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O monitor de batimentos cardíacos de seu pulso saltou com sua tela vermelha mostrando que seu nível de estresse estava alto demais e que seu batimento cardíaco estava irregular. Sugeriu uma série de coisas que ela poderia fazer para melhorar seus níveis. Ela olhou para micro tela flutuando sobre seu pulso e levanto suas sobrancelhas.
_ Não preciso de conselhos sobre saúde. Preciso de um homem que não seja um bosta. Tem o endereço de algum?
O homem sob a capa marrom, um pouco empoeirada, pareceu gostar de encará-los. Não disse nada por um tempo que pareceu imenso. Os instantes constrangedores para responder à pergunta que o aracnídeo havia lhe feito fez o clima do lugar alguns graus mais frio. Ou era sua presença, que parecia causar aquele efeito. Finalmente, ele encarou o homenzinho mais uma vez. O fazendeiro começava a perder o interesse nele, apesar daquela figura ser bastante intrigante e, se ele fosse o seu tipo de homem, bastante atraente. O que mais se notava naquele homem era sua aparência intimidadora, sem que ele nada fizesse.
_ Alguém vendendo lagartos rápidos nessa cidade? - o comerciante se adiantou a frente do homem de voz seca, rasgando um de seus sorrisos horríveis.
_ Posso providenciar para você – o aracnídeo teve quase um orgasmo imaginando o quanto poderia faturar. Não permitiu que o fazendeiro, e criador de lagartos, lhe tirasse a oportunidade.
_ De quantos animais estamos falando, meu amigo? – o maior deles encarou o pequeno inseto e sua voz soava ainda pior entredentes.
_ Não sou seu amigo – o vendedor se contorceu, como inseto frente ao veneno, e ignorou o comentário.
_ Vou precisar de pelo menos quatro animais rápidos e domados, e que possam ser montaria também.
_ Você pode tentar o curral no lado Oeste da cidade – o vendedor arregalou os olhos pela primeira vez ao ouvir o fazendeiro se intrometendo em sua venda. O aracnídeo quase solto um grito curto.
_ Os preços deles são um roubo. Não vai querer nada com aquela gente arrogante – o homem dentro das botas de lagarto o encarou. Ambos pareciam saber de algo que os outros dois não sabiam.
_ Estaria interessado em me vender suas montarias? – O velho fazendeiro puxou ar para os pulmões devagar ao notar que o grandalhão se referia a ele.
_ Esses bichos estão comigo já faz alguns anos. Não acho que vão lhe prestar para alguma coisa. São mais temperamentais do que parecem. Mas posso lhe oferecer bons animais na fazenda amanhã de manhã – o homem da capa abriu um sorriso e estranhamente aqueles dentes perfeitamente brancos lhe deixaram seus sorriso ainda mais ameaçador.
_ Isso é uma coisa que não posso fazer. Mas, podemos ver agora mesmo, não acha? – ele deu alguns passos saindo do prédio seguidos muito devagar pelo fazendeiro e depois pelos outros dois homens e se aproximou dos animais presos a frente. Levantou a mão devagar para que os lagartos pudessem vê-lo claramente. Os animais o encararam por alguns instantes para então baixarem a cabeça em sinal de aceitação, como era natural para aquela raça de lagartos domésticos. Era sinal de que aceitariam aquele homem. O fazendeiro olhou para seu ajudante com um olhar perplexo.
_ Pelos androides. Nunca vi estes bichos desgraçados aceitarem ninguém assim tão rápido.
_ Acho que gostaram de mim. Quanto quer pelos quatro? – os dentes daquele homem, que debaixo de toda aquela poeira parecia ser muito bonito não fosse pela sensação de ameaça que parecia cercá-lo por onde quer que estivesse, se mostraram claramente mais uma vez. Isso não diminuiu a tensão que se formou no minuto que adentrou ao comercio. Aquela aura de perigo parecia rodeá-lo como o oxigênio e a poeira.
_ Eu pago um bom preço por cada um deles – o fazendeiro meneou a cabeça imediatamente sem nem pestanejar.
_ Eu agradeço muito a oferta, mas eu não posso voltar para a fazenda sem eles. Tenho certeza de que o senhor vai encontrar bons animais aqui no curral da cidade – o fazendeiro abriu seu sorriso característico. Os olhos do homem ficaram mais finos e continuavam completamente negros. Não cinza ou verdes ou violeta como a maioria das pessoas costumava ter. Eram negros, perfeitamente negros e só havia neles algum brilho que vinha do reflexo da luz em suas superfícies que eles pareciam absorver. Não havia nenhuma luz que vinha de seus interiores do poço de piche.
_ Não tão bons quanto estes – a tensão apareceu crescer um pouco inexplicavelmente. Não sabiam dizer por que, mas não haviam gostado um do outro imediatamente.
_ Certamente que não, mas posso lhe ajudar com isso - o comerciante inseto mais uma vez tomou a frente da conversa parado a porta do seu estabelecimento.
_ Eu posso providenciar belos animais para você em algumas horas – os olhos negros pularam do rosto do fazendeiro para a cara de aranha.
_ Tenho certeza disso – ele não sorriu. Aqueles dentes, perfeitos como todos os dentes de todas as pessoas que existiam no planeta desde a muitos séculos, pareciam ser parte da ameaça que aquela figura produzia sobre todos em que tocava.
_ Quando conseguir – rugiu devagar sem encarar o aracnídeo que orbitava entre eles - vou estar na hospedaria hoje durante o resto do dia e noite – ele jogou a capa para o lado se preparando para sair, mas estacou no meio do processo.
_ Tenham uma boa tarde – disse olhando para o fazendeiro. Então parou a frente do ajudante. Nada disse por um momento ou dois, apenas o encarou profundamente nos olhos.
_ Quando terminar aqui, vou esperar você no salão, para tomarmos alguma coisa – seus dentes perfeitos surgiram mais uma vez. O rapaz, que tinha quase a mesma altura do homem, e mesmo sendo bastante robusto, menos dez quilos de musculatura, balançou a cabeça devagar tentando reter um sorriso.
_ Eu agradeço, mas...
_ Nenhum homem vai embora dessa cidade sem tomar uma cerveja. Nenhum homem – o rapaz pareceu ficar sem jeito. Os olhos negros se desligaram dos cinza do ajudante e pularam para o rosto um pouco surpreso do fazendeiro.
_ Tenho certeza de que pode liberá-lo, não pode meu bom homem. Acho que é o mínimo que pode fazer, já que não vai me vender seus lagartos. Não acha? – aquele sorriso causava uma estranha sensação de prazer e ameaça naqueles que se deixavam seduzir. Não era o caso do fazendeiro.
_ Eu não tenho problema nenhum em fazer isso, não senhor – encarou o ajudante – só não acho uma boa ideia um homem comprometido ficar de conversa fiada em um bar, seja com quem for -os olhos do ajudante se desgrudaram da figura a sua frente e caíram sobre o fazendeiro que o encarava.
_ Eu tenho de fazer algumas coisas na cidade... – ainda parecia se desculpar com o grandalhão.
_ Na maioria das vezes, as piores ideias são as melhores - ele meneou a cabeça devagar encarando um homem de cada vez para então tomar seu rumo pela rua vermelha empoeirada. Precisaram que alguns segundos para que a aranha voltasse a falar mais uma vez.
_ Vão ficar parados aí ou vão terminar aqueles fardos errados. Tenho lagartos para providenciar para um cliente importante. Se não perceberam – o fazendeiro encarou o inseto com um rosto irritado.
_Parece que o senhor encontrou novamente sua autoestima. Não é verdade? – o inseto encarou o fazendeiro que deu de ombros devagar e recomeçou a mover os fardos que trouxera.
_ Vamos acabar logo com isso que já vi o bastante por hoje... – olhou para o ajudante.
_ Não é mesmo rapaz? – bateu no ombro do mais jovem que pareceu cair do telhado.
_ É sim, senhor. Com certeza temos mais o que fazer – o comerciante os encarou alternadamente.
_ Vão fazer mais negócios hoje? – o fazendeiro o encarou, agora perdendo a paciência de uma vez.
_ Você é um bocado curioso, sabia?
_ Tenho que de ser por aqui – levantou os olhos e recebeu a iluminação que reproduzia com perfeita exatidão a luz do sol. No Anel Lunar tudo era controlado perfeitamente. Nada podia ser deixado ao acaso em uma sociedade altamente controlada como um formigueiro em uma garrafa. Se estas coisas ainda existissem, os humanos seriam como cupins infestando uma estrutura com a metade da massa da Lua, flutuando no espaço entre o planeta Terra e seu satélite natural, exatamente como as pessoas a viam com um certo rancor, quando tinham de desviar seu caminho para que ela continuasse estacada no meio da calçada. Olhava os números nas fachadas dos edifícios de quinze andares que na verdade nada mais eram que uma imitação de ar livre dentro de um corredor flutuando no espaço. Somente um, das várias centenas de andares que aquela estrutura anelar possuía.
_ Mais dois – constatou ao ver os números dos edifícios comerciais daquele nível. Ali ficavam aglomerados, ordenadamente como em um arquivo, todas as empresas burocráticas e financeiras não relativas a comércios varejista diretamente. Nada era produzido ali que não fosse burocracia. Era o bloco empresarial mais caro de todo o Anel Lunar e era ali que ficavam todas as matrizes que controlavam a vida financeira da civilização moderna. Alguém, uma certa vez em um jantar a que frequentara, se referira aquele bloco, o famoso bloco 101, a nova Wall Street. Ela não entendeu completamente a conotação, só sorriu e meneou a cabeça em afirmação. Entendeu que havia sido uma citação arrogante e intelectualizada, mas não julgou a garota que estava falando, era uma estagiária querendo impressionar os outros. Seus tempos de escola primária haviam ido a muito e história nunca fora sua matéria de maior frequência. Novamente, tomou o seu lugar na fila que caminhava do lado interno da calçada e seguiu a direção do grupo apressado que andava praticamente na mesma velocidade. Seus cabelos vermelhos brilhavam sob aquele sol sobre suas cabeças. Segundo o controle ambiental ainda teriam mais duas semanas daquele calor infernal de trinta graus que muitas pessoas gostavam tanto. Não podia entender como podiam gostar daquilo. Usar roupas leves, transpirar nas axilas. Era o mais perto do inferno que alguém poderia querer chegar. O murmuro de vozes e resmungos a fez despertar. Levantou os olhos e viu que alguma coisa acontecera na fila que seguia em direção contrataria a que seguia. Olhou para frente e deparou-se com olhos um pouco esbugalhados, nada elegantes, lhe encarando a três ou quatro passos. Estacou e deu um passo para o centro das filas que seguiam evitando aumentar aquele tumulto que se formara. O par de olhos pertencia a um homenzinho atarracado que segurava uma pasta e vestia um terno muito caro verde claro, como estava na moda aquele verão. Ela sentiu-se corar, sorriu devagar sem saber como reagir aquilo. Talvez fosse alguém que ela conhecesse. Talvez fosse um executivo que poderia lhe arrumar um emprego. Poderia ser um tarado depravado também. O que mais a impressionou foi o fato que alguém ainda querer fazer um filho com aquela aparência. Como um homem daquele existia. Deveria ser um homem praticamente natural, não conseguiria imaginar alguém pagando para receber aquilo ao conceber um filho. Será que, realmente, algum casal achou que aquele ser poderia ser o melhor que fariam por um filho? O sorriso sumiu. Se deu conta do quanto eles poderiam ter em comum. Seus pais também não eram exatamente ricos quando a fizeram, um dos motivos daqueles cabelos vermelhos existirem, apesar do que seu pai lhe dizia sobre acha-los lindos.
_ Posso ajudá-lo? – disse em um daqueles tons passivo-agressivos que usava quando queria ser ouvida, ou se fazer entender sem rodeios.
_ Mil perdões - o homem de olhos profundamente azuis piscou, sorriu rapidamente e começou a andar, metendo-se na fila que seguia em direção oposta. A ruiva o observou seguindo meio de cabeça baixa e nada disse. Soltou o ar dos pulmões e entrou na fila novamente. O edifício que procurava ficava logo a frente. Saiu da fila e entrou quando as portas se abriram. O ambiente interno era mais fresco e o chão revestido com uma, provável, imitação de mármore negra. O que deixava o lugar em total contraste com o ambiente externo. Muito claro e barulhento com gente andando e falando o tempo todo. Um balcão de recepção ficava a frente. Uma atendente loura a encarou e sorriu. Ela parecia muito com a apresentadora do programa feminino a que estivera assistindo a pouco. Talvez fosse uma de suas clientes. Talvez tivesse cinquenta anos, ao invés dos vinte e cinco que aparentava. Quem poderia saber? Eram tempos de muita liberdade cronológica.
_ Bom dia – elas repetiram uma para a outra – tenho uma entrevista marcada com o Senhor Laforca, por favor.
_ Seu nome? – disse a sorridente além do balcão.
_ Suzana.
_ Um minuto – a funcionária consultou seu painel.
_ O Senhor Laforca está atrasado. Gostaria de esperar? – Suzana pensou se lhe restava alguma alternativa.
_ Claro.
_ Pode esperar em nosso lobby – ela apontou para uma porta que se abriu devagar – vou chama-la assim que ele estiver disponível.
_ Obrigada – Suzana se dirigiu ao ambiente mais claro e mais aconchegante que estivera guardado além da porta e olhou ao redor quando as portas se fecharam as suas costas. O chão acarpetado, em um tom charmoso de vermelho, combinava com os móveis de madeira artificial clássicos. Além deles, uma imagem virtual de um jardim e depois dele um horizonte azul lhe trouxeram alguma calma. Talvez fosse aquela música que induzia as pessoas a pensar que as longas horas de espera ali não eram assim tão longas. Talvez porque chegara a conclusão de que aquela era sua última tentativa e parecia começar a se conformar com seu destino. Não lhe restaria muito mais tempo, ou créditos, antes de receber a visita de um controlador de habitação. Se não saísse daquele lugar empregada. As chances eram de que estava tudo acabado. Ficou lá, sentada, pelo que pareceu uma ou duas décadas, apesar da música e do ambiente tão calmante. Haviam sido quase três horas de espera até que a imagem holográfica da recepcionista se formou a frente dela com aquele tom pálido que aquelas imagens tinham. A voz sem corpo chamou seu nome e disse que Suzana deveria seguir até a recepção. Sentada em um dos sofás muito elegantes que provavelmente imitavam o estilo do final do século vinte, ela respirou fundo procurando um pouco de determinação que aquelas horas haviam minado e voltou à recepção acelerada.
uma cara de quem compreendia como aquilo poderia ser inoportuno para a ruiva elegante e sensual a sua frente.
_ Isso poderá ser um problema – a atendente dentro do uniforme sorriu.
_ Ele estará disponível para recebê-la na próxima segunda as dez da manhã. Gostaria de deixar sua reunião marcada?
_ Seria possível eu falar com outra pessoa? – a recepcionista olhou para sua tela.
_ Não. Tenho ordens de marcar esta reunião com ele – ela falou como se isso fosse de grande importância.
_ Se quer meu conselho – elas se olharam cúmplices – acho que deveria marcar a reunião. Ele não recebe muitas pessoas, pessoalmente.
_ Claro – Suzana sorriu – claro. Vou deixar marcado – a atendente sorriu.
_ Obrigada – o sorriso desapareceu completamente de seu rosto. A garota atendeu uma chamada e não deu mais atenção a Suzana, que se virou perdida em seus pensamentos. Recebera a notificação de que seus créditos estavam abaixo do padrão para o nível em que morava a dois dias. Teria mais quinze dias para registrar uma entrada de créditos em sua conta pessoal, ou projeção bastante convincente. Até a próxima semana teria perdido quatro dias, o que a deixaria com mais seis dias para registrar isso em seu cartão pessoal. Era um prazo curto, mas era com isso que teria de lidar.
Seu corpo foi arremessado para o chão como um peso morto. O choque de sua bunda contra o piso brilhante criou uma pontada de dor lancinante. Quando seus olhos conseguiram focalizar alguma coisa, viu um anjo.