Capítulo 3 A beira do abismo.

-Tomas-

Respirei fundo,

Miguel era de longe a única pessoa que conseguia me tirar do sério, por um tempo eu pensei que ele iria amadurecer, que finalmente entenderia seu papel na empresa e trabalharia duro ao meu lado, mas me enganei absurdamente, ele e a mãe só pensam no dinheiro, luxos e viagens, assumir a presidência da empresa não é um objetivo profissional para ele, é só um status... Se a interesseira da minha tia soubesse que o filho dela é um incompetente que afundaria essa empresa em semanas não ficaria tão arduamente no meu caminho.

- O que você quer Tomas, eu não tenho o dia todo!

- Ah nao?! O que mais voce pretende fazer hoje? Ir jogar golfe com seus amigos?

- Na verdade hoje nós escolhemos jockey.

Respiro fundo de novo.

- Cadê o relatório que eu te pedi?

- Que relatório? O da reunião de hoje?... Cara, eu não fiz, esses relatoriozinhos não são função minha, quem foi que fez isso aí? Sua secretária, ótimo, ela serve é pra isso mesmo.

Mais uma respiração, já estou de punhos fechados e isso não é bom sinal.

- Não é função da minha secretária fazer o seu trabalho, apesar de saber que ela desempenharia sua função com maestria.

- Você me dá coisas ridículas para cuidar dentro da empresa, não sou um capacho seu!

- Se você se importasse com o trabalho, se não fosse um vadio e tivesse o mínimo de autonomia eu não precisaria me preocupar com o que você faz ou deixa de fazer!

Ele ri, um riso debochado que me faz apertar os punhos um pouco mais.

- Você se acha incrível né?

Ele da um tapa de leve com as costas da mão no meu peito, eu tento me concentrar para não perder o controle.

- Vestido nesse terno de marca, usando relógio caro, sentado na cadeira de presidente, servido por uma secretária gostosa...

- Miguel - primeira advertência, eu estou prestes a explodir.

- O que é? Vai perder o controle? Tá ficando difícil respirar?

- Miguel! - minhas mãos estão tremendo, sinto meu celular vibrar no meu bolso, respiro fundo.

- Você esquece que seu cargo é temporário, você está onde está como um teste, assim como eu passei por todos os setores desse lugar como você a minha vez de sentar naquela cadeira vai chegar, e quando isso acontecer...

Decido atender a ligação antes que tudo venha abaixo.

- Alô - viro as costas para ele e tento me acalmar um pouco mais.

- Sr. Bennet há um assunto urgente que exige sua atenção.

Samanta.

- Do que se trata?

- Preciso que o senhor veja pessoalmente.

Não sei quem foi salvo, eu ou ele.

- Chego na minha sala em 5min.

Olho para o infeliz que é a causa de grande parte dos meus problemas

- Você não deveria se iludir com as palavras loucas da sua mãe, já passou da hora de se tornar um homem e caminhar com as próprias pernas. Tenho assuntos a tratar e não vou perder tempo com você.

Não espero uma resposta e caminho apressadamente em direção a minha sala, tento normalizar minha respiração que a esse ponto já está ofegante, lutar contra isso as vezes me faz parecer que corri 20km, sinto suor nas minhas costas e sei que vou precisar trocar minha camisa. Cruzo com alguns funcionários pelo caminho e sorrio da forma mais descontraída que eu consigo, faço alguns cumprimentos e sinto alívio ao avistar a porta da minha sala. Samanta está na mesa do lado de fora em frente a minha porta, como sempre ela está impecável, roupa, cabelo, maquiagem, tudo nela exala profissionalismo e calma, graças a Deus, calma. Não consigo dizer muita coisa.

- Me dê alguns minutos.

Entro na sala e fecho a porta, solto a gravata que mais parecia um mata leão, respiro fundo uma, duas, três vezes... Sinto um cheiro característico, lavanda e camomila, olho para o lado e há um difusor ligado na mesinha de canto, mais uma vez, Samanta.

Me pergunto se ela sabe, o quanto ela sabe e como sabe... Mas agora já sei o que esperar, chá de maracujá em cima da mesa com bastante gelo, abro o pequeno closet que tenho na minha sala e já tem uma camisa pendurada pronta, assim como a gravata escolhida, de alguma forma, ela sabe.

Respiro fundo, tenho o dia todo pela frente, troco de camisa, tomo a bebida gelada e peço para a Samanta entrar.

- Qual era a urgência?

- Sem urgências.

Olho para ela sem entender.

- Nunca dá em boa coisa suas reuniões individuais com o Sr. Miguel.

- Alguém tem que coloca-lo no lugar, e aqui eu sou o único que pode fazer isso.

- Sua agenda está cheia, começar o dia em pé de guerra não ajudaria muito.

- Não cabe a você decidir isso.

Não era para soar rude como soou, me arrependi imediatamente, mas como sempre ela apenas assentiu e concordou.

- O Sr. tem completa razão, perdão, não vai acontecer novamente.

- Olha Samanta, me desculpe.

- Não há o que desculpar, o erro foi meu, ultrapassei um limite que não é meu, está tudo bem.

Respirei fundo, as vezes eu achava que ela era um robô.

- Obrigada, mais alguns minutos naquela sala com o Miguel e...

- Sr. Bennet, esta tudo bem, na sua mesa estão alguns contratos e licitações que precisam ser vistas hoje, sairemos às 12h para o almoço. Você precisa de mais alguma coisa?

Minha cabeça começou a latejar, coloco as mão em uma das têmporas antes de responder mas ela já se antecipou.

- Tem remédio para dor de cabeça na primeira gaveta. Estarei na minha mesa caso precise de mim.

            
            

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