Já havia se passado quatro dias desde o ocorrido. Nicholas não apareceu novamente, mas telefonou incontáveis vezes para falar com a filha. Joe e Kevin apareceram em nossa casa, pelo contrário. Disseram para mim que Nicholas pensava no retorno da banda. Eu não poderia ficar menos do que feliz, por eles. Os meus ex-cunhados então, explicaram para Liz que futuramente ficaria um pouco mais difícil de vir com tanta frequência à nossa casa, mas que ela poderia estar com a tia Danielle e as primas sempre na casa de Kevin, ou com a vovó Denise e o vovô Paul. Afirmaram a ela que, em cada brecha possível eles iriam se ver.
Liz não se sentiu triste ou chateada, ela como eu disse, era muito madura. Parecia compreender que algumas coisas não iriam correr como a gente gostaria, e isso era um pensamento referente à situação de divórcio entre o pai dela e eu. Liz fazia acompanhamento com psicóloga infantil, e era algo que a preparava muito bem para lidar com diversas situações. Muitas vezes, eu sabia que a criança conseguia lidar com muitas questões graças à terapia, como por exemplo, a confusão que era hora ver o pai, hora não.
Eu havia pedido a Robert para levá-la à casa de Kevin naquele dia, já que havia sido combinado entre tio e sobrinha da última vez que ele estivera em nossa casa. E a pequena estava tão animada para brincar com as primas que mal se despedira de mim. Eu sorria acenando até que o carro do meu irmão tomou certa distância.
O fim da tarde caiu e eu me apressei em ir para o restaurante. O pôr-do-Sol batendo no para-brisa de meu carro era uma das minhas visões favoritas. Estacionei na vaga restrita a mim no estacionamento do meu estabelecimento. E Alex estava rindo animado com os demais funcionários que já haviam preparado quase tudo para a abertura da noite.
- Estamos muito animados, que maravilha! – eu falei sorrindo enquanto entrava ao Bistrô.
Todos me cumprimentaram, e enquanto eu ia até a parte de trás do balcão do bar para pegar um dos meus livros de anotações diárias do restaurante, Alex me perguntou se a playlist da noite estava apropriada. E logicamente eu aprovei a lista seleta e de bom gosto de Alex, que sempre me cativava. O meu aparelho celular tocou em meu bolso, e rapidamente eu o puxei de minha calça jeans. Preocupei-me com a chamada e atendi com anseio.
- Dr. Rhodes? Boa noite, tudo bem?
- Boa noite Katharine. Tudo bem sim, e com você?
- Apreensiva por esta chamada, não aconteceu nada mesmo com a Liz, não é? Ela está na casa dos tios, então...
- Katharine... – ele me interrompeu com um risinho compreensivo - Eu só estou telefonando para dizer que o resultado do exame dela saiu. E eu gostaria de conversar com os pais. Estou à uma hora de sair do meu plantão, posso recebê-los se possível virem.
- Ah... Nicholas não poderá ir, ele está em viagem, mas... Há algum problema falarmos sobre, fora do consultório? – perguntei encarando o relógio do bistrô.
- Está no trabalho, não é? Faça uma reserva para mim então, e poderemos conversar se não houver nenhum problema para você.
- Ótimo. Obrigada. – falei sorrindo e anotando o nome dele no livro de reservas - Às vinte horas?
- É um bom horário para você?
- Certamente, a casa estará cheia. O bistrô graças a Deus é bem frequentado. Mas, eu não terei problemas em lhe dar atenção.
- Tudo bem, às vinte horas então. Reserva para dois.
- Claro...
Anotei as informações um pouco confusa com a informação, e Rhodes riu do outro lado da linha.
- Para dois, claro, se você não se importar em jantar comigo.
Meu olhar pousou sobre as letras escritas no papel, e minha boca entreabriu. Eu não havia entendido o que estava acontecendo ali. Ele e eu nos tornamos amigos, mas por alguma razão, eu me senti numa situação diferente do comum.
- Algum prato que gostaria de pedir de uma vez? – falei ainda confusa e notei a voz do médico mudar do outro lado, havia certo constrangimento em sua voz.
- Não se preocupe, eu verifico pessoalmente. Até mais tarde, então, senhorita Katharine.
Despedi-me cortês do médico, e estranhei os modos formais aos quais ele me direcionou. Certamente, havia um constrangimento ali. E eu não sabia identificar se eu havia sido grosseira com ele ou não.
Chamei Alex o informando da nova reserva e explicando que era o médico de Liz, portanto eu não poderia estar à cozinha. Peguei os livros que eu havia ido buscar ao chegar ali, e conferi se todos os afazeres diários haviam sido realizados. Peguei o livro de balanço da noite anterior e fui até meu escritório. Deixei meus pertences em meu armário, como era hábito. Sentei-me à mesa e conferi a parte burocrática que eu havia me esquecido de conferir nos últimos dias.
Quando terminei, levantei da mesa e peguei meu dolman vestindo-o. Ao pegar meu aparelho celular, ponderei se deveria avisar ao Nicholas que Rhodes me informou que os resultados saíram e que eu iria encontrá-lo para ter mais respostas. Mas, provavelmente Nicholas ficaria perturbando-me entre uma brecha e outra do seu horário para saber informações que eu ainda não tinha. Logo, decidi avisá-lo quando terminasse de conversar com o médico.
Adentrei a cozinha observando o movimento apressado e natural do lugar, a fumaça já subia sendo engolida por todos os exaustores, sorri pela mistura de cheiros que me davam diariamente água na boca. Os tilintares de talheres e taças, me deixavam doida para trabalhar.
- Pessoal, às oito horas eu estarei em reunião no salão, então García você será responsável pelos meus pedidos, ok?
Informei ao meu chef auxiliar que sorriu em resposta. Todos já estavam habituados a lidar com a minha ausência esporádica na cozinha. Eu tinha uma equipe maravilhosa de trabalho. Uma segunda família, que eu amava um por um. Tiffany, a minha garçonete, adentrou afirmando que os primeiros pedidos haviam chegado e nós começamos o trabalho.
As dezenove e trinta, Alex informou que Dr. Rhodes havia chegado. Estranhei o horário e lavei as mãos indo até o salão. Ele conversava com o mâitre finalizando seu pedido, numa mesa da área mais reservada do bistrô. Levantou-se de sua mesa quando me viu e sorriu.
- Boa noite, Katharine.
Seu sorriso impecável com os olhos que se reuniam em pequenas rugas ao canto demonstrava que o constrangimento havia desaparecido.
- Bem vindo novamente, Daniel.
- Eu nunca me canso de me encantar com o De L'Katharine. É um lugar muito aconchegante.
- Obrigada. Eu também acho. – sorri orgulhosa - Sinta-se sempre convidado a voltar.
- Talvez, eu vá fazer daqui meu ponto oficial para refeições.
- Eu vou adorar. – falei sincera e rimos.
- Me desculpe se eu soei invasivo ao convidá-la para jantar, Katharine. Apenas achei que seria prudente, já que teremos que conversar e você fará uma pausa.
- Ah, bem... Eu realmente fui pega de surpresa.
- Não entenda mal o meu convite, por favor. Não quero problemas com o Sr. Nicholas.
- Não estrague nossa noite, Rhodes. – o olhei sarcástica.
Era óbvio que Daniel fazia piada pelas atitudes grosseiras de Nicholas ao encontrá-lo.
- Bem, eu vou retornar à cozinha para finalizar alguns pratos. E pontualmente retornarei.
- Eu já fiz o meu pedido, se você puder prepará-lo, será uma honra. Eu tenho a noite livre, então não se preocupe com o horário.
- Ótimo, então eu mesma prepararei o seu jantar.
Sorri e me coloquei novamente ao meu posto. Afirmei ao meu auxiliar que eu iria cozinhar o pedido da mesa treze antes de me ausentar. O cação ao molho de alcaparras, pedido por Rhodes não demorou muito a ficar pronto. Então, eu estava dando os últimos retoques na sobremesa que eu já havia preparado também por conta da casa. Coloquei a tela de melaço sobre o petit-gateau à La Katharine e levei-o ao refrigerador para sobremesas frescas.
Caminhei até meu escritório retirando o dolman, ajeitei cabelos e maquiagem, e saí pela porta social em direção à mesa de Daniel. Quando ele me viu chegar, levantou-se rapidamente e fez às honras de puxar a cadeira para mim.
- Você é mesmo um gentleman. – sorri o encarando.
- Minha mãe certamente me deserdaria se eu esquecesse as boas maneiras.
Chamei meu mâitre pedindo-o para servir-me uma taça de vinho branco e Tiffany trouxera o pedido da mesa.
- Espero que aprecie o jantar.
- Com este aroma, este lugar e esta companhia, eu teria como não apreciar? – ele perguntou com um sorriso prazeroso em seu rosto.
- Bem, eu não sei quais as notícias então... Melhor comermos primeiro, não é? – falei.
Os olhos de Rhodes mudaram a sua expressão concordando. Pusemo-nos a saborear o jantar e conversar sobre tudo o que não fosse o assunto principal que o levara ali.
- Como está a pequena? – ele perguntou após algumas garfadas.
- Ela está na casa das primas Alena e Valentina. Irá dormir por lá já que o tio não poderá vê-la por um tempo.
- É bom que ela tenha este contato com a família do pai, você faz muito bem. Tenho pacientes de pais separados, que... Posso afirmar, estão doentes porque a cabeça e o coração também estão.
- Eu jamais irei privar Liz de viver o que ela poderia viver, se Nicholas e eu, continuássemos casados.
- E como vocês estão?
A pergunta de Daniel não me afetava. Ele e eu havíamos nos tornado bons amigos desde que ele chegou ao prontuário de Liz, na fase onde nós duas estávamos enfrentando tanta coisa, sozinhas. Muitas vezes eu havia desabafado sobre Nicholas com ele, e Daniel, apesar de nunca ter se casado, tinha os melhores conselhos e as mais confortáveis palavras.
- Eu creio que ele está muito bem! Nicholas já foi um homem de sofrer por amor. Mas... Há anos não é assim. E eu... Não posso dizer que superei totalmente, você sabe que eu ainda me culpo.
- E precisa parar de culpar-se... – ele me encarou como alguém que já havia me dito aquilo várias vezes - Mas, eu me referia a vocês dois. Como um casal.
Olhei para Daniel diretamente e confusa, beberiquei meu vinho com um sorriso irônico e descrente. Não conseguia entender que raio de pergunta era aquela.
- Não me olhe assim. Não fui eu que demonstrei ciúmes com a sua proximidade ao médico da sua filha. – ele ria explicando.
- Oras, chega a ser um ultraje você pensar que Nicholas sentiu ciúme de nós.
- Por que, posso saber? – Daniel me olhou em tom de ofensa.
- Porque o problema de Nicholas é não ter as coisas sobre o seu controle. Este é o problema, e não o fato de eu seguir em frente supostamente ou não.
- Reconheço um homem ameaçado quando vejo um. E embora ele não tenha razões concretas para sentir alguma ameaça em mim, eu sei que ele sente. Talvez vocês possam...
- Nem termine Daniel. Ou vai estragar o sabor desta refeição. – adverti o interrompendo.
Ele riu e retornou sua atenção à comida enquanto eu movimentava minha cabeça, afetada por tamanho disparate. Não era absurdo pensar em Daniel e eu como um casal normal, embora não houvesse interesse dele em mim, ou o oposto. Mas, sim, um disparate era pensar que Nicholas e eu poderíamos reaver uma relação.
Depois de um jantar de risos e conversas tranquilas, Daniel suspirou pesadamente e fez o que de fato, havia ido fazer.
- Bem... O diagnóstico de Liz. Precisamos conversar.
- Certo, já me distraí o suficiente dos problemas por hoje e obrigada por isso.
- Katharine... Ela está em quadro diabético. Mas, a insuficiência pancreática está apresentando melhoras graças ao tratamento precoce que fizemos, no entanto só vai realmente melhorar, quando equilibramos o quadro da diabetes. Senão é jogar tempo e dinheiro fora.
Fechei os olhos pesadamente e apoiei cotovelos à mesa apertando minhas têmporas. Daniel pegou uma das minhas mãos, fazendo-me encará-lo.
- Não é o fim do mundo, por mais que possa parecer. Ela vai ficar bem, no final das contas. Acredite... Você tem mais motivos para agradecer do que reclamar.
- Eu já imaginava também... O problema é que... Por incrível que pareça, não estou lamentando pela doença. Estou lamentando por ter que explicar isso para ela, sem o Nicholas aqui.
- Ele faz questão?
- Muita. E isso vai dar uma confusão, que você não faz ideia. Denise vai se antecipar ao filho, eu tenho certeza.
- Bem, mas isso não é problema seu. É dele. Você tem a obrigação de contá-lo sobre isso, e ele de decidir como vai lidar com isso junto a vocês duas.
- Só que eu sei que ele vai querer que eu o espere voltar para falar com a Liz, e eu não posso fazer isso, Daniel.
- Novamente, isso é algo que ele tem que resolver. Se ele fizer questão, dará um jeito de estar com a filha conversando sobre isso, não importa a distância.
- É verdade, mas o que você não sabe é que Nicholas não é dono de suas ações. Tem toda uma equipe que controla a agenda e as prioridades dele.
- Hm... Então, façamos assim. Jogue a culpa em mim.
- Como? – eu encarei confusa ao semblante tranquilo dele.
- Leve Liz ao consultório, eu converso sobre isso com ela, explico e você diz que não sabia que eu faria dessa forma. Assim, nem você, nem Denise e nem ele terão tido responsabilidade em explicar o quadro clínico de Liz a ela, afinal essa é a minha função também.
- Eu não vou meter você no palco para que Nicholas arme o espetáculo. Isso ele fará independente de quem forem os atores.
Meu celular estava sobre a mesa de jantar e eu havia chamado Tiffany pedindo-a para trazer a sobremesa que eu preparei. Quando encarei Daniel fazendo gestos satisfeitos e sorrindo por saber que ganharia uma sobremesa de cortesia minha, foi impossível não rir.
- Pediatras passam muito tempo com as crianças.
- E por isso eu sou um. Não suportaria deixar a minha criança interior crescer.
- Peter Pan. – falei zombando dele e antes que ele dissesse algo, meu telefone denunciou a chamada de meu ex.
Peguei o aparelho não acreditando e mostrei para Daniel que fez sinal para eu atender.
- Olá Nicholas, boa noite.
- Boa noite Katharine, eu estou ligando para saber se há alguma novidade sobre os exames de Liz.
Suspirei sem acreditar que o destino fosse tão sacana.
- Na verdade, você parece ter adivinhado. Acabei de saber pelo Daniel.
- Dr. Rhodes, você quis dizer.
- A maneira como eu e Daniel nos tratamos formal ou informalmente não é o ponto que deveria interessar-lhe.
As sobremesas chegaram e Daniel me encarava com um sorriso travesso, e pondo-se a saborear a sua sobremesa.
- Katharine, sobre isso nós falaremos depois.
- Não senhor, eu não devo este tipo de explicação a você. Aliás, você quer o quê com esta ligação mesmo?
- Bem, quando ele te deu o diagnóstico? – Nicholas entendeu minha pergunta e focou-se ao assunto principal.
- Agora mesmo. E eu es...
- Está no hospital? Pelo barulho achei que estivesse no bistrô. – ele perguntou me interrompendo.
- Estamos o Daniel e eu no bistrô sim, falando sobre a Liz. Agora, você quer ou não quer saber o diagnóstico?
A respiração de Nicholas era a única coisa que eu escutava, e cheguei a olhar a tela do meu aparelho verificando se a chamada estava ativa ainda.
- Nicholas?
- Qual diagnóstico?
- Liz desenvolveu a diabetes.
- Droga... – ele murmurou desanimado e culpado do outro lado.
- Nicholas. Não se culpe. Olha... Mais tarde eu posso te ligar para conversamos sobre como você irá conversar sobre isso com ela? No momento eu estou...
- Ocupada, suponho. Eu te retorno.
Ele me interrompeu dizendo e desligou a chamada na minha cara.
- Olha... Nunca se case Daniel. – falei para o homem atento à minha frente.
Ele riu divertido e apontou para meu prato posto, indicando que eu deveria comer.
- Adoce o paladar um pouco com esta sobremesa divina que você preparou.
- Gostou então?
- É o petit-gateau mais diferente e delicioso que já provei. Como se chama?
- Petit-gateau à lá Katharine. Nada criativo eu sei, mas... Foi a primeira sobremesa que eu criei.
- É maravilhoso. Um nome simples para um sabor requintado.
- Obrigada Daniel. De verdade, obrigada por todo o apoio que tem me dado. – falei o fazendo me encarar ameno.
- Somos amigos não?
- Com certeza, Rhodes. – falei com absoluta certeza.
- Então, eu não poderia fazer diferente. Ah... Aliás, Liz ia receber alta da psicóloga, mas eu vou solicitar que continue a terapia até termos certeza de como ela vai encarar o diagnóstico.
- Obrigada, eu acho ótimo. Ela tem lidado com tudo tão bem por causa disso.
- É eu percebi também. Agora... Estarei de folga amanhã e depois. Logo, você tem dois dias para conversar com ela. E com o Nicholas. Mas, se quiser minha ajuda me ligue. Eu vou marcar a consulta dela para meu primeiro dia pós folga ok?
- Como quiser doutor.
Rhodes sorriu para mim e nos despedimos. Eu precisava retornar ao meu trabalho, e embora ele pudesse continuar apreciando o local, ele estava cansado. Insistiu em pagar a conta, e eu pedi ao Alex que retirasse algumas coisas da comanda dele, como o meu consumo, sem que ele soubesse.
O movimento no bistrô havia cessado, os funcionários terminavam de arrumar tudo e aos poucos foram saindo até que eu e Alex estivéssemos sós. Nicholas havia me telefonado e tínhamos discutido. Como eu imaginara, ele pediu para não contar à Liz até que ele pudesse vir, e eu era contra aquilo. Ela precisava começar o tratamento logo, e ele precisava aprender a lidar com as prioridades na vida dele.
- Nicholas. A minha parte é informar você e ser transparente com a minha filha. A sua parte é lidar com a paternidade e suas questões. Então, resolva-se. Eu não vou esperar você chegar para só então começar a explicar para Liz da Diabetes dela. Ela só tem três anos, e esta nova condição não vai ser entendida imediatamente.
Desliguei a chamada e encarei Alex. Ele estava parado observando tudo, e já tinha em mãos minha bolsa e meu casaco.
- Pare de deixar-se sucumbir pelas discussões com Nicholas, Katharine. – ele falou abraçando-me.
- Eu não sei... Acho que eu transformo toda conversa simples com ele, em algo pesado e doloroso demais, sabe Alex?
- Que bom que você reconhece a isso. Vocês precisam superar os erros um do outro, e tentarem conviver melhor por Liz.
- Eu sei. Eu sei, é só que... Eu só o queria do meu lado sabe? Para lidar com estas questões. Eu sei que não é nada absurdo o diagnóstico dela, mas...
- Você queria se sentir segura nos braços do seu ex-marido. – Alex afirmou me interrompendo.
Eu me deixei chorar sem esforço no abraço do meu melhor amigo.
- Você tem tantos braços para se segurar Katharine... – ele falou me fazendo o encarar - Os meus, os do Robert, da sua mãe, da própria Liz. Tem os braços da Denise e do Paul, embora ache que não... Do Kevin e do Joe... Enfim... Tem até os braços do Dr. Rhodes. Pare de querer estar nos braços da única pessoa que não te faz bem.
Sorri. Alex estava certo. Eu precisava parar de desejar que Nicholas reagisse como um porto seguro que lutaria por nós até o fim. Se não havia mais um "nós" a razão era porque, nós decidimos que não teria mais. Aliás, fora eu quem o retirou da minha vida. Apesar de todos os erros, fui eu quem desgastou meu relacionamento ano após ano, crise após crise.
Enxuguei os prantos e respirando fundo, estufei o peito. Peguei minhas coisas e saí do bistrô acompanhada por Alex que me fez prometer que não iria mais pensar naquilo ao chegar em casa. Ele acenou de seu carro para o meu, e ambos saímos do estacionamento do bistrô até nossos destinos.
Liz dormiria na casa de Kevin aquela noite, e eu pude relaxar em minha casa. Porém, na manhã seguinte, estava sendo acordada no susto, por uma torrente de sinos da campainha. Desci descabelada, assustada e sem me lembrar de pegar meu hobby para jogar por cima da camisola.
Abri a porta de casa afoita, e não acreditei quando vi a figura de Nicholas segurando as grades do portão de cabeça baixa. Esfreguei os olhos e caminhei até meu jardim da frente. Alguns vizinhos passavam na rua e não perceberam o que acontecia ali. Assim que me aproximei do portão, a senhora Baker passou pela calçada com sua sacola de pães e me encarou surpresa. Sorri sem graça para ela, que àquela altura certamente imaginava que Nicholas havia voltado para casa.
- Está sem juízo? – falei e só então ele me percebeu.
- Bom dia.
- Vá fazer escândalos na campainha da sua casa, Nicholas Cassano! Tem noção do quanto acordei assustada? – briguei abrindo o portão e dando passagem a ele.
- Desculpe Katharine, eu queria chegar antes que o escolar da Liz já tivesse partido.
- E isso é razão para descontar na campainha? Ela não tem aula hoje, é conselho de classe.
Falei adentrando a sala da minha casa e sendo seguida por Nicholas que me aguardava.
- Ótimo. Peguei o avião mais rápido até aqui.
- Finalmente priorizou a coisa certa... – sussurrei.
- O que disse? – ele perguntou sentando-se no sofá.
- Me aguarde, eu vou me recompor já que você me jogou para fora da cama.
- Eu vou ver a Liz.
Ele levantou-se rápido caminhando atrás de mim, e eu não tinha percebido então parei de andar e me virei para falar com ele, mas nos trombamos na mesma hora. As mãos dele seguravam meus braços e encaramos os olhos um do outro, tão próximos como há muito tempo não fazíamos. Eu me soltei dele então, passando a mão nos cabelos e indo até meu quarto deixando-o parado ali.
- Ela não está.
- Como assim, não está? – perguntou bravo entrando em meu quarto.
- Dormiu na casa de Kevin.
Ele coçou a cabeça sem graça e se retirou. Quando retornei à sala, ele me perguntou se eu havia dito alguma coisa a ela. Fui preparar o café da manhã, mas Nicholas já havia passado o café e posto à mesa. O olhei em dúvida.
- Eu não tomei café. – ele falou óbvio - Não posso mais cozinhar na sua casa também?
Não liguei para o comentário e fui servir-me respondendo a pergunta anterior dele:
- Eu não estive com ela. Ontem Kevin buscou-a pela manhã, e eu te disse isso por mensagem, que ela ficaria lá. Então, à noite Daniel e eu conversamos. Logo, eu não estive com ela ainda para contar.
- Que bom então, assim falaremos juntos.
Não esbocei nenhuma reação e dei uma colherada em meu iogurte e Nicholas quebrou o silêncio observador ao qual me dedicava, para perguntar sobre o que eu já imaginava que não demoraria a perguntar.
- Por que o Dr. Rhodes foi falar com você no bistrô?
- Porque eu não poderia sair para ir ao consultório àquela hora, e porque Daniel é um admirador da minha comida, como tantas outras pessoas.
- Então ele é um frequentador assíduo do De L'Katharine?
- Qual o problema? – perguntei desafiadora.
- Desde quando você e esse médico ficaram tão próximos?
- Desde que você saiu por aquela porta e eu tive que lidar com um mundo totalmente diferente, e despreparada. Mas, onde isso é da sua conta?
Nicholas ficou em silêncio, inexpressivo e suspirou pesadamente me dizendo:
- Katharine, foi você quem quis isso.
- E eu não estou te cobrando nada Nicholas, apenas respondi a sua pergunta. E não falei nenhuma mentira. Agora, onde isso é da sua conta?
- Eu só quero saber se...
- Se o que Nicholas? – interrompi - Se eu já superei tudo e coloquei outra pessoa em seu lugar? Eu não entendi ainda, até onde isso é da sua conta. Ponha-se no seu lugar de pai da Liz, e só.
- Eu quero o bem de vocês duas. Eu amo as duas, e não é porque separamos que isso vai deixar de existir. Só é outro tipo de amor e preocupação.
- Então está dizendo que as minhas relações sociais devem interessar a você, por zelo? Jura?
- Katharine, eu realmente quero que você seja feliz, mas acho que não é bom para a Liz que você se relacione com o médico dela.
- Vá se danar, Cassano. Eu não acredito que você disse isso. Tem tantos erros nessa frase, que eu mal posso contar.
- Katharine... – ele tentava pacientemente me explicar o que não tinha explicação.
- Nicholas! Eu não estou num relacionamento com Daniel, e se estivesse seria maravilhoso já que Liz o adora! E por favor, não seja hipócrita em seus argumentos. Você não pensou momento algum no bem estar da sua filha quando decidiu relacionar-se com a mulher que causou o divórcio dos pais dela. Aliás! Eu estou sendo injusta com a Priyanka, quem causou nosso divórcio fui eu. Mas, de qualquer forma, você não está sendo sincero com a sua filha. Eu jurei ser sincera a você Nicholas, mas você também jurou.
Ele me olhava como alguém que não tinha respostas. Eu continuei meu café da manhã, realmente triste por ele não responder. O silêncio de Nicholas demonstrava que eu estava certa.
- Eu vou buscá-la. Você vem comigo?
- Não. Ela não deveria ver os pais chegando juntos na casa do tio. Não quero criar imagens falsas na mente da minha filha.
- Está exagerando.
- A psicóloga dela não acharia isso.
- Ela não recebeu alta ainda? – perguntou preocupado.
- Nem vai. Diante do quadro, Daniel acha prudente ela permanecer na terapia mais um tempo.
- Daniel... Por que ele não me informa as coisas?
- Porque é o meu telefone primário de responsabilidade por Liz no prontuário dela, e na minha falta, é o da sua mãe que está lá.
- Estou indo buscar minha filha. – ele disse bravo dando-me as costas.
- Nicholas! – ele virou-se para me olhar - Se quiserem ficar mais um pouco com Kevin e as meninas, fiquem. Se puder e quiser passe o dia com sua filha. Ela precisa disso.
- Você não quer conversar com ela? Sobre o diagnóstico.
- Esse é um momento de vocês, e eu vou falar com ela quando estiver com ela.
Ele se acalmou e sorriu saindo.