Herdeiros do Tráfico
img img Herdeiros do Tráfico img Capítulo 3 3. Luan
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Capítulo 6 6. Aurora img
Capítulo 7 7. Lucas img
Capítulo 8 8. Luan img
Capítulo 9 9. Lu img
Capítulo 10 10. Larissa img
Capítulo 11 11. Aurora img
Capítulo 12 12. Lucas img
Capítulo 13 13. Luan img
Capítulo 14 14. Lu img
Capítulo 15 15. Larissa img
Capítulo 16 16. Aurora img
Capítulo 17 17. Lucas img
Capítulo 18 18. Luan img
Capítulo 19 19. Lu img
Capítulo 20 20. Larissa img
Capítulo 21 21. Aurora img
Capítulo 22 22. Lucas img
Capítulo 23 23. Luan img
Capítulo 24 24. Lu img
Capítulo 25 25. Larissa img
Capítulo 26 26. Aurora img
Capítulo 27 27. Lucas img
Capítulo 28 28. Luan img
Capítulo 29 29. Lu img
Capítulo 30 30. Larissa img
Capítulo 31 31. Aurora img
Capítulo 32 32. Lucas img
Capítulo 33 33. Luan img
Capítulo 34 34. Lu img
Capítulo 35 35. Larissa img
Capítulo 36 36. Aurora img
Capítulo 37 37. Lucas img
Capítulo 38 38. Luan img
Capítulo 39 39. Lu img
Capítulo 40 40. Larissa img
Capítulo 41 41. Aurora img
Capítulo 42 42. Lucas img
Capítulo 43 43. Luan img
Capítulo 44 44. Lu img
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Capítulo 3 3. Luan

Vida só existia uma e depois que tudo se acabava, morria junto todas as coisas que um dia quis fazer mas, não fez, temendo decepcionar alguém ou não suprir expectativas.

A verdade é que chega uma hora, que percebe que já ultrapassou um certo limite e isso faz com que acorde e veja melhor a situação ao seu redor.

Não foi exatamente o quê aconteceu comigo, mas pelo menos tive meu despertar e vi que estava desperdiçando minha vida, tentando ser alguém que claramente não era eu e que não queria para minha vida.

Foi mais do que libertador, foi um alívio.

E naquela fase da minha vida, só queria viver como se não houvesse o amanhã, claro que sempre tinha e eu acordava com uma ressaca que dava para dividir para duas pessoas sem problema algum e repetia tudo de novo.

Só não podia parar novamente na UPA quase em coma alcoólico por beber mais do que meu corpo suportava. Na época, um ano atrás, acabei ficando em observação e o médico, junto com as enfermeiras queria desesperadamente entrar em contato com meus responsáveis e até acionar o conselho tutelar.

Acabei não vendo outra alternativa a não ser fugir da UPA pela porta dos fundos, quase nem me mantendo em pé direito por conta de tanta medicação que colocaram dentro de mim pelo soro. Algumas ruas depois, não aguentando, acabei deitando em uma calçada e acordando apenas quando o sol esquentou demais.

Para piorar o Uber não queria entrar na favela, nem eu pagando o dobro, o quê me fez andar até fora da favela para conseguir ir para casa.

Ainda por cima quando cheguei em casa, precisei ouvir um sermão do homem que me criou, ressaltando a todo momento que estava destruindo minha vida e que minha mãe acabaria morrendo de desgosto pelo jeito que as coisas estavam indo.

Por ele, não estava nem aí, ele não me descia e além do mais, achava que era meu dono e que poderia mandar em mim e desmandar quando quisesse e não era bem assim que as coisas funcionavam comigo. Já a minha mãe, a mulher que se dedicou em ser minha mãe, eu ainda nutria um certo respeito e era por causa dela que me sentia mal toda vez que entrava em casa, e agradecia mentalmente quando não a encontrava em casa, para ver o estado que eu chegava.

Mesmo com a conturbação que havia se instaurado em minha vida, eu a amava. E para mim já era mais do que o suficiente.

Mas deve estar se perguntando, por quê ando fazendo isso com a minha vida. Começou bem antes da adolescência, quando comecei a perceber que César tinha um cuidado maior com meu irmão, Lucas, tudo que ele ia fazer tinha que chamar o Lucas, queria saber se Lucas estava se alimentando bem, dormindo bem, em outras palavras, a preocupação dele era o Lucas.

No começo, achei que fosse normal, Lucas sempre foi uma pessoa criança que, chamava atenção das pessoas com facilidade. A simpatia em pessoa. Mas depois, percebi que César meio que fazia de próposito, principalmente quando estava com Lucas em algum lugar, sempre fazia questão de presenteá-lo e mostrar o quanto gostava dele e eu...sempre se dirigia à mim com uma certa rispidez, sua paciência comigo era zero e só bastava fazer alguma coisa errada, para simplesmente me castigar.

Quando minha mãe chegava, tudo mudava. Ele deixava de fazer esses tipo de coisa e nos tratava como igual, como ela fazia, sem nenhuma distinção e, quando eu precisava mais dela do que Lucas, ele sempre a cobrava para não ser assim comigo, pois isso acabaria de estragando e ela se arrependeria depois.

Ela não dava ouvidos para ele e só bastava chegar do trabalho e me ver quieto num quanto ou no meu quarto, que fazia questão de ir até mim e mesmo cansada, dar atenção a mim e as minhas atividades escolares, que diferente de Luan, que recebia a ajuda de César em todas, estavam para fazer.

A medida que fui crescendo, César continuou pegando no meu pé, continuou discutindo comigo por nada e então eu comecei a dar motivos para ele espumar de tanta raiva. Sabia que pela manhã, minha mãe não estava em casa, então deixava para chegar nesse horário, justamente o horário que deveria estar arrumado para ir para a escola.

César gritava aos quatro ventos que era minha obrigação ir para a escola e não ser um fardo para mim carregar. Isso acabou me dando uma ideia e no meio do ano, quando estávamos com provas por toda parte, estudando para vestibulares e numa tensão cotidiana, joguei a toalha, simplesmente fingia ir para a escola e não ia.

Não demorou para que minha ausência contínua fosse sentida durante as aulas, isso chamou atenção dos professores que entraram em contato com o diretor que, fez questão de entrar em contato com César e o questionar se estava doente, já que meu histórico escolar, tinha diversas internações durante os anos que se seguiram até minha idade "adulta", o diretor achou que estava hospitalizado, mas não estava, né.

Quando cheguei em casa, depois da "aula", César me esperava e naquele dia, fez questão de me bater e me lembrar que morava na casa dele e que enquanto estivesse ali, teria que dançar conforme a música dele.

Depois disso, o dinheiro que minha mãe dava por semana, foi cortado. Por ele, não por ela. Não tinha mais acesso ao cartão de crédito da minha mãe e comecei a ter que vender alguns pertences meus, para pelo menos conseguir sair de casa e pegar um ônibus, já que nem dinheiro para um táxi ou Uber eu tinha.

Sempre quando eu saia, tinha vontade de não voltar, mas não conseguia parar de pensar no jeito que ela ficaria quando chegasse e ele dissesse que havia ido embora. Era capaz dela colocar toda a polícia civil atrás de mim, rastrear meu celular, até me encontrar e me colocar em baixo das asas dela novamente, até o momento que ela teria que se afastar e César cairia em cima de mim com pau e pedra.

Mesmo assim, com tudo isso, ainda queria ir embora, ter meu próprio canto, mesmo que fosse bastante inferior do que já estava acostumado. Não importava. E foi com esse pensamento, que comecei a vender drogas nos bailes que tinha na Rocinha e Alemão, no começo não era muito, mais depois conseguir faturar a mesma quantia que a minha mãe me dava por semana.

Nem tudo estava perdido, no final das contas e eu só precisei vender alguns pinos de cocaína e maconha.

Mas não era mil maravilhas, tinha que tomar cuidado com a polícia e as batidas que faziam, tirando isso, estava tudo bem e em pouco tempo, teria dinheiro para dar um tempo e ter um lugar para mim por ali.

O porteiro me cumprimenta assim que passo pelo portão, me acompanhando com os olhos até o elevador. Não conseguia andar em linha reta, por alguma razão sobrenatural, meu corpo ficava oscilando de um lado para o outro. No interior do elevador, mesmo encostado na parede em frente a porta, minha cabeça rodava sem parar e ânsia de vômito aumentou, precisei de toda a força do mundo para evitar de vomitar ali mesmo e a conta chegar para minha mãe.

Os passos continuaram oscilando enquanto andava para o apartamento, demorei o dobro do tempo para conseguir colocara chave na fechadura e entrar. O silêncio estava por toda parte e mesmo que quisesse lembrar aonde estava todo mundo, não conseguia, e ao mesmo tempo não me importava, pelo menos ninguém iria me fazer perguntas.

Abro a porta do meu quarto abruptamente, quase caindo ao fazer isso, parando poucos passos depois ao ver minha mãe sentada na beirada da cama.

As vezes queria que ela gritasse comigo, que dissesse o quão decepcionante estava sendo na vida dela. Mas ela não dizia e nem transparecia isso, sua expressão era sempre de calma.

- Oi, mãe - digo enrolando a voz, só então ao dizer essas duas palavras, notei que não tinha mais controle sobre a ânsia de vômito e se não correndo para o banheiro naquele momento, vomitaria o quarto inteiro.

Foi isso que fiz, corri em disparada para o banheiro em meu quarto e me inclinei sobre a privada, vomitando toda a mistura de bebidas que havia feito durante a noite. Começava com cerveja, depois vinha bebida quente, cerveja de novo e assim por diante, até eu não aguentar nem ficar mais em pé e acabando deitando em algum canto, sujeito a ser morto.

Não percebo quando ela levanta e vem na minha direção, apenas sinto sua mão um pouco calejada e ao mesmo tempo macia em meu rosto, limpando o suor que se acumulava em minha testa.

Pacientemente, ela espera até que eu termine, depois me ajuda a tirar minha roupa que estava mais do que suja, um pano de chão deveria estar mais limpo e ainda de cueca, me coloco em baixo do chuveiro, precisando me escorar na parede para não cair.

Além da minha cabeça doendo, minha barriga também doía e toda vez que fazia força para vomitar, não saia nada. Por um momento minha mãe sumiu e fiquei aliviado por não estar ali presenciando aquilo, mas sua ausência só aconteceu por pouco mais de dez minutos, depois ela apareceu com a minha toalha, desligou o chuveiro e secou meu cabelo como se eu fosse novamente criança, depois me entregou uma camiseta, cueca e short e esperou do lado de fora do banheiro.

Correndo o risco de bater minha cabeça na pia, consegui por a cueca e o short, assim que saio do banheiro, ela me entrega uma xícara de café e me ajuda sentar nos pés da cama.

Nunca bebi um café tão amargo na minha vida, estava horrível aquilo e acabei questionando mentalmente se ela havia lembrado de colocar o açúcar.

Termino de beber, o virando todo na boca, deitando de qualquer jeito na cama. Isso só fez com que minha cabeça rodasse mais, como se a cama estivesse rodando sem parar.

Ouço minha mãe tirar os sapatos e se deitar em minhas costas, em seguida sua mão volta para minha cabeça e uma canção suave surge em meus ouvidos.

Ela costumava cantá-la quando estava doente e temendo me perder para a doença. Cantava a noite toda e só se apartava de mim, quando precisava fazer alguma coisa para eu comer.

Meu corpo começou a tremer, com certeza por causa do frio, gentilmente ela me cobriu, sem parar de cantarolar, como se estivesse hipnotizada por aquele momento. Muitas vezes, quando ela pegava no sono, sentia seus braços ao meu redor com força, como se quisesse impedir que alguma coisa ruim acontecesse comigo ou simplesmente que eu sumisse.

Uma vez estava apertado demais e sem acordá-la, consegui levantar, mas no meio do xixi, ela acordou apavorada e começou a me chamar aos gritos e chorando, mesmo eu saindo do banheiro e dizendo que estava ali, ela parecia estar dormindo ou não estava me ouvindo. Só parou quando me sentei em sua frente e toquei seu braço, a sacudindo, só então ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas e me abraçou, um abraço forte mas macio, que acalmava qualquer coisa que estava sentindo.

Com ela, me sentia seguro, não temia que nada pudesse me ferir. Via ela como uma muralha, alta, imponente ao meu redor, infelizmente quando não estava por perto, me sentia completamente vunerável e não conseguia me defender, era como se minhas forças sumissem.

Pego no sono mais rápido do que queria, quando me dou conta já estou acordando e sinto ela ainda em minhas costas e sua mão sobre minha cabeça. Minha cabeça já não estava doendo, mas ainda havia um incômodo persistente em meu estômago.

Tento levantar sem acordá-la, mas falho na primeira tentativa. Já passava das oito da noite e não era para ela estar ainda vestida como se fosse trabalhar e de maquiagem.

- Tá tarde, mãe - murmuro.

Ela franze o cenho, massageando as têmporas.

- Está com dor de cabeça? Acho que tenho remédio no meu quarto.

- A cabeça tá boa.

- Vou pegar mesmo assim - diz, saindo do quarto arrastando os pés, segurando os sapatos em uma das mãos.

Quando ela volta, é com um comprimido e um copo de água. Tomo o remédio e a metade da água rapidamente.

- Obrigado.

Ela inspira profundamente.

- Vou falar com o diretor, tá bom? - diz mantendo o tom de voz neutro - Vou ver se consegue fazer as últimas provas. Não pode perder a metade de um ano.

- Mãe - digo calmamente - Não precisa, tá?

- Claro que precisa, Luan. Meu filho, estudo, educação é a chave de tudo, sem educação o ser humano não vai muito longe.

- E se eu quiser pular essa parte? - Me arrisco em perguntar.

Ela coloca uma mão em meu ombro, olhando dentro dos meus olhos.

- Você tem todo o direito de pensar no que irá fazer, mas depois de se formar no ensino médio - diz sem alterar o tom de voz - Depois disso, se quiser viver da sua arte na praia, tudo bem. Só que precisa se formar no ensino médio primeiro - Ela ergue as sobrancelhas - Entendeu?

Queria gritar que não e que faria o que eu queria dali em diante, mas não consegui, simplesmente travei e esqueci por completo os planos que havia feito. Naquele momento, ela me fez enxergar que era o melhor a se fazer, apesar de tudo e com os planos que tinha feito.

- Tá bom, mãe.

Ela dá um meio sorriso, afagando o lado do meu rosto.

- Vou falar com o diretor amanhã - Repete com o olhar cansado e sonolento, se fixando no vazio - Agora vá dormir, já está tarde - Dito isto, ela sai do quarto, fechando a porta ao sair.

Era só uma prova, uma prova, e me formaria e depois poderia fazer o quê eu quisesse, que ninguém especialmente o César, poderia dizer alguma coisa. E eu poderia fazer aquela prova de boa, não havia estudo muito nos últimos meses, mas estava crente que iria conseguir ainda passar com uma boa noite e deixar minha mãe sossegada, já que estava fazendo isso, somente por ela, mas ninguém.

Naquele momento, me dei conta que o quê fosse que eu tivesse planejado, só conseguiria chegar até lá, se fosse bem naquela prova, se não fosse, já estava me vendo sendo meio que obrigado ou iludido pela minha mãe, a refazer todo o ano que havia perdido.

Não conseguia ser otimista o bastante, para acreditar que aquilo iria acabar bem. Eu não era o Lucas, não era tão dedicado como ele e nem tinha toda a concentração dele para estudar. Meu negócio ultimamente era ganhar dinheiro, quanto mais melhor, e não tinha tempo para estudar, era perca de tempo. O quê eu precisava era de dinheiro, sem que precisasse depender de ninguém para isso e só conseguiria isso, se me dedicasse somente ao que eu já estava fazendo.

            
            

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