Herdeiros do Tráfico
img img Herdeiros do Tráfico img Capítulo 5 5. Larissa
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Capítulo 6 6. Aurora img
Capítulo 7 7. Lucas img
Capítulo 8 8. Luan img
Capítulo 9 9. Lu img
Capítulo 10 10. Larissa img
Capítulo 11 11. Aurora img
Capítulo 12 12. Lucas img
Capítulo 13 13. Luan img
Capítulo 14 14. Lu img
Capítulo 15 15. Larissa img
Capítulo 16 16. Aurora img
Capítulo 17 17. Lucas img
Capítulo 18 18. Luan img
Capítulo 19 19. Lu img
Capítulo 20 20. Larissa img
Capítulo 21 21. Aurora img
Capítulo 22 22. Lucas img
Capítulo 23 23. Luan img
Capítulo 24 24. Lu img
Capítulo 25 25. Larissa img
Capítulo 26 26. Aurora img
Capítulo 27 27. Lucas img
Capítulo 28 28. Luan img
Capítulo 29 29. Lu img
Capítulo 30 30. Larissa img
Capítulo 31 31. Aurora img
Capítulo 32 32. Lucas img
Capítulo 33 33. Luan img
Capítulo 34 34. Lu img
Capítulo 35 35. Larissa img
Capítulo 36 36. Aurora img
Capítulo 37 37. Lucas img
Capítulo 38 38. Luan img
Capítulo 39 39. Lu img
Capítulo 40 40. Larissa img
Capítulo 41 41. Aurora img
Capítulo 42 42. Lucas img
Capítulo 43 43. Luan img
Capítulo 44 44. Lu img
Capítulo 45 45.Larissa img
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Capítulo 5 5. Larissa

A vida era mais do que injusta as vezes e eu era a prova viva disso.

Acho que tudo começou quando meu pai foi preso, diferente do meu irmão mais novo, Lucas, eu era muito apegada à ele e acho que fui a única pessoa que sentiu de verdade a ausência dele. No começo, não sabia nem o quê havia acontecido, simplesmente num dia ele estava ali e no outro já não estava e, toda vez que perguntava o quê havia acontecido, não me diziam a verdade.

O tempo foi passando, eu fui crescendo e ainda queria saber o quê havia acontecido com o meu pai. Continuavam mentindo, alegando que ele estava trabalhando e que logo voltaria, esperava por ele em todos meus aniversários e ele não comparecia. Para tentar me confortar, minha mãe dizia que era ele que estava perdendo.

Até que um dia, decidi que iria descobrir o quê havia acontecido com ele. Ele não estava viajando à trabalho e sim estava preso por homicídio e associação ao tráfico, se conhecessem ele como eu conhecia, saberiam que ele não seria capaz de matar uma mulher grávida. E tudo por quê? Nem eles sabiam o motivo.

Como todos os lugares, haviam boatos de que a mulher que meu pai assassinou, na época estava à frente do Complexo do Alemão e que ela também mantinha um relacionamento com o cara que estava antes dela. Para mim, estava mais do que claro toda aquela situação, não foi meu pai que a matou e sim o rival dele, que também já havia comandado o Alemão, apenas para incriminá-lo e deu certo, só que assim como com ferro fere, com ferro é ferido, Gael também foi morto e acabou que sobrou para meu pai toda aquela culpa. A juíza que o julgou nem avaliou melhor o caso, simplesmente o sentenciou a tanto tempo de cadeia sem ao menos ponderar a ideia de que ele tinha família, assim como ela deveria ter.

Eu a odiava sem ao menos conhecê-la e desejava que ela passasse por tudo que passamos, por causa dela, só quem em dobro.

Com a prisão do meu pai, logo alguém tomou seu lugar. Alguns moradores pareciam gostar dele, já outros preferiam não dizer suas respectivas opiniões.

Eu ainda sonhava com o dia que o meu pai sairia da cadeia, sentia que a cada dia que passava estava próximo. Iríamos encontrar uma brecha na decisão da juíza e ele conseguiria uma condicional e no dia que isso acontecesse, eu estaria lá, na Rocinha, esperando ele voltar para lhe entregar o comando da favela. Era nisso que eu trabalhava diariamente e só iria parar até eu conseguir.

Tinha ideia que não era uma tarefa fácil, não impossível, pois já haviam conseguido tal façanha antes. A mulher que diziam que meu pai havia assassinado à sangue frio, era um bom exemplo, havia conseguido tirar Gael do poder, usando sua inteligência. Errando apenas em não tê-lo matado logo de começo, já que era o quê ele merecia; Todos no Alemão a temiam, respeitavam ela e tinham até uma espécie de devoção. Acreditava que tinha até pessoas que a consideravam como santa.

Da mesma forma que ela era boa, conseguia facilmente ser o contrário e fazerem muitos daqueles que não andavam em baixo de suas regras, sofrer. Era nela que eu me baseava, mesmo ela tendo um fim tão trágico por achar que poderia confiar no Gael.

Claro que não iria cometer o mesmo erro que ela, iria eliminar qualquer um que fosse alguma ameaça para mim. Poderia até ser melhor do que ela governando a Rocinha.

Mesmo sem ter conseguido chegar no topo, já havia conseguido juntar alguns aliados na caminhada. Pessoas que acreditavam que a melhor pessoa para mandar naquele lugar era meu pai e que quando ele não pudesse mais, esta responsabilidade passasse para mim e assim por diante. Já sabia que Lucas não tinha vocação nenhuma para o tráfico, mesmo que ele quisesse e se esforçasse, igual se esforçava naquele bar da nossa vó, ele ainda não se sairia bem. Parecia que o mesmo sangue que corria em minhas veias, não corria na dele, ele não tinha ambição, muito menos enxergava o mesmo que eu. A verdade é que eu nem sabia o quê meu irmão queria da vida dele, além de ficar me vigiando como um cão, tentando me proteger quando eu poderia fazer isso sem ao menos sujar minhas mãos.

Eu tinha pessoas que se atirariam em frente de uma bala por mim. Só meu irmão que não havia percebido isso ainda e continuava fazendo aquele papel patético, tentando ser o irmão exemplar e o filho também, quando ninguém dava a mínima para isso.

A única aprovação que eu queria e que sentisse orgulho de mim, era meu pai. O resto, nenhum me importava, muito menos o quê pensavam de mim.

Entro no quarto que dividia com a minha mãe batendo a porta com força, cada vez mais farta daquela situação. Mais uma vez, Lucas fez questão de ir me buscar, me fazer passar vergonha, como se eu fosse criança ainda ou dependesse dele. Quando estava mais do que claro que não dependia de ninguém! Eu mesma fazia meus corres e conseguia dinheiro do meu jeito.

Já sabia que meu pai não foi direto em seu dono da Rocinha, foi aos poucos, ele passou por todos os estágios até conseguir chegar no topo. Perigosa, não foi diferente, ela era garota de programa! Tem consciência disso?! Ela veio do interior para ser garota de programa e só quando conheceu meu pai, que ela viu que estava perdendo tempo, enquanto poderia estar faturando bem mais e tendo a vida dos sonhos.

Para chegar no topo, queria pular alguns estágios, é claro. Mas nada que fosse fazer muita diferença.

Troco de roupa olhando para a pequena mala no canto do quarto, o dia seguinte seria cheio e por causa da minha ansiedade, duvidava que iria conseguir dormir. Depois que minha vó começou a ter alguns problemas de saúde, não era sempre que podia ir no dia de visitas na cadeia e não queria que meu pai pensasse que havíamos esquecido ele ou até mesmo o abandonado, então eu comecei a fazer questão de ir, mesmo minha vó e minha mãe alegando que lá não era lugar para mim. Eu não era a única filha que ia visitar seu pai, via isso sempre enquanto esperava na fila para vê-lo. E também não seria a última.

Como imaginado, não peguei no sono e na hora marcada de acordei, levantei e fui tomar banho. O chuveiro de casa já havia queimado algum tempo, o que nos sobrava apenas tomar banho de água gelada. Acabou sendo um banho rápido, mas que deu para limpar todos os lugares necessários.

De volta no quarto, me visto rapidamente, não esquecendo do casaco, não havia amanhecido e iria demorar para isso acontecer e mesmo sem ter ido lá fora, já sabia que estava fazendo frio.

Depois disso, verifico se não estou esquecendo de nada. Após a checagem, é hora de ir para o ponto de ônibus. Diferente de alguns moradores dali, não tinha medo de andar à noite ou de madrugada, ninguém era louco o suficiente para mexer comigo, eu era filha do Nem e isto já era mais do que eles precisavam saber que era para manter distância.

O ônibus não demora, pelo horário está vazio. Cumprimento o motorista e cobrador e, assim como outras pessoas, vou para o fundo do ônibus. A viagem é um pouco longa até o terminal, aonde preciso pegar outro ônibus, para descer em determinado trajeto pouco mais de quarenta minutos depois e ter que andar mais dez minutos até chegar na penitenciária.

Ao mesmo tempo que era exaustivo, era gratificante, pois dentro de poucas horas, poderia ver meu pai.

A fila ao lado da penitenciária já estava longa, a maioria ali não via a pessoa que estava dentro daqueles muros há algum tempo e só tinha aquele dia para isso. Não havia conseguido ver meu pai da última vez, não havia dado tempo, a fila estava muito longa e além disso, já tinha muitas pessoas dentro da penitenciária. Acabou que só entreguei as coisas que havia levado e fui embora.

Mas naquele dia, estava determinada em ver ele e só iria embora dali quando eu visse meu pai.

No horário, as pessoas começaram a entrar, primeiro havia uma revista íntima e das coisas que levávamos, para só depois irmos para o pátio. Desde o primeiro dia que comecei a ir naquelas visitas, vi aquela "revista íntima" como algo humilhante para nós mulheres, entendia que alguma levavam objetos que não eram permitidos ali dentro mas, outras como eu, só queriam passar algum tempo com o ente querido.

Mesmo com este pensamento, que eu considerava revolucionário, ainda tinha que passar pela revista que, era se resumia em ficar nua diante de uma policial e agachar em cima de um espelho duas vezes.

Só depois disso, estava liberada.

Saio da sala ainda arrumando a roupa em meu corpo, pegando minha bolsa que já havia sido revistada, indo para o pátio que, já estava parcialmente cheio.

Olho atentamente para as pessoas ali, já estava começando a achar que ele não estava ali, quando eu o vejo. Estava no fundo da sala e assim que me nota, ergue o braço e sorrindo vou até ele. Antes mesmo de me aproximar ele se levanta e abre os braços, é neste momento que sinto que não havia crescido e que continuava sendo a menininha dele.

O abraço com força, inalando profundamente seu perfume. Desejando que o tempo parasse naquele momento para poder guardar aquele momento, contendo cada detalhe.

Me afasto evitando de chorar, não queria naquele momento, preferia fazer isso depois que saia dali. Meu pai já não era o mesmo das fotos, não estava tão jovem como antes, já havia diversos fios brancos espalhados pela seu cabelo e algumas rugas já aparentes perto do olho.

Mesmo com a idade já chegando, ele continuava bonito, o sorriso estreito continuava o mesmo, assim como o brilho em seus olhos.

- Tá olhando demais pro meu cabelo branco - diz ele, passando uma das mãos pela cabeça.

- Deve ser por quê tá ficando velho.

- Não tô velho - Ele senta novamente - Estou ficando experiente.

Dou um sorriso, sentando na frente dele, abrindo a bolsa com tudo o quê havia levado.

- Se esqueci de alguma coisa, me avisa.

- Tudo isso aqui tá ótimo.

- Tô falando sério, pai - digo sério. Ele sustenta meu olhar.

- Tô falando a verdade, Larissa, aqui tá ótimo, ainda vai dar pra dividir - Apoio meus cotovelos em cima da mesa, o observando comer algumas bolachas.

- Como o senhor tá?

- A mesma coisa de sempre, apenas vivendo um dia após o outro.

- Ainda bem que tem uma noite no meio - brinco, tentando fazer ele sorrir - Falta pouco agora, pai. Daqui a pouco você vai tá fora daqui, vamos conseguir uma condicional - Ele dá um leve sorriso sem me olhar, já sabia o quê aquela expressão significava e sabia que ele não estava tão esperançoso assim.

- E teu irmão, como tá? - pergunta, mudando o rumo da conversa.

Dou de ombros. Lucas só havia visitado duas vezes nosso pai, a primeira vez quando estávamos entrando na adolescência e outra vez quando minha vó não estava se sentindo muito bem para ir sozinha e ele se ofereceu para acompanhá-la. Não preciso nem dizer que não tiveram uma conversa muito animada, apenas com o básico do básico.

- Do mesmo jeito. Chato como sempre. Querendo mandar em mim e ser o cidadão ideal.

- Tenha paciência com seu irmão, Larissa - diz ele baixo.

- Mais, pai? Eu tento, mais aquele menino já tá me tirando do sério.

- É só o jeito dele.

Todo mundo dizia isso e eu não entendia como meu irmão conseguia ser tão chato e pegajoso, dono da verdade. Isso sim.

- Já ando cansada dele, isso sim - Cruzo os braços sobre a mesa, olhando para o movimento a nossa volta.

- Sua mãe tá bem?

- Acho que cada dia pior.

Ele dá um breve sorriso.

- Como assim?

- Ela só bebe. Só fuma. Sai pras festas numa segunda e só volta na outra segunda. A mesma coisa de sempre, só que se destruindo cada vez mais.

- Ela sempre foi assim.

Olho para ele, erguendo uma sobrancelha.

- Sério?

- É. Sério.

- Então não sei nem como estamos vivos ainda.

- Por causa da sua vó - Ele coça o queixo - Eu sempre estava ocupado com os problemas do tráfico, sua mãe sempre tava com alguma coisa em mente, então vocês ficavam com ela.

- Não sei como você ainda ficou com ela - digo baixo, não conseguindo ver meu pai sendo marido da minha mãe. Eles eram tão diferentes, minha mãe era o oposto dele.

- Tem certas coisas na vida que precisam acontecer.

Balanço a cabeça de um lado para o outro.

- Não acho isso. Não é justo que você tá aqui pagando por uma coisa que você não fez.

Ele mantém a cabeça baixa, o olhar distante, enquanto as mãos estão sob a mesa.

- É complicado, Larissa.

- Por quê não disse que você não fez o quê estão dizendo? - pergunto me inclinando - Era só ter dito, pai. Provado sua inocência.

- Não acha que eu não quis fazer isso? - Ele ergue o olhar, sustentando o meu - Eu queria, Larissa. Mas ninguém iria acreditar em mim, era minha palavra contra as provas que eles tinham.

- Mas você não matou ela - digo convicta - Não foi? - Ele franze levemente o cenho, a expressão se tornando angustiada por uns segundos.

- Não matei ela - murmura baixo - Mesmo com todos os motivos que ela me deu, eu não iria conseguir fazer isso, principalmente por quê ela estava grávida... - Ele para de falar abruptamente, o olhar se tornando distante - Mas já foi, Larissa. Isso já é passado.

- Vamos tentar recorrer - digo inspirando profundamente.

Ele sorri sem mostrar os dentes.

- Tá.

- E você vai sair daqui e depois vamos processar o estado.

Ele ergue as sobrancelhas surpresa.

- Mais enquanto nada disso acontece, tem como dar atenção pro seu pai?

Seguro a mão dele em cima da mesa.

- É por isso que tô aqui, pai - Ele inclina a cabeça para o lado, mantendo o sorriso. Enquanto eu estivesse viva, ia fazer de tudo para ele voltar a sorrir como antes, tudo que estivesse no meu alcance para termos tudo que tínhamos antes e não me esqueceria de me vingar de todo mundo que ajudou ele a ficar naquele lugar.

Não importava o preço que eu iria pagar, estava disposta à isso. Mesmo que eu morresse, levaria junto comigo os culpados, começando pela juíza que havia julgado meu pai, que não havia dado a atenção devida ao caso do meu pai. E se Gael estivesse vivo, iria fazer ele pagar pelo o quê havia feito e por ter jogado a culpa nas costas do meu pai.

Agora era questão de honra.

                         

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