/0/10660/coverbig.jpg?v=20231228222323)
Ana cresceu criada por babás.
Sua mãe trabalhava muito. Fazia plantões de 12, 24 e às vezes, até 48 horas, em um hospital público de um bairro vizinho ao seu.
Então, quando Ana não estava na casa de sua avó paterna, ou perambulando pelo serviço de sua mãe, estava com babás, para que assim, sua mãe pudesse trabalhar e dar tudo que podia para as duas.
Quando Ana tinha 7 anos, sua mãe conheceu Carlos.
Carlos era um homem negro, forte e de um sorriso exemplar, como aqueles que vemos nas paredes de um consultório de dentista, sabe?
Ele havia sido criado no interior e vinha de uma família muito pobre, onde todos trabalhavam com plantio de laranjas para manter a casa.
Carlos, quando conheceu Patrícia, não havia nem terminado o ensino.
Cresceu trabalhando na roça e quando a conheceu, mesmo sem ter muito a oferecer, ela mudou a vida dele, trazendo-o para morar com ela e a filha.
Ela o vestiu, calçou, incentivou a terminar a escola.
Ele definitivamente, se tornou a Cinderela e Patrícia, sua fada madrinha.
No começo, pareciam uma linda família feliz. Daquelas de comerciais da TV, sabe?
Carlos, era um ótimo marido, e um padrasto excelente, fazendo Patrícia sentir que havia encontrado a pessoa certa.
Mas em algum momento, não se sabe ao certo qual, algo mudou dentro de Carlos. E ele mostrou um lado manipulador, agressivo e até mesmo vil, diferente daquele doce homem do início.
Acredita-se que ele sentia um ciúme tão absurdo e medo de ter que voltar a vida anterior, que fez de tudo para ter Patrícia apenas para ele, fazendo com que ele machucasse e afastasse Ana de sua mãe.
Começou com coisas sutis: uma chantagem aqui e outra ali, fazendo com que Ana
tivesse muito medo e ficasse quieta e reclusa.
Tudo começou em uma manhã de sábado de verão.
Ana morava em uma casa, onde no terreno haviam mais outras duas. A dos fundos e a de cima.
Todas elas, dividiam a mesma energia elétrica.
Naquela manhã, Ana se preparava para ir passar uns dias com seu pai.
Como era apenas uma criança, gostava de ficar mais do que deveria embaixo do chuveiro. Cantando, dançando e sonhando ser uma cantora famosa.
Com isso, fez com que a chave do quadro de luz caísse e desligasse toda a energia elétrica do terreno.
Carlos entrou muito afobado no banheiro, gritando com Ana. Dizendo que sua demora ao chuveiro havia derrubado a energia e queimado as coisas dos moradores da casa de cima.
Ana ficou apavorada. Pensou na raiva que sua mãe ficaria e implorou para Carlos que resolvesse aquilo, pois tinha medo de sua mãe lhe bater. Ele, por sua vez, disse que resolveria e que ela poderia ficar tranquila.
Ana, terminou de se arrumar e foi para casa de seu pai. Sem saber, que aquele dia, seria o maior erro de sua vida.
Ao retornar, as coisas estavam diferentes.
Carlos fazia chantagens constantemente, para que Ana fizesse o que ele queria, em troca de ele não contar nada para sua mãe.
Aquilo se tornou uma bola de neve. A ponto de que Ana falou e fez coisas das quais não eram de seu feitio.
Tudo foi se perdendo e aos poucos, Ana nem conseguia mais saber como aquilo tudo começou. Só vivia com medo de Carlos, que constantemente passou a ameaça-la, dizendo que se contasse algo para alguém, mataria ela e sua mãe.
Ana não comia quando estava em casa.
Carlos não permitia.
Sua única refeição, era feita no refeitório de sua escola, onde sua vida também não
era fácil.
Quando em casa, Ana vivia trancada em seu quarto, no escuro, pois Carlos, a acusava de fazer coisas para a sua mãe e usava isso como justificativa, para mantê-la em seu quarto, como uma espécie de castigo.
Aos finais de semana, ele a trancava dentro do carro, e cobria este com uma capa. Dizia que se está fizesse qualquer barulho, estava morta.
Para Patrícia, sua filha havia ido passar o final de semana na casa de alguma amiga,
então nem se preocupava.
Quando na escola, ela sofria bullying.
Palavras agressivas, além de agressões físicas e seus pertences roubados ou
quebrados.
Ana não sentia mais vontade de viver.
Então em uma tarde de outono, aos seus 9 anos, Ana decidiu acabar com aquele sofrimento.
Não aguentava mais fantasiar o dia de sua liberdade.
Diversas vezes, se viu imaginando que aquilo tudo era apenas um sonho e que em algum momento acordaria.
Mas ela não acordava e não via outra saída.
Pegou um lençol e o amarrou.
Mas quando estava quase sem ar, seu algoz passou pela porta e a surra que levou
naquela tarde, foi pior do que a própria morte em si.