Alex disse piadista e saiu. Os poucos funcionários da manhã presentes à cozinha faziam piadas comigo e riam também. Não fui cumprimentar o médico por razões de muito trabalho. Eu sabia que o devia desculpas pela ligação na noite anterior e não queria parecer-lhe louca. Então ponderei e mordi o lábio inferior pensativa, encarando ao pão doce que havia acabado de retirar do forno.
- Gisella, por favor, termine aqui.
Falei para uma das funcionárias da manhã e fui ao meu escritório retirar o dolman. Quando Alex me viu no salão de jantar caminhando até a cafeteria no bar, soltou um sorriso discreto e veio até mim, parando ao meu lado e me observando.
- Ele já pediu alguma coisa? – perguntei.
- Eu estava vindo buscar um café para ele, mas você foi mais rápida.
- Eu levo.
Falei mantendo minha voz normal, não queria dar razões aos risinhos frouxos de Alex.
- Certo... Eu já estou de saída, ok? Marianne chegou e está trocando de roupa.
Concordei e beijei o rosto do meu funcionário e melhor amigo. Alex trabalhava no turno da noite, e naquela manhã havia ido fazer um serviço extra, organizando alguns pedidos com os fornecedores de vinho para que mais tarde George, o mâitre, os recebesse.
Marianne era a minha hostess da equipe da manhã, e por isso também, Alex já estava de saída. Coloquei duas xícaras de café e um croissant na bandeja e caminhei até a mesa treze observando ser aquele o ponto preferido dele no bistrô.
Assim que pousei a bandeja na mesa, Daniel deixou de lado o seu jornal e me encarou sorrindo ao perceber minha presença.
- Oras... Chef, empresária, mãe e também garçonete... Que mulher incrível. – Ele disse dobrando o jornal e se levantando.
Sorri em resposta encostando minha mão em seu ombro e direcionando lhe cumprimentos com dois beijos em seu rosto. Mas, a mão de Daniel em minha cintura fez meu sutil cumprimento transformar-se em um abraço.
- Isto é o que você precisou ontem e eu não pude oferecer. – ele justificou-se pelo gesto tão íntimo de abraço.
- E isto é o que eu ofereci, mas sinto não ter sido suficiente, então novamente... – encarei-o com culpa e vergonha e disse: - Por favor, me desculpe.
- Somos amigos?
- Com certeza! Eu já lhe disse isso.
- Então pare de agir como se não fôssemos. Agora, por favor... – ele deu a volta até a cadeira à frente da sua puxando-a para eu me sentar.
Sentei-me e afastei a bandeja para um canto da mesa, onde ele havia deixado o seu jornal. Daniel olhou para o croissant e esfregou as mãos, risonho.
- Nada melhor do que sair de um plantão, e tomar um café da manhã em boa companhia.
- Como passou a noite? – perguntei rindo e bebendo meu café.
- Foi cansativa. Tive uma cirurgia um pouco depois que nos falamos. Mas, correu tudo bem apesar de algumas dificuldades.
- Tenho certeza que sim... Eu não conseguiria manter o seu ritmo, sabia?
- Tem certeza? Seu trabalho aqui também não é muita moleza...
- Não mesmo. Hoje ficarei direto aqui organizando algumas coisas e à noite, na cozinha. Mas, diferente de mesas cirúrgicas, onde há tanta pressão, eu lido com os alimentos e o prazer de ver pessoas saborearem felizes os meus pratos, com sorrisos como o seu agora.
Nós dois rimos e ele concordou comigo.
- Você realmente faz tudo isso parecer melhor do que a medicina.
- Felizmente você é ótimo no que faz também. Está de folga hoje?
- Merecida, não é?
- Sem sombra de dúvida.
- Agora Katharine... Diga-me. Como você está?
- Depois de descontar a minha frustração amorosa na Alicia Keys, num bom tinto, e dormir profundamente, agora estou ótima.
- Fico feliz com isso... Sabe, quando menos esperar você vai ver que não havia como ser de outro jeito. As coisas acontecem como tem que acontecer.
- Você nunca se casou, mas me parece experiente nos assuntos desastrosos do amor, Daniel.
- Ah, você pode ter certeza disso!
- Mais café? – perguntei ao perceber que sua xícara estava vazia e ele concordou.
Levantei-me para servi-lo outra xícara e o trouxe um pedaço de mil folhas com geleia de framboesa.
- Você pretende me engordar?
- Tenho certeza de que não comeu nada o plantão todo. – falei olhando-o desafiadora.
- Está certa. – ele sorriu recebendo os pratos com agrado.
- Quando vai me contar a sua história desastrosa? – perguntei.
- Que tal quando pararmos de nos encontrar só no seu restaurante? – ele perguntou naturalmente.
Encarei-o confusa. Era um convite ou uma piada por se tratar de estarmos sempre nos vendo entre o De L'Katharine e o hospital?
- E então, você pensou a respeito do convite de Nicholas? – ele perguntou sem dar atenção ao que ele mesmo havia acabado de me dizer.
- Não pensei, mas acredito que não vou ter muita escapatória a não ser enfrentar a situação.
- Eu acho que será muito bom para você. Veja, não estou dizendo que será fácil, mas depois que encarar isso, não terá nada que você não poderá encarar. Sem falar na Liz, que certamente ficará muito feliz em ver os pais reestabelecendo uma leve comunicação.
- Mais uma vez, você está certo de tudo. O problema é a coragem de encarar a Priyanka depois de tudo o que eu e ela vivemos.
- Ei... Você não tem que sentir vergonha! Quem dormiu com o marido de outra mulher, foi ela. – Ele disse óbvio.
- Mas era ela a noiva dele antes de eu aparecer. Aqui mesmo neste bistrô, eles vieram incontáveis vezes enquanto eram noivos.
- E como foi que você e ele ficaram juntos? – Daniel perguntou firme.
- Eles terminaram e Nicholas e eu nos apaixonamos.
- Quem foi que agiu de modo mais fútil então?
A pergunta de Daniel me fez fechar os olhos e sacudir os cabelos, certa de que eu não tinha motivos reais para sentir vergonha de Priyanka.
- Tudo bem, mais uma vez você está certo.
- Katharine... – ele me falou e eu não o encarei até ele pedir: - Olha para mim.
Daniel estava sério quando o olhei, e me analisava meticulosamente.
- Você não tem que se sentir culpada. Não se menospreze tanto assim pelo fim dessa história. Olha a mãe maravilhosa que você é para a Liz! Olha em volta, esse é o seu negócio ao qual você administra com tanta garra. Se vista de quem você verdadeiramente é, tudo bem?
Sorri e Daniel levantou-se de sua cadeira, me entregou uma nota de cinquenta. Eu fui pegar o troco dele, e ao entregá-lo Daniel se aproximou de mim e beijou a minha testa, depois retirou seu casaco da cadeira o vestindo e eu só conseguia sorrir o observando.
- Nos vemos na próxima consulta de Liz? – ele perguntou.
- Claro.
- E depois, quero levar você em outro lugar que não seja o hospital e o De L'Katharine, pode ser? – perguntou naturalmente.
- Claro...
Respondi tímida e me aproximei para abraçá-lo em despedida.
- Parece que todos os seus amores nascem aqui, não é?
A voz conhecida de Nicholas atrás de Daniel me pegou de surpresa e o fizera encarar o meu ex com certo sarcasmo. Daniel sorriu para Nicholas dizendo:
- Bom dia, Nicholas. Vejo que está bem.
- Vejo que está melhor ainda.
Nicholas o encarou diretamente com uma expressão nada satisfeita, mas Daniel continuou com seu semblante pacífico.
- Com certeza, não há nada que me restaure mais do que sair de um plantão e tomar um maravilhoso café no De L'Katharine.
- E na companhia da própria Katharine, pelo que percebo. – Nicholas zombou.
- É! Eu realmente não sei qual é a melhor parte. – Daniel disse risonho e novamente se virou para mim, despedindo-se: - Até mais. Boa sorte.
Piscou em minha direção me fazendo achar graça do papel ridículo que Nicholas se prestava e antes de dar totalmente as costas para ele, Daniel voltou-se ao Nicholas dizendo:
- Eu vou realmente me sentir muito honrado se isso... – apontou para ele e eu enquanto falava ao Nicholas diretamente - for um novo amor nascendo aqui.
Deixei meu sorriso alargar por saber que Daniel havia afetado elegantemente ao Nicholas. Observamos ambos, meu ex e eu, ao homem saindo pela porta do bistrô sem olhar para trás. Eu me coloquei a recolher as louças na mesa, e Nicholas tirou a bandeja da minha mão, silencioso e contrariado, levando-a até o balcão. Sentamos de frente um para o outro dentro do meu escritório onde eu havia o pedido para me acompanhar.
- Suponho que não veio tomar café, Nicholas. – comecei.
- Não. Eu vim porque o Joe falou que você não gostou muito por eu tê-lo pedido para te entregar o convite.
- Eu só me senti ofendida porque, um assunto que envolve a Liz você deveria tratar com o mesmo ímpeto com o qual se mete na minha vida, como fez há pouco.
- Desculpe, eu não quis atrapalhar o seu namoro.
Ficou em silêncio me observando esperando alguma reação.
- Não vai dizer o que veio fazer aqui?
- Não vai negar que está namorando o médico?
- Não estou namorando o médico. Concentre-se em algo que realmente seja importante para trazê-lo aqui, Nicholas.
- Você vai? – mudou o assunto sobre um olhar contrariado.
- Ainda não sei. Mas, é realmente necessário expor Liz a este evento agora?
- Eu a prometi. Não tenho estado muito com ela, e gostaria muito que ela fosse. Não é como se não soubessem que ela é minha filha. E eu não tenho quem esteja lá a acompanhando. Por mais que minha família toda esteja, você sabe que teremos momentos em que iremos nos afastar para posar e etc.
- Eu posso conversar com ela a respeito primeiro?
- Ela dirá que quer ir, está falando disso há dias.
- Certamente, porque alguém colocou isso na cabeça dela, não é?
- Katharine, por favor!
- Tudo bem, então se ela realmente quiser, eu irei.
- Pode levar o médico, se quiser. Pelo que vejo não vai demorar muito para a Liz chamá-lo de "namorado da mamãe".
- Qual o seu problema, hein? Por que sempre toca neste assunto?
- Talvez por que eu não goste da ideia?
- Não gosto de muitas coisas também, nem por isso atacá-las vai me fazer mudar de ideia.
- Eu não estou te atacando ou a ele... É só...
- Nicholas! – falei urgente e ele me encarou atento - Eu fiquei a madrugada bebendo, lembrando-me de nós e chorando, sofrendo por te amar ainda. Então, por favor, respeite a minha dor.
- Katharine... – ele ponderou mais compreensivo: - Eu não queria que as coisas tivessem ficado assim.
- Mas ficaram e não é mais momento de discutirmos nada disso. Por favor, eu estou considerando dar um passo respeitoso em ir até o evento em que você estará com Priyanka exibindo-a como sua mulher. E você fica agindo como um moleque de picuinha com qualquer homem que eu me relacione!
- Não é qualquer homem. Até porque, ele é o único que tem rondado você, não é?
Falou exasperado se levantando e caminhando de um lado para o outro:
- Você não nota a semelhança? Foi assim que eu e você começamos! Eu vinha aqui todos os dias Katharine, nós passávamos horas conversando e...
- O que te faz ter tanta certeza de que ele vem todos os dias, e se somos muito amigos ou não? – perguntei em dúvida.
- A Liz fala dele às vezes, e o Joe...
- Ah! Joe! – interrompi Nicholas - Ele foi à sua casa ontem e disse para você que o Dr. Rhodes veio jantar, e o que mais?
- Eu supus todo o resto.
- Ora, ora, se não é você fazendo aquilo que tanto me julgou por fazer: supor coisas que não são reais.
Dei as costas a ele saindo em direção à porta, mas retornei enfática:
- Percebe que não tem razões para você se incomodar com esse tipo de coisa agora? Você seguiu a sua vida, e eu estou tentando seguir a minha, então pare de agir como se ainda fôssemos casados e eu estivesse supostamente traindo você, porque as coisas não são assim! E ainda pior é você agir como eu agia: criando fantasias na sua cabeça que só pioram a nossa comunicação.
Nicholas estava vermelho de raiva e me encarou com tanto ódio, que ao se aproximar de mim para dizer o que queria não mediu a sentença das próprias palavras.
- Acontece que não era tão fantasia da sua cabeça, não é? O que também pode não ser só fantasia da minha!
Olhei-o chocada e de repente, notei a lágrima cair de um dos meus olhos, com tamanha surpresa.
- Você ouviu o que acabou de dizer? – perguntei chorando e chocada. - Saia. Eu vou pensar se irei com a Liz.
Enxuguei minhas lágrimas e abri a porta do escritório sem encará-lo diretamente. Só então Nicholas caiu em si.
- Não foi o que eu quis dizer... Eu...
- Saia. – falei firme o interrompendo e ele saiu.
Fechei a porta que parecia mais pesada do que uma tonelada. Nicholas passou tanto tempo negando que me traiu, tantas vezes dizendo que eu estava criando coisas na minha cabeça, e até no momento em que eu recebi aquela foto no celular e o confrontei com a informação, ele fez questão de dizer que não era nada daquilo que eu estava pensando. O pior é que fosse ou não, eu terminei tudo e fosse ou não fosse, ele acabara de confirmar que sim, Nicholas Cassano me traiu. Se não daquela vez, em algum momento.
Limpei as pesadas lágrimas que inevitavelmente vieram e me recompus indo diretamente ao meu trabalho. Estava ávida para superar aquilo tudo. E ainda que restasse um pouquinho de mágoa, eu sabia que estava muito mais próxima de superar.
Capítulo 6
"Do you have to let it linger? Do you have to, do you have to, do you have to let it linger?"
Depois de um telefonema de Denise, e uma longa conversa com minha mãe que também foi pelo telefone, eu havia decidido ir com Liz ao evento.
Minha filha estava deslumbrante a cada flash, a cada mulher elegante que passava e principalmente, deslumbrante com o pai e o modo como ele se comportava diante a atenção de todos.
Eu fiz um coque canudo, vesti um tubinho branco, e me apresentei no melhor estilo Audrey Hepburn, naquele evento. Entrei risonha como a Audrey. Firme como a Audrey. Elegante como a Audrey e ao mesmo tempo, doce e cativante como a Audrey Hepburn entraria naquele evento, de mãos dadas com a Liz.
Alguns repórteres vieram me fazer perguntas às quais contornei muito bem. Tiraram muitas fotos minhas e de Liz, com a família Cassano. E quando me pediram para tirar uma foto com Nicholas, alegre e bem humorada eu neguei aos fotógrafos:
- Não acham um pouco demais? – ri em seguida e eles riram também - Vá tirar fotos com seu pai, meu amor.
Falei para Liz que pegou a mão de Nicholas e se pôs a posar com o pai. Denise deu-me sua mão dizendo que eu havia me apresentado muito bem naquele momento. Era de fato um ultraje pedir para eu tirar fotografias com minha filha ao lado do meu ex, e logo em seguida tirarem as fotografias de Nicholas com Priyanka e Liz. Eu já sabia muito bem as manchetes que estampariam aquelas fotografias, e eu não iria dar este gosto aos tabloides.
Sentada à mesa com os Cassano eu pude me sentir aliviada por ter saído do hall das atenções. Liz não parava de brincar com suas primas Alena, a mais velha que cuidava muito bem das duas novinhas, e Valentina que tinha quase a mesma idade de Liz. Isso, quando elas não eram o centro das atenções como "as crianças Cassano".
Logo, Nicholas e Priyanka sentaram-se também junto a nós, e eu me esforcei para não vomitar. Não por nojo, mas por ansiedade. Não poderia permitir uma crise de ansiedade bem naquele momento.
- Você está cada vez melhor, Katharine. Vejo que Dr. Rhodes tem lhe feito bem. – Nicholas falou tentando ser gentil.
Ele realmente estava sendo gentil. Eu conhecia muito bem quando ele queria me atacar e não foi o caso. Nicholas de fato, acreditava que Daniel e eu estivéssemos tendo algum tipo de flerte. Uma pena que Nicholas estivesse tão obcecado por Daniel que mal notou as pessoas à mesa o olhando como se tivessem pena dele e de seu gesto. Inclusive Priyanka que o olhou discreta, como se estivesse buscando entendimento para tal comentário de má hora.
Eu conversava com Paul e Danielle quando Shawn Mendes apareceu atrás de mim tocando o meu ombro.
- Não acredito que finalmente eu a revejo! – ele abriu os braços, animado para mim, e rapidamente eu me lancei a abraçá-lo feliz.
- Mendes! Por que ainda não foi visitar-me no bistrô?
- Aaah! Eu realmente disse à Camilla que a levaria lá, mas...
- Camilla... Sei... – brinquei encarando a face dele, enrubescer - É, mas eu sei, a vida está uma loucura, não é?
- Você tem sorte por poder estar nos lugares que quer sem consultar uma agenda a toda hora Katharine, mas não estou reclamando.
Ele falou retirando uma mecha do meu cabelo que se desprendeu caindo em meu olho e a colocou atrás de minha orelha.
- Encare assim: tomando por este evento, eu não posso estar totalmente nos lugares em que eu gostaria. – afirmei para ele.
- É eu imagino... – ele disse compreendendo a minha elegante alfinetada à ocasião.
Shawn cumprimentou a todos os Cassano, inclusive Sophie e Chopra, e ao ver a Liz que o encarava confusa, ele olhou surpreso para Nicholas e eu.
- Esta é a Liz? – estava de fato surpreso por tê-la visto tão crescida, comparado à última vez que a viu.
- Sou eu. – Liz respondeu.
- Cumprimente o amigo dos seus pais, filha. Esse é o Shawn. – falei e Liz levantou-se para abraçá-lo.
Mendes disse que iria me ver em minha "nova pacata vida comum", a qual eu respondi como "a minha favorita, você sabe". E pegou o meu número de telefone. Quando Nicholas e eu éramos casados, e até o primeiro ano de vida de Liz, eu era muito próxima ao Shawn. Ele era um dos poucos famosos ao qual eu gostava de passar um tempo.
Em determinado momento do evento, Nicholas teve que apresentar-se e posar em fotos com Priyanka novamente. Eu havia dito que precisava ir embora, e Paul fazia questão de me levar em casa junto à Denise.
Fomos os quatro, Denise, Paul, Liz e eu até o ponto do evento onde Nicholas e Priyanka estavam. A mãe dele o chamou dizendo que eu levaria Liz e ele aproximou-se sozinho. Despediu-se da filha com um forte beijo e abraço.
- Papai queria levar você em casa, princesa, mas não posso.
- Tá bom, papai... – ela respondeu quietinha, ele me encarou e eu não disse nada.
- Eu irei até a sua casa logo! Prometo.
Fizeram promessa de mindinho e Nicholas se direcionou a mim:
- Obrigada por ter vindo e passado por tudo isso... Deu pra notar que foi um sacrifício.
- Quando se trata do desejo da minha filha, não tenho sacrifícios. – respondi.
- Desculpe por qualquer coisa, mesmo assim.
Ele falou sincero tocando meu braço, e seus pais nos observavam um pouco afastados, já com a Liz, assim como Priyanka.
- Boa noite Nicholas. – me despedi respondendo ao seu toque, de maneira incômoda.
- Irei até sua casa em breve, pode ser?
Priyanka se aproximou calma e sorrindo e então eu o respondi antes de ter meu coração dilacerado:
- Apenas me ligue com antecedência. – e quando terminei de falar não houve tempo para Nicholas responder.
Priyanka apontou um fotógrafo que havia se aproximado e virou Nicholas para o outro lado, abraçando-o e os dois posando juntos. Dei as costas para ambos e caminhei até as três maravilhosas pessoas que me esperavam. Denise desculpava-se assim como Paul, pelo constrangimento causado pelo filho. E eu fingi não me importar.
Só quando cheguei à minha casa, que eu deixei a Liz dormindo em seu quarto e entrei no meu, pronta a me derramar. Encostei-me à parede e encarava minha figura frente ao espelho. Audrey Hepburn deveria estar orgulhosa por eu suportar tanto aquela noite, e sair como uma queridinha da América. Mas no fundo meu coração sangrava.
Sentia-me tão, tão humilhada por Nicholas que foi a gota d'água para permanecer naquela situação de culpa e falta de amor próprio. Meu celular tocou, e era Rhodes. Não o atendi, porque sabia que ele gostaria de saber se eu estava bem após a noite do evento. Respondi às mensagens de Alex, Robert, mamãe e dormi.
xxxx
"Oh, I thought the world of you. I thought nothing could go wrong, But I was wrong. I was wrong".
Liz não acreditou quando me viu à porta da escola. Ela correu risonha até mim e passou a mão por meu cabelo, por meu rosto e sorria.
- Mamãe! Cadê o seu cabelo?
Ela perguntou animada e surpresa. Havia gostado, eu soube no momento que os olhinhos dela brilharam a me ver.
- Cortei filha! Gostou do novo visual da mamãe?
- Está bonita! – ela me abraçou beijando-me.
Demos as mãos e fomos caminhando alegres para o carro. A professora de Liz disse que sua glicose se manteve impecável naquele dia. Liz, que havia aprendido a palavra "impecável" quando a professora a pronunciou achou a palavra divertida e passou o resto do dia a dizer para tudo: "impecável". Pronunciando, é claro, a palavra do jeitinho dela. Quando contei a ela que iriamos à consulta médica, Liz pulou animada no banco de trás.
- Estou com saudade do tio Daniel!
- Que bom filhota!
Chegamos ao hospital e Rhodes mal acreditou quando me viu. Consultou Liz e não parava de me olhar e sorrir. Eu dei de ombros e sorri para ele como se não estivesse entendendo suas reações. Ao terminar, ele virou-se para mim, me encarando e tocou meu cabelo curtinho.
- Corte pixie? Eu jamais iria imaginar. – ele falou risonho.
- Radical demais? – perguntei.
- Não. Significa que alguém está se libertando afinal.
- Você conhece bem as mulheres, não é?
- Quando uma mulher corta o seu cabelo é porque ela quer deixar alguma coisa para trás. Quando uma mulher corta seu longo cabelo em um pixie feminino, cheio de atitude assim, ela está deixando muita coisa para trás.
- Uau Dr. Rhodes... Você é um homem tão inteligente!
Falei fingindo deslumbre e ele riu. Liz se meteu na conversa dizendo a ele que eu havia ficado bonita, e ele respondeu concordando, que eu estava linda. Não só pelo corte, como pelo significado dele. Liz não entendeu, mas eu sim. Antes de sairmos do consultório, na porta de sua sala ele segurou minha mão dizendo:
- Deixe alguém em seu posto hoje à noite, eu havia dito que a levaria a algum lugar.
- Tudo bem.
- Te mando mensagem confirmando.
- Devo pedir uma babá? – falei apontando Liz com a cabeça.
- Seria bom. Afinal, crianças não podem beber.
Sorri saindo dali com uma Liz saltitante ao meu lado.
Alex havia ficado muito feliz, por eu finalmente pedir para que ele tomasse conta do restaurante porque eu iria me divertir e não resolver algum problema. Robert apareceu lá em casa para cuidar da Liz. Estávamos os três sentados no sofá, conversando e Liz brincando com suas bonecas.
- Então, você vai sair com o Rhodes? – meu irmão perguntou cheio de segundas intenções.
- Não é como você está pensando.
- Então você corta o seu cabelo de repente e aparece me pedindo para cuidar da Liz porque sairá com o médico dela, e quer que eu pense o que?
- Pense que sua irmã renovou suas energias após ter se sentido humilhada num certo evento... – falei apontando Liz indicando o disfarce do assunto - E para demonstrar um recomeço em sua vida, mudou o visual e vai sair para se divertir com um amigo.
- Vocês se aproximaram bastante, não é?
- Ele tem frequentado muito o De L'Katharine, com isso, sim, nos tornamos bons amigos.
- Eu não me importo como vocês chamarão isso, eu só tenho a agradecer por ele fazer tão bem à minha irmã. Você está muito bem!
- Dizem que a separação faz bem a uma mulher, deve ser agora que essa frase começará a fazer algum sentido.
A campainha de minha casa tocou, indicando a presença da nova namorada do meu irmão. Robert não havia se casado ainda, mas algo na relação dele com Miley me fazia pensar que em breve aquilo ia mudar. E eu só poderia torcer para que ele fosse muito, muito feliz. Eu coloquei uma música para tocar em meu quarto, quando Miley e eu adentramos. Liz brincava com o tio na sala, e eu estava indo me arrumar.
- Eu só queria te dizer que você está ótima! Adorei o visual, e mesmo estando bem mais magra, também está mais bonita... Estou feliz por vê-la se recuperando, Katharine.
- Obrigada Miley, e obrigada por ajudar Robert hoje!
- Como se Liz desse algum trabalho... – ela afirmou revirando os olhos, e saiu.
Entrei no banheiro do meu quarto e tomei banho, ao som de Rise Up. A voz de Andra Day estava ali para narrar aquele momento em que eu entendia cada frase daquela música.
Tocar: Rise Up
You're broken down and tired
(Você está triste e cansado)
Of living life on a merry-go-round
(De viver a vida em um carrossel)
And you can't find the fighter
(E você não pode encontrar a lutadora)
But I see it in you, so we gonna walk it out
(Mas eu vejo isso em você, então nós vamos caminhar com isso)
And move mountains
(E mover montanhas)
Cantarolei a canção mergulhando, nos mais profundos sentidos daquelas palavras.
And I'll rise up. I'll rise like the day, I'll rise up
(E eu vou me levantar. Eu vou me levantar como o nascer do dia, eu vou me levantar)
I'll rise unafraid, I'll rise up
(Eu vou me levantar sem medo, eu vou me levantar)
And I'll do it a thousand times again
(E eu vou fazer isso mil vezes)
For you
(Por você)
Ao sair banho me encarei no espelho como se estivesse cantando para mim. E de certa forma, eu estava.
And I'll rise up. High like the waves, I'll rise up
(E eu vou me levantar. Alta como as ondas, eu vou me levantar)
In spite of the ache, I'll rise up
(Apesar da dor, eu vou me levantar)
And I'll do it a thousands times again
(E eu vou fazer isso milhares de vezes)
For you
(Por você)
When the silence isn't quiet
(Quando o silêncio não é tranquilo)
And it feels like it's getting hard to breathe
(E parece que está ficando difícil de respirar)
And I know you feel like dying
(Eu sei que você sente como se estivesse morrendo)
But I promise we'll take the world to its feet
(Mas eu prometo que vou levar o mundo a seus pés)
And move mountains
(E mover montanhas)
Escolhi uma roupa que pudesse demonstrar que eu não esperava grandes coisas do nosso encontro, afinal éramos amigos, mas que pudesse me fazer frequentar adequadamente qualquer que fosse o lugar onde Daniel me levaria. Como ele havia dito que iríamos beber, supus ser nosso passeio uma ida a uma balada qualquer.
Vestido azul, sem decote, fechadinho com comprimento até dois palmos acima do joelho, blazer comprido branco, sapatos Anabela pretos e caprichei nos acessórios: anéis, um fino relógio delicado, e brincos de argola.
Meu telefone apitou a mensagem de Daniel: "Estou quase chegando aí". Então sorri involuntariamente. Sequei meu cabelo, deixando-os num penteado meio pixie bagunçado que eu sempre quis deixar, mas devido ao medo que tinha de cortá-lo, nunca havia realizado. Realcei os olhos numa maquiagem à moda anos cinquenta, e batom vermelho. Nada exagerado, mas que realçava meus melhores pontos.
Estava muito satisfeita com o que vi em meu espelho. Comparada à mulher que eu me deparei dias antes ao chegar do evento, eu me sentia uma fênix agora. Peguei uma bolsa carteira preta, pendurei meu casaco em meu braço e segui com telefone em minha mão até a sala.
Robert e Miley me olharam surpresos e com largos sorrisos. Liz correu feliz para me abraçar.
- Está linda mamãe! – ela disse e o som da campainha se fez ouvir, Liz se pôs a gritar animada: - Tio Daniel!
Robert atendeu a porta cumprimentando o médico com tom de amizade. Miley se levantou cumprimentando-o também, e Daniel me olhou fazendo uma expressão analítica e perguntou para Liz quando ela se jogou em seu colo o abraçando:
- Quem é aquela moça? Onde está a sua mamãe?
- Aquela é a mamãe! – Liz falou como se contasse um segredo e todos nós rimos.
Caminhei até ele o abraçando e logo dei as recomendações para Liz se comportar, e abracei meu irmão e cunhada me despedindo e segui com Daniel para fora de casa.