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_ Tenho muito orgulho do que fiz por este lugar, sabe? – o fazendeiro encarou o ajudante que prestava atenção em cada uma de suas palavras. Sempre fora assim. O rapaz absorvia cada palavra que o mais velho lhe dizia desde o primeiro dia que se conheceram.
_ O senhor ajudou a levantar o prédio da prefeitura. Não é verdade? – o homem bateu com a mão na própria coxa esquerda. Gostava de contar suas histórias e ainda mais de quem parava para ouvi-las.
_ Ora se ajudei. E quase toda a cidade, também – ele apontou para o prédio novo, que a alguns anos havia substituído o que fora construído com sua ajuda.
_ E desde o dia que aquele prefeito decidiu que os prédios que nós construímos não eram bons o bastante para ele. Sinceramente, este lugar começou a ficar ruim. Com toda esta modernidade, vieram todas estas pessoas sem rumo. Ficou muto pior. Ora se ficou – falou franzindo a testa e encarando o rapaz.
_ Eu sempre achei que o senhor gostava de vir para a cidade – o mais velho encarou o rapaz com um misto de confusão e irritação. Era clara a surpresa em seus olhos.
_ Quem, androides, lhe disse isso, rapaz? – o mais novo deu de ombros.
_ Não. Não. Ninguém me disse nada, não senhor. Foi só uma coisa que eu pensei aqui comigo mesmo.
_ E por que acha isso? – o rapaz o encarou o velhote confuso, por que sabia que esperava ansioso por toda vez que tinha de vir para a cidade.
_ Não acho nada, não senhor – o rosto do mais velho ficou mais leve.
_ Ainda bem, porque não faz mais diferença nenhuma para mim. Eu não gosto de vir a um lugar onde as pessoas não sabem mais qual o verdadeiro valor das coisas, e seus lugares – o mais velho fungou devagar.
_ Percebeu como aquele sujeito esquisito falou comigo? – fungou rapidamente. O mais jovem se curvou para frente para poder encarar o mais velho.
_ E de onde o senhor acha que aquele sujeito veio? – o fazendeiro o encarou.
_ Ora. Só pode ser da cidade ao norte, ou de ser um daqueles perdidos do deserto. De onde mais um sujeito como aquele poderia vir com um traje de deserto. Desta cidade que ele não é, com certeza. Eu nunca vi aquele homem por aqui antes – o rapaz ficou corado. Deu de ombros devagar antes de falar.
_ Achava que cidades sempre eram o lugar destes tipos – o velho parou no meio da rua.
_ Pois fique sabendo que gente que nem aquele oferecido não chegava nessa cidade e, quando chegava, tratava de avisar porque havia vindo. E não se demorava muito – ele fungou.
_ Onde já se viu oferecer para comprar meus lagartos, que não estavam a venda. E se isso não bastasse, ainda ficar falando com você daquele jeito. Como se você já não tivesse um bom homem na sua casa. Onde já se viu tal coisa. Não tem mais respeito por ninguém hoje em dia – ele encarou o rapaz.
_ Este lugar está perdido, se quer saber a minha opinião – o mais velho levantou a mão quando o mais jovem abriu a boca para falar alguma coisa que ele não permitiu.
_ Eu sei que um homem tem de fazer o que um homem quer fazer, mas... – eles chegaram ao prédio novo da prefeitura. O homem olhou para o edifício pré-fabricado e soltou o ar dos pulmões desanimado.
_ Trocar nosso prédio por essa porcaria. Não é à toa que sujeitos como aquele se sentem a vontade para tomar liberdade para propor comprar lagartos que nem estão a venda – quando parou de resmungar consigo mesmo notou que o ajudante havia parado alguns passos antes.
_ O que, androides, está fazendo parado aí? - o ajudante encarou o patrão. Seus olhos estavam cheios de apreensão.
_ O senhor tem certeza de que devo mesmo fazer isso? – o mais velho soltou o ar dos pulmões devagar. Levantou as sobrancelhas e deu dois passos de volta em direção ao mais jovem, estacado segurando a mão direita calejada com a esquerda nada menos sofrida.
_ Por que não haveria de querer fazer isso?
_ Eu sei lá. Acho que eles podem descobrir que... – o homem levantou a mão devagar e o rapaz parou de falar imediatamente.
_ Qual é o problema. Porque, não tem jeito nenhum de ninguém saber porcaria nenhuma sobre aquelas terras além do que eu vou contar para eles, rapaz. O único jeito de alguém chegar até ali é passando pela fazenda, e você sabe muito bem que não tem chegado nem vento por aquelas bandas desde o último inverno. Então, deixa de bobagem e me diga que androides estão lhe roendo aí dentro? – ele ficou encarando o rapaz por algum tempo.
_ Quer saber. Não tem androide nenhum me roendo, não senhor. Vamos lá que já passou da hora de eu dar para o Luc um lugar para morar, que não seja em cima do celeiro – ele encarou o patrão.
_ É assim que se fala, homem. Já está na hora de vocês terem a sua casa como toda família deve ter. Vamos logo que aqueles preguiçosos da prefeitura vão fazer um bocado de perguntas,, e se não andarmos logo, vamos ter de ficar aqui até amanhã cedo só para você reclamar o que já lhe pertence – o rapaz olhou para o patrão se enchendo de determinação.
_ Vamos lá – ela apanhou a mão que lhe foi estendida. Focalizou o rosto a sua frente mais uma vez. Aqueles eram, ou não eram, os olhos mais lindos que já vira em toda sua vida? Tinham uma tonalidade de azul que parecia impossível. Eram redondos, perfeitos, mas ainda tão masculinos acentuados pelas sobrancelhas negras e retas que estavam franzidas em um misto de preocupação e diversão.
_ Acho que sim – Suzana firmou os pés dentro dos sapatos elegantes, os últimos que comprara antes de ser demitida.
_ Obrigada – um segurança uniformizado a encarava preocupado, bem ao lado daqueles olhos.
_ Fique onde está, senhorita. Vamos chamar o androide de resgate – ela fez sinal para ele.
_ Não há necessidade – seus olhos caíram sobre os azuis mais uma vez e eles vinham acompanhados por um homem, com alguma coisa ao redor dos seus metro e noventa, embalado em um terno bem cortado e muito elegante que lhe sorria com uma boca carnuda perfeita. Olhou ao redor e viu a recepcionista estendida sobre o balcão observando atentamente com um olhar preocupado. O anjo falou, e sua voz parecia uma canção de amor. Era discretamente rouca, muito grave, mas com um tempero jovem que o deixava balançando entre o maduro e o aventureiro.
_ Será que vai me perdoar? – ela olhou para ele.
_ Está perdoado – ele riu devagar ao notar que ela nem sabia do que ele estava falando.
_ Perdoar pelo que? - Suzana tentou arrumar os cabelos novamente. Esperava que não tinha lhe estragado a escova.
_ Eu entrei correndo...
_ Foi você? – ele sorriu para ela, antes de bater a cabeça devagar.
_ Infelizmente. Eu costumo ser assim. Sempre com pressa.
_ Eu estava distraída.
_ Não. A culpa foi toda minha – o segurança falou com aquela voz forçadamente firme que costumam envergar.
_ A senhorita está bem? – ela sorriu.
_ Claro, meu querido, estou perfeita – olhou para as próprias roupas – nada quebrado – o segurança lhe estendeu seu aparelho muito fino que se iluminou ao se aproximar dela.
_ Queira, por favor, pressionar seu polegar aqui, sim? – ela olhou para o documento que isentava o edifício de qualquer culpa pelo ocorrido. Ao ver aquilo, Suzana percebeu que poderia estar perdendo uma ótima oportunidade de receber alguma espécie de indenização, mas aquele homem lhe estava toldando os pensamentos. Colocou o dedo sobre o local que piscava na pequena tela transparente e o segurança a estendeu ao homem, que leu e fez o mesmo.
_ Obrigado. Tenham um bom dia – ele desapareceu imediatamente. Suzana encarou o homem que, em uma segunda olhada, parecia flutuar em algum lugar dos trinta anos. O que não significava nada, afinal, toda a humanidade tinha alguma coisa ao redor dos trinta anos nos últimos cem anos.
_ Será que um café começaria fazê-la me perdoar? – ela sorriu devagar.
_ Não precisa se desculpar. Está tudo bem – por outro lado, pensou consigo, ter um homem daqueles lhe devendo favores não lhe parecia nada mau.
_ Mas... Um café seria ótimo – ela lhe estendeu o braço. Ele a guiou para fora do edifício. Quando saíram, Suzana estacou.
_ Está tudo bem? – ela se divertiu com o susto dele.
_ Não. Não está – viu os olhos azuis se encherem de suspeita.
_ Não me disse seu nome – ela sorriu sob o sol artificial do Anel Lunar naquele final de tarde que deveria estar caindo sobre eles, mas que, na verdade, nada mais era que uma projeção luminosa sobre suas cabeças naquele que, também, nada mais era do que um gigantesco corredor flutuando no espaço, mas que parecia infinitamente mais real a todos aqueles milhões que ali residiam, trabalhavam e flutuavam no espaço como se não houvesse um único pedaço de terra firme no universo.
_ Collins.
_ Suzana – se cumprimentaram com os olhos presos. Ele sorriu largamente.
vezes antes de responder ao convite de um estranho total.
_ Claro – recomeçaram a andar em direções contrárias. Suzana seguia para o bloco onde ficavam as dezenas de cafeterias e restaurantes que serviam milhares de pessoas que trabalhavam ao redor. Ele seguia, aparentemente, para o que ela chamava de zona proibida. Onde tudo tinha um preço absurdamente elevado para seu padrão de vida.
_ Está tudo bem? – ela soltou uma gargalhada falsa e começou a segui-lo.
_ Claro. Acho que ainda estou meio tonta – mentiu descaradamente e tentou não entrar em pânico.
_ Não quer esperar por um socorro? – Suzana acelerou.
_ Com certeza não – a última coisa que queria era perder um homem daquele por estar presa a uma máquina diagnóstica que levaria meia hora para dizer que ela estaria com a bunda roxa na manhã seguinte. Tomaram a fila que seguia embrenhando-se ainda mais naquele bloco a que todos queriam pertencer. O dos muito ricos. Com mais alguns passos estariam dentro da zona proibida para as secretárias e demais mortais como ela. Ali ficavam os restaurantes, apertados entre cinco números de edifícios de alto padrão, mas que representavam o sonho de consumo gastronômico de pessoas sem conta. Faziam parte de uma cadeia de lojas de luxo que vendiam sapatos de couro legítimo marciano, sobremesas feitas de leite verdadeiro, refeições sintetizadas de alto padrão e mescladas, onde havia ingredientes hidropônicos, e duas cafeterias que serviam café, de verdade. A mais cara delas se orgulhava de vender o melhor café da Federação de Planetas. Eram grãos cultivados em terra tratada, torrados em fornos de ferro e coados em água natural, nada sintetizada ou sequer próxima de uma fonte reciclada ou sintética. Era água pura de minas mais secretas do que os planos anelares. Ele sorriu para ela enquanto caminhavam cada vez mais próximos do paraíso culinário que ela sempre sonhara em conhecer, mas que poderiam lhe custar metade do salário em uma única xícara de porcelana verdadeira mais velha do que seus ancestrais.
_ Não está sentindo dores? – ele falou e sua voz parecia curar tudo. Até mesmo aquela dor terrível que sentia no lado direito da bunda.
_ Não. Estou ótima – chegaram à frente de um edifício, decorado de forma romântica e clássica. As portas se abriram e ele a puxou para dentro. Suzana quase estacou, com medo de estar sonhando e acordar. Afinal, entrar naquela cafeteria de braço dado com um homem daquele era, provavelmente, mais um daqueles sonhos que andava tendo por causa da ansiedade de estar desempregada. Mas as cores estavam corretas. As pessoas não pareciam uma pintura de Dali. Portanto, devia ser real. Provavelmente estava mesmo entrando naquele lugar onde dez mesas estavam tomadas por gente ricamente vestida. O perfume de café fresco imperava por todo o lugar e, unido aquele cenário cuidadosamente projetado para parecer despojado, criava uma sensação de filme. Ela quase procurou pelas câmeras. Era um programa de televisão. Estavam gravando uma novela e esqueceram de lhe avisar. Parecia um daqueles romances clássicos de época. Uma vida em uma época de romance e glamour, uma vida mais fácil e mais simples deixada para trás a tempo demais quando as pessoas viviam no Planeta Terra e gostavam disso. Collins a guiou até uma das mesas do fundo desocupadas. O garçom puxou a cadeira e colocou Suzana em seu lugar. O homem de cabelos castanho-claros deu a volta e sentou-se a frente dela ainda sorrindo. Eles se olharam por alguns segundos. Principalmente porque ela não poderia olhar para mais nada que não fosse ele ou a parede as suas costas.
_ Está confortável?
_ Perfeitamente – o garçom se aproximou deles e estendeu a sua frente os cardápios. Como mandava aquela nova onda de nostalgia que dominava o mundo desde a revitalização do planeta Terra, seu cardápio, quase tão fino quanto uma folha de cartão, se acendeu ao toque e mostrava todos os produtos e serviços, mas sem os preços. Não era elegante uma mulher acompanhada saber o quanto lhe custaria o que comeriam e beberiam. E isso lhe deixava bastante nervosa, no infortúnio dele não se prontificar a pagar a conta total.