Capítulo 3 Covarde!

A tarde dava um aspecto alaranjado ao meu morro, era lindo.

Eu já tinha salvado o número do delegado por garantia.

Subi sem sentir cansaço de volta para meu barraquinho, ao lado da minha casa minha tia que cuidou de mim quando meus pais morreram tinha as janelas fechadas e uma gritaria constante.

O novo relacionamento de tia Selma irmã de meu pai seguia pelo caminho dos outros, ela era típica mulher que ficava com o homem que a agredia e isso era tão rotineiro para ela que nenhuma alma descente aparecia mais para ajudá-la porque ela sempre voltava para eles e nunca os largava.

Eu também estava desacreditada no mínimo e como foram apenas gritos e nada quebrando voltei para minha casa.

Liguei a luz que tinha graças aos gatos, água de posso comprada de vizinhos ou de caminhões tanque comunitários, as paredes eram de tapume ainda eu não tinha dinheiro ainda para uma casa de alvenaria por isso eu não tinha janela e o frio ainda entrava, o chão de terra batida tornando impossível me livrar da poeira era o último dos meus problemas, água encanada era o desafio a maior parte de nós ainda não tinha acesso.

Era o mínimo senhor! Saneamento básico e até isso era ignorado pelos nossos representantes, Balancei a cabeça sem ficar novamente na indignação diária que sentia olhando ao redor.

A casa tinha um cômodo pequeno com minhas roupas numa caixa em outra caixa minhas panelas e utensílios de cozinha, eu também tinha uma mesa de madeira redonda com duas cadeiras de madeira que trouxe com ajuda de alguns vizinhos ao achar na rua. Meu maior bem era uma geladeira também doada pela igreja ela era antiga mas funcionava para preservar meus alimentos.

Eu cozinhava no fogão a lenha do lado de fora.

O banheiro era vergonhoso se resumindo a um balde de manhã era apenas descartar no buraco, banho de canequinha, era gastar um domingo para encher a caixa da água e fazer a caixa durar uma semana.

Viver assim era complicado e escandalizaria muita gente se fosse mais divulgado diriam muitos..

Os mais esperançosos de nós tinha a esperança que uma nova gama de políticos empenhados em fazer o certo trariam mudanças a comunidade.

O difícil era entrar gente boa e interessada em fazer o melhor para o povo ao invés de encher o bolso. Alguém nos representasse.

Os céus sabiam que esperávamos isso a mais de dez anos, mas eu duvidava que se fossem a família dos que ocupavam o cargo de destaque sem água encanada esses não fariam algo rápido para resolver essa situação.

Era questão de prioridade e nós o povo, não éramos a prioridade muitas vezes éramos marionetes na nossa inocência.

A discussão se tornou insuportável para ser ignorada.

"VAGABUNDA DO CARALHO TAVA OLHANDO PARA AQUELE FILHO DA PUTA SIM! " foi gritado pelo namorado atual de minha tia e o gritou de Selma minha tia veio de maneira estridente antes do som de uma quebradeira acontecer sai de casa pegando uma frigideira de metal da caixa e corri para tentar ajudar mas vi a sombra do causador correndo para baixo saltando as escadas.

Covarde!

Quando cheguei a casa de minha tia toda porcelana estava quebrada, baixei a frigideira deixando cair no chão, a casa nunca ficou tão ruim moveis revirados até a tv estava tombada da raque e o sofá gasto também com as almofadas jogadas no chão e rasgada, de forma que parecia um bicho a ter feito isso.

Um bicho não faria isso apenas um monstro como aquele. Temi pelo pior.

"Tia?" Chamei escutando o gemido atravessei a cozinha e sala rápido, Selma estava no chão com a mão na barriga molhada e vermelha com uma faca gravada ali.

Meus neurônios foram para o espaço, em pânico chamei seu nome em vão e comecei a tremer ajoelhada e com os olhos embaçados de lágrimas meus dedos tremiam quando liguei para o primeiro número no celular no pânico nem vi que não era a ambulância.

"SOCORRO!" gritei logo ouvindo a voz do delegado solucei olhando a poça vermelha aumentar ao redor sobre o piso branco.

"Jordan? O que aconteceu?" A voz de reconhecimento do delegado preocupado fez pouco para amenizar a situação.

"Minha tia ela foi esfaqueada pelo namorado e não acorda" disse cobrindo a mão na boca sentindo molhada quando percebi o cheiro metálico me senti náuseada "Me desculpa"

Pareceram horas mas foram segundos antes dele perguntar onde era o endereço que ele já estava ligando para ambulância e me passando o passo dos primeiros socorros.

Selma respirava fracamente e tinha pulso.

Lembrei daquela mulher trabalhadora que me criou e me ensinou tudo do mundo cheia de vida e fiquei desesperada em imaginar o mundo sem sua luz.

"Jordan fala comigo" disse o delegado que vagamente recordava se chamar Pedro Cabrinni.

"Selma.. ela tem que viver!" justifiquei e ele prometeu que tudo ficaria bem.

Aguarde, foi o comando, fique calma, fora outro.

"Como ela está?" Perguntou.

Funguei parando de passar a mão na cabeça de minha tia movimento que fazia sem perceber.

Luzes vermelha piscavam.

"A Ambulância chegou" afirmei e colocaram Selma numa maca e começaram a fazer uma massagem cardíaca. Gritei e fui afastada por um dos paramédicos gritando que estavam machucando ela.

Eles me ameaçaram me sedar e explicaram que ela teve uma parada cardíaca e seria levada ao hospital. Notei meu celular no chão lembrando do delegado.

"Como ela estava?" Demorei a entender.

"Ela não estava respirando" disse percebendo meu erro assinalaram para subisse na ambulância "Ela teve uma PCR disseram" respondi olhando Selma com máscara e acessos.

"Eu vou te encontrar no hospital precisa de algo" disse ele.

O delegado não tinha nenhuma obrigação comigo éramos praticamente desconhecidos mas eu precisava de ajuda por não ter ninguém sequei o rosto, precisava ser forte disse a mim mesma olhando minha tia. Com aquelas roupas seria complicado estar lá.

"Se puder me emprestar algumas roupas" disse. Certa que ele não subiria até a comunidade por motivos óbvios de sobrevivência.

"Certo estarei a caminho" prometeu.

Eu não acreditei que faria isso, o delegado já tinha feito muito.

Minha tia foi levada a sala de cirurgia e me pediram para preencher toda papelada e permissões para operar.

Sentada na recepção apenas percebi a presença do delegado pelos sapatos sociais parados a minha frente.

Ele trouxe uma sacola de roupas nas mãos e a estendeu peguei agradecendo ele se sentou ao meu lado em silêncio por um momento.

"Vou precisar do seu depoimento" disse.

Balancei a cabeça em afirmação e a coloquei apoiada nas mãos os olhos ardiam pelo tanto de lágrimas derramadas.

Levantei junto com ele, a cirurgia era complicada e longa. O delegado me levou para comer um lanche na barraquinha de frente ao hospital antes avisando que seria longo o interrogatório.

A comida, o hotdog, não tinha gosto de nada e empurrei com o refri agradecendo em seguida.

No carro perguntei sobre seu filho " Ele está com a governanta não se preocupe" respondeu.

Me senti terrível "Sinto muito, eu queria ter ligado para emergência direto" afirmei explicando.

"Deus trabalha de forma misteriosa" disse ele abrindo o carro. Pulei antes que abrisse para mim ele apertou e o click anunciava o travamento do veículo.

Sim, Deus trabalha me colocou como anjo aquele homem disse a mim mesma, me sentindo devedora.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022