O início da cicatriz. A memória que insiste em doer.
Tenho 24 anos.
E ainda revivo aquela noite.
Mais do que gostaria. Mais do que deveria.
16 de fevereiro de 2016 - entre 21h30 e 22h.
Estou dizendo não.
Gritando, na verdade.
Só que dentro da minha cabeça. Nenhum som sai da minha boca. Tudo gira. Tudo falha. Eu tento me agarrar à consciência, mas não consigo. Queria que a droga tivesse me apagado por completo. Assim, não lembraria do que está acontecendo agora.
A primeira vez de uma garota deveria ser especial. Não assim.
Não numa cama desconhecida. Não com um estuprador.
Sinto as lágrimas escorrendo. Meu rosto está prensado contra alguma superfície áspera. Mordo o lábio com força e sinto o gosto metálico do sangue. Faço de tudo para afastar minha mente do que está acontecendo com meu corpo.
17 de fevereiro de 2016 - entre 2h30 e 3h.
Minha cabeça lateja. Parece que bebi o conteúdo inteiro de um bar.
Abro os olhos. Estou nua, em um quarto estranho.
As lembranças me atropelam.
As lágrimas voltam com violência. Tudo que quero é desaparecer. Apagar. Me apagar.
Tento me levantar, mas minhas pernas falham. Meus músculos doem.
Olho para meu corpo. Engulo o nó na garganta quando vejo o sangue.
Visto o vestido amarrotado. A calcinha, rasgada, está jogada no canto. Enfio na bolsa. Acho meu celular.
Respiro fundo. Tento lembrar onde estou. Tento conter as lágrimas.
Como me afastei do meu namorado? Estávamos em uma festa... E então... isso.
Ligo o aparelho. Uma mensagem aparece na tela, selando a destruição.
COMO PODE FAZER ISSO COMIGO?
TRANSAR COM MEU MELHOR AMIGO?
O QUE ACONTECEU COM NÃO ESTAR PRONTA?
UMA DISCUSSÃO E VOCÊ ACABA NA CAMA DE OUTRO?
NÃO QUERO SABER DE VOCÊ, NÃO QUERO LEMBRAR QUE EXISTE CAITLIN PAIGE JONES.
ESTÁ TUDO ACABADO ENTRE NÓS.
Fim.
.......................
Respiro fundo e encaro minha amiga e sócia.
- Você não pode estar falando sério, Helen. Qualquer lugar, menos esse. Aceito ser exilada numa ilha sem internet, ou me esconder em Kerguelen. - ofereço com um sorriso brilhante, mas completamente debochado.
- Cat, querida... Sabe quantas pessoas venderiam a alma para morar em Nova York com tudo pago? É o cargo dos sonhos. Na cidade dos sonhos. Com o cliente dos sonhos. Você é a RP mais disputada dos últimos tempos e está sendo contratada pelo time mais famoso da década. Isso é o casamento perfeito. Então, me explica: qual o verdadeiro motivo?
- Tyler Abbott. - Cuspo o nome, empurrando as memórias para um canto escuro da mente.
- O gostoso? - ela arregala os olhos e suas sobrancelhas sobem, sua surpresa é genuína. Nunca mencionei nada sobre meu passado com ele. - Qual é o problema com o Crush? O cara é praticamente uma divindade por lá. Corpo de pecado e, aparentemente, um coração de ouro.
- Bom coração? - A ironia escapa antes que eu possa impedir. - Ele é um cretino, Helen.
- Vocês se conhecem?
- Ele foi meu namorado. Por anos. Terminamos quando eu tinha dezessete.
- Você namorou aquele pedaço de mau caminho?! - Ela me olha como se eu fosse um milagre perdido.
- E agora, em hipótese alguma, quero trabalhar com ele. Quero distância.
- Cat... Ele está afastado. Lesão grave na última temporada. Está em tratamento, sem previsão de voltar.
- Mas continua ligado à equipe, sou RP, Helen, não pode me enganar no meu próprio jogo. - Cretinazinha, achando que pode me enrolar. - Ninguém vai me enfiar num evento com ele achando que vou sorrir e bater palminha.
Helen revira os olhos. Aqueles lábios vermelhos e perfeitos se curvam num sorriso de quem já me venceu mentalmente.
- Mesmo não gostando dele... Sabe da carreira do cara. Aposto que ainda acompanha.
- Nem tenta. Você me conhece. Isso não funciona comigo.
- Você está recusando um salário de seis dígitos por um ex.
- Exatamente. - Aceno concordando, é isso que está acontecendo.
- Me perdoa, mas isso é burrice. Sete anos se passaram. - Ela não faz ideia do peso do que diz. Acha que estou surtando por um ex-namorado famoso. Nem de longe é isso. - E você é maravilhosa, mas ele sem dúvida já superou, metade das mulheres de NY afirmam que dormiram com ele. - ela dá de ombros, como se fosse tão simples - Sinto muito, amor, mas você precisa superar isso.
- Eu superei. - E é verdade. - Só que o odeio. Num nível absurdo. E sou boa no que faço, mas não sou atriz. Não sei fingir. E se essa repulsa vazar... Bom, talvez o público me odeie mais do que amam o Crush.
Helen fica em silêncio por alguns segundos. Depois respira fundo.
- Só você pode decidir. É uma oportunidade incrível, e honestamente? Acho que você consegue lidar com isso. Já lidou com políticos pelados e cantores cleptomaníacos. Um ex-namorado não é nada.
- Você me superestima.
- Talvez. Mas é só pensar com calma. O que você quer? O que você precisa? Esquece o passado por um segundo. Pensa no agora. E sinceramente? Se as coisas terminaram mal, espero que chute a bunda do Crush, se ele é ex de alguém como você, deve ser um incrível babaca, afinal de contas você é maravilhosa.
- Vou pensar. Prometo. Só me dê alguns dias.
É uma mentira. Tudo que envolve Tyler Abbott está fora da minha lista de prioridades.