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Depois de mais algumas aulas sem graça, estou de volta em casa. Jogando a mochila em qualquer lugar do meu quarto. Vejo a caixa de joias, e retiro de dentro o diário. Escrevo tudo que aconteceu nas últimas 24 horas. Está bem, escrevo o que me lembro. Colocando no fim: chega de amar Elijah. Um lembrete para mim mesma. Após guardar o caderno na caixa de joias novamente, giro na cadeira rotatória da minha escrivaninha. Nesse momento a minha porta é aberta violentamente.
"Doação!" Maju cantarola colocando a caixa de papelão quase maior que ela no chão.
"O que?" pergunto.
"Mamãe que mandou" ela diz antes de girar nos calcanhares e deixar o quarto.
Odeio doar as coisas. Digamos apenas que sou uma pessoa muito apegada emocionalmente as minhas coisas. Além disso, aposto que os pobres preferem ganhar algo novo, ao meu moletom velho, que tem cheiro de amora e é perfeito para se usar em dias de inverno rigoroso em que se está com cólica.
Analiso a caixa e os meus olhos são automaticamente atraídos para o vilão cheio de desenhos feitos com caneta posca. O violão do tio John. Por um segundo não consigo fazer nada. Pensar em nada. Engulo em seco. Não consigo acreditar que a mamãe o colocou para doação. Sempre soube que éramos completamente opostas nesse quesito, mas é literalmente nossa última lembrança dele. Pego o violão sentando na cama e o dedilhando. Sendo inundada pelas memorias dele tocando para mim, jogando as tranças de seu cabelo de um lado para o outro e fazendo caretas que me faziam gargalhar. Lembro-me de acompanha-lo cantando. Lembro-me de quando ele tentava me ensinar a tocar. Nunca fui muito boa. Acabava nunca saindo das escalas. Um sorriso surge no meu rosto, e sinto uma lagrima solitária deslizar pela minha bochecha, e rapidamente a seco. Não era escolha minha naquela época. Acho que no mínimo posso guardar isso. Ele amava o violão. Amava tocar na praia no por do sol. Acho que era como poesia pra ele.
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Hoje vamos visitar a amiga da minha mãe. Na verdade, está mais para que ela haja como conselheira da igreja e ajude outra mulher com problemas no casamento. Depois ter o próprio casamento restaurado, ela passou a se dedicar a ajudar os outros nessa área. Como estamos no verão a amiga dela está em uma casa na praia e disse que podíamos aproveitar e passar o dia lá. Eu não tinha nada melhor para fazer então acabei vindo. Maju ficou com o papai, cuidando da loja, ou melhor sendo paparica com muitos doces. Isso por que ela fez drama para não vir, e como ela consegue tudo que quer e eu não. Ela está em casa e eu no banco do carona com fones de ouvido.
A praia é apenas poucos minutos da cidade. Nem faz muito sentido ter duas casas. Porém, é até comum que as pessoas tenham uma casa na cidade, no centro e outra aqui, na beira mar. O carro para em frente a uma enorme mansão com arquitetura da recintada que parece que saiu da casa Vogue. Isso parece um resort. Há uma na entrada e a piscina da volta na casa que dá direto na areia. Quando disse que a maioria tem casas na beira mar, não estava querendo ser tão literal. Esse povo definitivamente é rico. O cachorro no quintal é enorme e parece um urso. Mamãe caminha tranquilamente em direção a porta. Estou chocada em como ela não parece intimidada. Sinto-me como se estivesse invadindo.
Ao tocar a campainha um som é melódico, no volume certo, soa no interior. Sabe o que estou falando as campainhas normais, quando estão funcionando, tem um som irritante e desnecessariamente alto. Isto deve ser a maior comprovação que essa casa é de gente com dinheiro. Está bem a câmera e o interfone, talvez sejam o que comprovam. Uma mulher atende, mas é a emprega e informa que vai chamar a Senhora. Não demora para a porta ser aberta por uma mulher loira acompanhada com dois lulus da Pomerânia cor caramelo nos seus pés. Ela parece uma versão mais velha da Barbie. Porém, não me surpreenderia se na verdade fosse bem mais velha do que aparenta.
"Que bom! Vocês chegaram" ela diz sorrindo. "Obrigada, Soraia" ela diz a mulher uniformizada. "Entrem" pede seguindo para dentro da casa. Percebo que é uma espécie de Hall e mais importante. A piscina que parecia dar a volta na casa. Ela corta por dentro da casa. Encaro chocada. Caminhamos em direção a outra sala que parece uma sala de café ou chá, tem aquelas mesas bonitas de área externa. O teto é de vidro, então o sol ilumina a sala com perfeição e fica ao lado da piscina. Este pedaço está cheio de balões pratas e brancos.
"Desculpem a bagunça. O meu filho fez uma festa aqui ontem. Ainda não tivemos tempo de limpar" a mulher sorri ocupando um lugar ao lado de uma xicara de porcelana. Acho que interrompemos o chá.
"Não se preocupe, Dani" a minha diz sentando-se ao lado dela.
"Sirvam-se, sintam-se à vontade. A Antonela acabou de preparar" ela indica um carrinho onde vários biscoitos, bolos e até panquecas estão dispostos. Achei que isso só existia na era vitoriana, ou na França, sei lá.
"Você disse que seu filho está na casa. Por que não vai brincar com ele, Ester" a minha mãe incentiva. Ela fala como se eu ainda fosse uma criança.
Era sempre a mesma coisa. Ela vinha bater um papo de adulto com a mãe, e me fazia ocupar a criança. Geralmente, acabo como babá pelas próximas três horas no mínimo. Tendo em vista que passaremos o dia aqui. Vai ser um longo dia.
"Ótimo. Ele está no quarto dele. No segundo andar. Acho melhor pedir para Soraia chama-lo" Dani diz. É uma boa ideia, tendo em vista que já me sinto invadindo a privacidade de vocês por estar aqui.
"Não é necessário incomoda-la. Ester pode fazê-lo" mamãe se vira para mim, ficando de costas para Dani e me mandando aquele olhar ameaçador de mãe, como quem diz 'faz o que mandei, AGORA!'.
"Isto senhora Dani, não precisa se preocupar" disse saindo da sala de chá.
Uma vez longe das duas reviro os olhos. Sempre sobra para mim. Caminho para a escada sem corrimão e praticamente flutuante, repetindo para mim mesma que cair ali seria uma vergonha sem tamanho. Ao atingir o segundo andar analiso as portas. São todas brancas. Onde ela disse que era mesmo? Estou pronta para voltar e perguntar, já que não ia sair abrindo a porta da casa alheia a esmo quando a porta ao meu lado é aberta e um garoto sai dela passando as mãos pelo cabelo loiro em corte de surfista. Demoro alguns segundos para reconhece-lo, mas quando o mesmo para na minha frente identifico imediatamente aqueles olhos verdes, Gabriel. Ambos nos encaramos chocados.