Ainda não recuperei nada da minha memória desde o meu acidente bobo, mas por incrível que pareça, afeiçoei-me pelo trabalho que tinha e que ainda continuo praticando aos poucos. Todos os dias leio pelo menos metade dos manuscritos que estou avaliando, a maioria deles são de escritores menores, indicados por agentes literários. Semana passada avaliei o de um escritor que também trabalha na editora. De acordo com Tim, ele já possui seis livros publicados e outros tantos guardados, apenas esperando o momento de cada um chegar.
Bebo um gole do suco de uva que deixei na mesa de centro à minha frente e assim que sinto o líquido quente em minha boca, percebo que estive concentrada demais para me lembrar dele momentos antes. Não posso me culpar, a história desse autor está me cativando nos mínimos detalhes, o que está me fazendo crer que é uma ótima obra para ser publicada.
O livro conta a história de um jovem que viveu na era arcadista, foi criado apenas pelo pai, que morreu após o filho completar doze anos, o que é terrível. No entanto, uma senhora muito rica o convida para trabalhar em sua casa em troca de alimento e moradia e, com o passar do tempo, a mulher desenvolve certa afeição pelo rapaz e ele fica confuso acerca do porquê daquela senhora o tratar tão bem. O afeto é perceptível não apenas para ele, mas para todos na casa, o que gera murmúrios.
O livro continua, mas no momento minha cabeça lateja demais, o que me impede de continuar a leitura. Decido então ir para a cozinha e preparar um dos pratos que aprendi nas últimas semanas. Tim tem ajudado muito em minha adaptação. Descobri que além de amar ler e escrever, sou também fascinada pela arte da culinária, tanto que até fiz o curso de gastronomia, por puro hobbie, só acreditei quando ele me mostrou o diploma de graduação com honras, além dos meus outros diplomas de graduação e pós da área editorial, fiquei fortemente encabulada com o de gastronomia, pois não esperava isso de mim.
De acordo com meu marido, eu não cozinho por obrigação, pelo contrário, uso tal serviço para relaxar e pensar sobre como resolver algum problema, pensar nas histórias que estou escrevendo e sobre outras de autores que estou avaliando. Na segunda semana, após a minha saída do hospital, Tim me chamou para a cozinha. Ele também gosta de cozinhar e pelo que me contou, partilhávamos essa atividade quando precisávamos de um tempinho só nosso.
* * *
– Tim, e-eu não sei cozinhar! – Eu disse ao ver o que ele tentava fazer.
– É claro que sabe. Venha aqui, eu vou te mostrar! – Ele estendeu a mão e assim que coloquei a minha sobre a dele, ele me puxou pelos dedos para mais perto com delicadeza.
Os cabelos de Tim são lisos e levemente volumosos, seus olhos são escuros e, naquele momento, ele havia acabado de sair do banho, o que o deixava muito atraente com os cabelos molhados. Quando senti seu perfume entrando em minhas narinas fiquei desconcertada e, por ora, perguntei-me se ele também estaria me achando atraente. Felizmente eu havia tomado meu banho há não muito tempo, então sei que com cheiro ruim eu não estava. Meu marido queria fazer frango com um molho cremoso e batatas, então como eu não fazia a menor ideia de como fazer aquilo, apenas segui os seus comandos.
– Isso! Agora você pode acrescentar os legumes para deixar o prato colorido. – Tim disse me entregando o recipiente onde continha pimentões picados e batatas cortadas em pequenos cubos.
Coloquei os legumes como ele me disse e mexi o prato por mais alguns minutos antes de colocarmos tudo em uma travessa e acrescentar o molho cremoso. Vez ou outra sentia as mãos de Tim em minha cintura ou a boca dele perto de minha orelha. Tal gesto me deixou com os pelos da pele eriçados e confesso que gostei. Apesar de que na maior parte do tempo eu estivera pensando em Mathew e no fato de que fizemos, talvez, aquilo um dia, quando ainda estávamos juntos.
Por fim jantamos, nós três e, para a minha surpresa o prato que fiz estava muito bom. Claro que se não fosse pela ajuda e paciência de Tim, nada daquilo seria possível. Aquele foi, talvez, o primeiro momento em que me senti feliz com os estranhos que morava há alguns dias. Vê-los felizes, principalmente Oliver, colocou um enorme sorriso em meus lábios, tanto que se fosse possível voltaria no tempo apenas para reviver tal ocasião.
* * *
Vasculho a geladeira em busca de ideias do que fazer para o jantar. Vejo alguns pimentões amarelos e vermelhos e então algo surge em minha mente. Após tirar as sementes de dentro de cada pimentão lavo-os e deixo em um recipiente no balcão. Pego uma carne moída e coloco para cozinhar em seguida e adiciono legumes cortados em cubos. Acrescento mais três tipos de temperos e depois de experimentar, ergo as sobrancelhas feliz pelo resultado.
Enquanto a carne cozinha enfio um garfo nas batatas que estão ao vapor e percebo que estão quase prontas. Em menos de vinte minutos estou amassando as batatas e acrescentando leite e requeijão. Logo em seguida, jogo o queijo ralado por cima e levo em uma tigela de vidro bem tampada para cima da mesa. Em seguida, recheio os pimentões com a carne e coloco tudo em uma fôrma, abro o forno e depois de deixar o segundo prato assando, vou para o quarto tomar banho.
Assim que saio do banho passo meu hidratante por todo o corpo e visto um conjunto de peças íntimas azul. Ao procurar um vestido verde e bem soltinho, que lembro de ter usado dias atrás, Tim entra no quarto e dou um grito assustada procurando logo algo para me cobrir. Ele sorri do meu desconforto e vem em minha direção, me olhando de cima a baixo.
Quando sinto as mãos de meu marido em mim e, posteriormente, seus braços ao meu redor, uma onda de energia me toma por completo. Deixo-o me beijar e me entrego ao beijo como nunca me entreguei. Tim me deita em nossa cama ficando por cima de mim e o envolvo com minhas pernas. Em um dado momento, lembro dos pimentões no forno e sussurro querendo me afastar, mas o homem em cima de mim me prende com força à cama.
– Os pimentões vão queimar! – Sussurro.
– Eu já desliguei o forno... – ele também sussurra sem ousar deixar de beijar o meu corpo.
– E Oliver... vai entrar aqui...
– Ele está tomando banho, não se preocupe, eu tranquei a porta.
Sem mais desculpas para interromper o que estamos fazendo me deixo relaxar. Tim que agora está apenas de cueca me abraça com força e eu faço o mesmo.
– Eu estava morrendo de saudades de você... – ele sussurra enquanto abre meu sutiã e acaricia minhas costas agora sem nenhum obstáculo.
Sorrio com o que ele acaba de proferir e me entrego completamente aos seus braços.
– Eu também estava com muitas saudades, Mathew...
Tim para de beijar meu corpo no mesmo instante e me lança um olhar sério.
– Mathew?!? Como assim, Mathew??
Ao perceber o que acabo de fazer meu coração que antes estava acelerado, palpita com mais força ainda e sinto as palavras fugirem de minha boca.
– Você estava prestes a fazer amor comigo e pensava no Mathew, Madison? – Ele diz com rispidez saindo de cima de mim.
Sento-me rapidamente e procuro meu sutiã ao redor e vou atrás de Tim tentando me reconciliar.
– Tim... Tim, me desculpe! E-eu...
– Você sempre se desculpa, Mad! Já estou cansado disso! Porque é que você não coloca em sua cabeça de uma vez por todas que o Mathew não está mais aqui? Eu estou! Eu estou aqui tentando recuperar o que tínhamos, só que pelo visto, isso não vai valer a pena!
– Tim, por favor, me perdoe! Eu não sei porquê... – seguro o braço dele.
– Você nunca sabe o porquê! Me deixe em paz de uma vez por todas! – Ele se desvencilha de mim e entra no banheiro batendo a porta com força.
Visto o vestido verde que achei depois de bagunçar o closet quase todo, desço as escadas rapidamente e vou para a cozinha. Tiro a fôrma do forno e a coloco em cima da mesa ao lado da tigela de purê. Oliver vem ao meu encontro pouco depois e se senta à mesa esperando pelo momento do jantar, brincando com alguns legos.
Ele faz diversas perguntas sobre o meu dia e eu faço algumas sobre o dele, mas estou atordoada demais para me concentrar cem por cento na conversa com meu filho. Meus pensamentos dividem-se em mim e Tim na cama nos beijando e abraçando-nos, bem como em Mathew.
Há alguns dias fiz uma pesquisa sobre ele no facebook e descobri apenas um perfil antigo, da época em que ele era adolescente e pouco falava sobre a vida dele. Ou seja, se eu não tinha nada, agora que não tenho mesmo.
– Mamãe? – Oliver chama, me trazendo de volta à realidade.
– Sim?
– O papai virá jantar? Eu estou morrendo de fome...
– Oh querido, eu vou colocar logo a sua comida. Acho que o papai irá demorar um pouco.
Oliver e eu começamos a comer e após alguns minutos ouço Tim descendo as escadas e vindo em direção à cozinha. Meu coração acelera quando os nossos olhares se cruzam por um milésimo de segundos, mas meu marido ainda parece muito chateado pelo que fiz.
– Papai, o senhor precisa experimentar esses pimentões recheados. Eu não queria comer, não gosto de pimentões, mas a mamãe insistiu e depois que provei mudei de opinião.
– Tenho certeza de que estão saborosos! Mas não estou com fome no momento, talvez eu coma depois, tudo bem?
– Hum... Okay! – Oliver responde depois de alguns segundos.
Tim vai até Oliver e dá um beijo na cabeça do filho.
– Eu vou me deitar, boa noite filho!
– O senhor está triste? – Oliver pergunta curioso e Tim me olha de relance, mas não o deixo captar meu olhar por muito tempo.
– Não, estou apenas cansado! Boa noite!
– Boa noite, papai!
Oliver termina de comer e brincamos um pouco, horas depois ele começa a ficar sonolento e o levo para o quarto. Quando ele finalmente adormece já passam das dez horas, em seguida caminho relutante para o meu quarto, onde Tim se encontra. Entro no compartimento e vejo-o assistindo televisão, passo direto para o banheiro e escovo os dentes para me deitar já que tudo o que quero no momento é descanso. Ao me jogar em baixo do lençol, depois de um dia tremendamente exaustivo, vejo que Tim agora está virado para o outro lado e seus olhos estão fechados, entretanto, de alguma forma, sei que ele está apenas a fingir.
– Tim? – Ele não responde. – Tim, eu deixei um pouco de comida na geladeira, se você estiver com fome... – toco seu ombro e ele se esquiva. – Tudo bem... hãã, boa noite! E-eu só queria dizer que eu sinto mui...
– Eu não quero falar com você, me deixe em paz!
Deito-me e fico a olhar o teto no escuro e dou um longo suspiro. Tento apenas dormir, mas apesar do cansaço não durmo de imediato, estou chateada comigo mesma pelo que fiz. Sempre que Tim me beija eu penso em Mathew, mas hoje, ao pronunciar o nome de outro homem na cama, acabei passando dos limites.
Depois de muito tempo pensando no que fiz e lembrando-me do que aconteceu nesta cama horas mais cedo, consigo dormir. Às sete da manhã acordo com o som do despertador e quando olho para o lado, Tim já foi embora, não deixando nenhuma pista do sentimento dele por mim que em todas as manhãs costumava deixar.