fixos no outro carro que ainda se aproximava lentamente.

Sara precisou pensar apenas por um segundo. Haviam duas únicas opções: continuar andando até em casa, correndo o risco de a qualquer momento ser atacada pelo motorista do carro misterioso que a perseguia ou entrar no carro daquele homem misterioso, ainda quase um estranho, mas que já a ajudou uma vez.

Deu a volta no carro e ele abriu a porta para ela por dentro. Entrou rapidamente e afivelou o cinto.

Sara fitou-o em um misto de curiosidade, confusão e temor, enquanto ele arrancava com o carro.

- Como sabia que eu iria para casa andando? - perguntou após dar as coordenadas de onde morava.

- Você mente muito mal - ele disse apenas, sorrindo um pouco.

            
            

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