Um mês havia se passado desde então. Rhodes continuava vindo constantemente ao bistrô, e os Cassano já estavam novamente preparando-se para o retorno. Pelo volume de trabalho aumentado, Nicholas estava mais próximo, com poucas viagens e concentrando-se em trabalhos publicitários e na preparação do novo álbum de retorno com os irmãos.
Ele e Priyanka haviam assumido publicamente, e ele também tinha conversado com Liz. Eu estava surtando. Não bastasse não aceitar a união dos dois, eu teria que suportar a ideia da minha filha conviver com a namorada do pai. Caminhávamos Liz e eu cantarolando até a entrada do De L'Katharine , e a menina gritou alegre ao ver Joseph com Sophie, sua namorada, esperando-nos no balcão do bar conversando com Alex. Ela correu até o tio e eu sorri simpática e surpresa.
- Que surpresa! – falei cumprimentando-os amigável.
- Eu disse ao Joe que deveríamos aguardar vocês abrirem Katharine, mas sabe como ele é, não é? – Sophie justificou.
- Até parece Sophie, vocês podem vir quando quiserem e ele sabe disso. Não é, Liz? – perguntei e a menina concordou risonha - Abriremos agora também.
Olhei para o relógio e sorri.
- Alex pode ver uma mesa para vocês, querem? – perguntei.
- Por favor, cunhadinha, hoje iremos jantar Sophie e eu no melhor restaurante desta cidade! – Joe disse convencido.
- E eu titio? – Liz perguntou triste.
- Oh! Sophie, Liz e eu hoje iremos jantar no melhor restaurante desta cidade! – ele refez a frase enchendo a sobrinha de beijos.
- Alex, acomode-os, por favor. Com licença queridos, e Liz, comporte-se. – eu falei me retirando.
Entrei à cozinha e fui ao meu trabalho, uma vez que Tiffany já havia aberto a porta do bistrô.
O molho de tomate escorria de uma panela para o tabuleiro e aquele cheiro de manjericão subia em meu nariz me fazendo viajar entre os sabores que eu poderia combinar. Entretanto, o prato já estava formulado e agora, iria gratinar ao forno.
Liz surgiu na cozinha pela porta do escritório. Ela sabia que não podia entrar na cozinha sem minha autorização, e sempre que quisesse falar comigo, que fosse pelo escritório. Ali havia uma espécie de gradezinha que impedia a menina de entrar diretamente na cozinha. Gritou-me da porta e os meus funcionários riam e brincavam com a menina.
- Mamãe!
- O que houve filha? – perguntei me aproximando.
- Tio Daniel. – ela falou e saiu correndo.
Adentrei ao escritório retirando minhas vestes e indo até o salão de jantar. Vi Rhodes com Liz no colo, e os dois riam e conversavam animados. Sorri em direção a eles, e notei Joe e Sophie encarando a cena, surpresos.
- Já foi atendido pela nossa nova hostess ? – perguntei para Daniel cutucando a barriga de Liz.
- Ah sim, ela já ia me levar até minha mesa. – ele falou brincando.
Liz desceu de seu colo e o puxou pela mão, levou-o a mesa treze e em seguida chamou George, o mâitre.
- Mamãe! Atendi o tio Daniel. – disse a pequena que havia corrido até mim risonha.
- Sim filha, você foi impecável. Agora pare de correr pelo salão, está bem?
- Tá bom! – ela retornou caminhando elegante até a mesa de Joe, que me olhava rindo.
Sorri e fui até a mesa de Daniel.
- Como está?
- Estou preocupado. – ele falou com semblante sério.
- Por quê? – perguntei, sentando-me à mesa dele.
- Você estará encrencada se descobrirem que está explorando trabalho infantil, aqui.
Ele disse e nós rimos.
- Ela parece muito bem, Katharine. – ele afirmou ainda rindo.
- Sim, está. Graças a Deus. Eu vou chamar Tiffany para atendê-lo. - Obrigada Katharine, bom trabalho.
Cumprimentamo-nos cordialmente e pedi a Tiffany que se aproximasse. Em seguida fui à mesa de Joe e Sophie.
- Estão satisfeitos com o jantar? – perguntei aproximando-me.
- Este foi o melhor jantar de toda a minha vida. – Joe falou rindo - Diga-me que aceita preparar o Buffet de nosso casamento.
- Ora, será uma honra Joe.
- De forma alguma Katharine! – Sophie falou repreendendo - Você será convidada e não vai trabalhar no nosso casamento.
- Eu posso ao menos preparar o bolo, e minha equipe toma conta do Buffet, que tal?
- Perfeito! – ela disse.
- Aquele é o médico da Liz, Katharine? – Joe perguntou-me.
- Sim, Daniel é cliente frequente aqui. – respondi.
- Como não seria não é mesmo? – Sophie disse encarando Joe de um modo discreto.
- Tio Daniel é muito legal. – Liz falou e Joe se fingiu de afetado.
- Mocinha! Ele é mais legal do que eu? O tio mais legal que você tem?
- Não tio Joe, você que é. – ela falou rindo.
Todos nós sorrimos e eu pedi licença a eles e fui a outras mesas cumprimentar aos clientes. Antes de voltar à cozinha, Joe e Sophie já estavam levantando-se de saída. Liz veio até mim dizendo que iria brincar na "salinha", que nada mais era do que o meu escritório. Abraçou ao tio e sua namorada e saiu caminhando devagar, sob nossos olhares atentos.
- Katharine, obrigada pelo jantar. Estava maravilhoso. – Sophie disse abraçando-me e chamando a minha atenção para si.
- Eu quem agradeço a presença.
- Katharine... – Joe abraçou-me também e soltou-se devagar e cauteloso.
- Vocês não vieram só jantar, não é? – perguntei o encarando ao perceber sua cautela.
Ele coçou a cabeça e me estendeu um envelope dourado.
- Nicholas estará num evento, e prometeu a Liz que a levaria. Mas, mamãe achou prudente que ela fosse com você que é a mãe, já que...
- Denise não estará. – conclui.
- Ela estará. E Danielle e eu estaremos também, Katharine. – Sophie disse tão cautelosa quanto Joe.
- Entendi, certamente é melhor que Liz esteja em um evento assim com a mãe. – constatei desanimada.
- É importante para ele que a Liz vá, por favor, considere Katharine. – Joe afirmou.
- Eu vou pensar a respeito. Não me importa que Liz esteja no evento do pai desde que ela seja bem cuidada e vigiada, agora... Peça ao Nick para da próxima vez, conversar diretamente comigo. Ele não pode se meter na minha vida quando quer, e em situações que dizem respeito a nossa filha mandar recados.
- É que... Não querendo justificá-lo, Katharine. Mas... É um evento com Priyanka. Mamãe achou que você não gostaria que Liz aparecesse assim com os dois de repente na mídia.
- Denise me conhece bem... – falei suspirando pesadamente - Eu vou pensar.
- Você pode levar um acompanhante. – Joe falou apontando o convite.
- Convide o Dr. Rhodes. Vocês parecem se dar bem.
Sophie falou sorrindo simpática e olhando para a mesa do médico, onde Liz havia parado me fazendo fechar o semblante. Joseph olhou para a mesa, e novamente para mim.
- Er... Você pode chamar quem quiser, na verdade. – Joe confirmou encarando Sophie de modo curioso.
- Insinuações do casal à parte, se eu for, irei sozinha. – respondi.
Joe deu de ombros e Sophie sorriu como se achasse graça, por ter sido pega nas minhas interpretações dos dois. Abraçamo-nos e eu fui até Liz. Chamei-a com a mão, mas Daniel fez um sinal silencioso de que a deixasse ali. Ela pediu "por favorzinho" com as mãos e eu revirei os olhos deixando.
Quando chegamos em casa, Liz dormia e eu carreguei-a no colo da garagem até seu quarto. Sentei-me ao pé de sua cama e acariciei seus cabelos pensando sobre o convite que eu recebi. Deveria deixá-la ir sozinha? Mas, ela era tão nova ainda... Eu teria que ir, mas... Como eu teria forças para encarar aquela situação?
Sentei-me na bancada da minha cozinha, e abri uma garrafa de vinho que eu trouxera do bistrô. Coloquei o aparelho de som para tocar baixinho, e fiquei ali pensativa.
Tocar: If I Ain't Got You
Some people live for the fortune
(Algumas pessoas vivem pela fortuna)
Some people live just for the fame
(Algumas pessoas vivem apenas pela fama)
Some people live for the power, yeah
(Algumas pessoas vivem pelo poder, é)
Some people live just to play the game
(Algumas pessoas vivem apenas para jogar o jogo)
Os acordes iniciais daquela canção me fizeram lembrar o dia em que Nicholas e eu voltávamos de um desfile. Eu havia detestado a ideia de aparecer publicamente com ele, deixar o bistrô com Alex naquela noite e ir realizar um dos meus sonhos de garota: assistir a um desfile de moda. Nicholas era tão ridiculamente sacana que me levou a um desfile da Victoria's Secret.
Lembro-me de ter feito piada com a situação dizendo que ele estava realizando não o meu sonho, mas o dele. E ficamos durante todo o evento, sentados de mãos dadas, trocando piadinhas no ouvido um do outro. Nicholas cumprimentou algumas pessoas num after party que aconteceu para um grupo seleto, e eu estava olhando-o com malícia quando ele entendeu meu pedido. Eu queria ir para casa para um evento melhor entre nós.
Depois de sairmos discretos da festa, ele abriu a porta de casa me imprensando na parede e distribuindo beijos por meu rosto e pescoço. Desci dos saltos, animada e risonha, e caminhamos atrapalhados batendo nos móveis, sob a escuridão da casa. Nicholas não queria esperar, caímos deitados e brincalhões no sofá, e ele pegou o controle do aparelho de som. Era a voz de Alicia a embalar nosso momento.
Some people think that the physical things
(Algumas pessoas pensam que as coisas materiais)
Define what's within
(Definem o que elas são por dentro)
And I've been there before, but that life's a bore
(Eu já me senti assim antes, mas a vida era sem graça)
So full of the superficial
(Tão cheia de coisas superficiais)
FLASHBACK
- Eu te amo tanto Katharine!
- Não mais do que eu amo você.
- Obrigada por ser real. – ele disse entre um cafuné e outro - É o que me conforta, saber que neste meu mundo tão supérfluo, nós dois somos reais.
FIM DO FLASHBACK
Era como se eu ainda estivesse vendo nós dois naquele mesmo sofá. Encarei o controle do aparelho de som ao meu lado e virei outro gole do meu vinho. Sem perceber, estava eu no meu cenário de meses atrás, onde o luto pelo fim do meu casamento era um evento diário.
Some people want it all
(Algumas pessoas querem tudo)
But I don't want nothing at all
(Mas eu não quero absolutamente nada) If it ain't you, baby. If I ain't got you, baby
(Se não for você, querido. Se eu não tiver você, querido)
As lágrimas grossas que desciam dos meus olhos caíram tão naturalmente que só notei ao ver a tela do meu celular, com uma gota de lágrima. Funguei passando a mão em meu rosto e limpando a tela. Acabei por descobrir uma notificação de Robert ali.
Enviei a mensagem desconfiando daquela conversa.
Observei a nossa conversa por mensagem, e embora estivesse certo, eu não dormi. Não queria realmente me deitar e esquecer Nicholas temporariamente. Queria esquecê-lo totalmente. De uma vez por todas, e por isso, sofrer ali, naquele instante fazia parte.
Some people want diamond rings
(Algumas pessoas querem anéis de diamante)
Some just want everything
(Algumas apenas querem tudo)
But everything means nothing
(Mas tudo não significa nada)
If I ain't got you, yeah
(Se eu não tiver você, é)
Some people search for a fountain
(Algumas pessoas procuram por uma fonte)
That promises forever Young
(Que promete a juventude eterna)
Some people need three dozen roses (Algumas pessoas precisam de três dúzias de rosas)
And that's the only way to prove you love them
(E este é o único jeito de provarem seu amor por elas)
Servi outra taça de vinho para mim. E respirei fundo pegando meu telefone e caminhando até o sofá e deitando-me ali confortavelmente. Pousei a taça na mesa de centro, e desbloqueei a tela do aparelho em minha mão. Robert não dissera mais nada. E então, um lampejo, uma necessidade de falar com alguém me tomou. Disquei a chamada sem ao menos raciocinar direito sobre aquilo.
- Katharine?
A voz de Daniel, rouca como alguém que acaba de acordar me trouxe à realidade de meus atos.
- Desculpe ligar a esta hora... – minha voz soou num sussurro.
O som do outro lado da chamada fazia parecer que ele estava levantando-se.
- O que houve? – perguntou preocupado - Alguma coisa com a Liz?
- Não... Não se preocupe.
- Está em casa? – ele perguntou ainda preocupado.
- Estou deitada em meu sofá, ouvindo Alicia Keys, bebendo um vinho, enquanto Liz dorme e...
- Sofrendo pelo Nicholas. – ele afirmou.
O ruído, de meu sorrir, saindo irônico e abafado em fungar refletiu no suspiro profundo de Daniel.
- Eu não quero parecer o tipo de mulher sem noção, que fica ligando para um amigo na fossa e tal...
- Não se preocupe Katharine, pode me ligar quando precisar.
- Onde você está Daniel?
Perguntei casualmente, com a voz arrastada denunciando o choro recente, e obtive alguns minutos de silêncio até ouvir a resposta:
- Infelizmente no quarto coletivo do hospital, descansando até a próxima cirurgia.
- Lamento... Acordei você né?
- Não importa. Está tudo bem... Mas... Aconteceu alguma coisa para esta recaída de Nicholas?
- Ele quer que eu vá a um evento dele e de Priyanka, para que Liz possa ir... E... Eu só não sei como lidar com isso... Eu não sei como lidar com o fato de ainda me deparar com este sentimento de culpa, perda... Eu não me arrependo, por que... Eu não poderia fazer diferente, mas eu me arrependo de tê-lo levado a fazer o que fez.
- Pare de achar que Nicholas te traiu porque você o levou a isso. Você é uma mulher incrível e eu tenho certeza que ele não errou por culpa sua. Na verdade, não há culpados Katharine. Com o tempo eu espero que você perceba isso...
- Eu acho que você está certo. Na verdade, acho que todos estão certos, mas porque eu não consigo aceitar isso?
- Katharine...
Daniel ponderou sua fala e ficamos um tempo ouvindo a respiração um do outro na linha. Acredito que ele não saberia o que dizer para melhorar meu humor. Então apenas suspirei pesadamente e me desculpei de novo.
- Perdão por te acordar e te encher com a minha depressão momentânea, Daniel. – soltei um risinho fraco.
- Não tem nada a desculpar... Eu passo no bistrô amanhã, tudo bem?
- Obrigada, Daniel.
- Boa noite. Não beba todo o vinho.
Sorri e desliguei a chamada, logo após Daniel ter feito o mesmo.
Hand me the world on a silver platter
(Me sirva o mundo em uma bandeja de prata)
And what good would it be?
(E de que adiantaria?)
And no one to share
(Sem ninguém para compartilhar)
With no one who truly be cares for me
(Sem ninguém que realmente se importa comigo)
Eu não queria incomodá-lo, e nem sei explicar o que me levou a recorrer a ele. Mas, em todos aqueles momentos Daniel me fazia sentir melhor. Ainda que não dissesse nada e apenas me escutasse como havia feito, eu me sentia aliviada.
Eu tinha a impressão de que Daniel se importava comigo, ainda se importava com aquela situação de Nicholas e eu. Todos os outros pareciam ter feito tudo o que poderiam fazer, e dito tudo o que poderiam dizer para eu me sentir melhor. Mas, Daniel parecia sempre ter alguma palavra a mais. Eu sentia como se ele fosse acompanhar cada passo do meu recomeço. Cada passo da minha cura total.
Some people want it all
(Algumas pessoas querem tudo)
But I don't want nothing at all
(Mas eu não quero absolutamente nada)
If it ain't you, baby. If I ain't got you, baby
(Se não for você, querido. Se eu não tiver você, querido)
Some people want diamond rings
(Algumas pessoas querem anéis de diamante)
Some just want everything
(Algumas apenas querem tudo)
But everything means nothing
(Mas tudo não significa nada)
If I ain't got you, you, you
(Se eu não tiver você, você, você)
If I ain't got you with me, baby
(Se eu não tiver você comigo, querido)
So nothing in this whole wide world don't mean a thing
(Então nada nesse mundo inteiro não significa nada)
If I ain't got you with me, baby
(Se eu não tiver você comigo, querido)
Terminei de virar o vinho ainda presente na taça e levei-a a cozinha. Guardei a garrafa em minha geladeira e desliguei o aparelho de som. Havia chorado e pensado o suficiente em Nicholas por aquela noite. Então, eu só precisava tentar colocar a cabeça no travesseiro e acordar como a mulher forte que eu vinha tentando ser, no dia seguinte.