Capítulo 3 Perdão

Durante 3 anos, Ana teve certeza de que se havia um inferno, ela estava vivendo nele, e Carlos, era o próprio Diabo.

Ela dormia torcendo para não acordar, e acordava querendo voltar a dormir.

Carlos pintava e bordava, sempre jogando a culpa em Ana, que por sua vez, era castigada injustamente.

Sumiam coisas, quebravam-se outras. Comidas apareciam envenenadas, e as coisas sujas de dejetos humanos.

Tudo recaia sobre Ana, que muitas vezes, se viu ajoelhada no milho por dias inteiros, ou até mesmo, amarrada e amordaçada em sua própria cama.

Ana já havia tentado fugir de casa algumas vezes, e por este motivo, teve a janela de

seu quarto fechada por Carlos, com uma corrente grossa e um cadeado.

Um determinado dia, enquanto Patrícia trabalhava, Ana ficou em casa com seu algoz, e em um momento de coragem insana, Ana tentou gritar por socorro, mas Carlos logo passou pela porta e a levantou contra parede pelo pescoço, fazendo ameaças e mais ameaças.

Quando a mesma já estava ficando sem cor, este a largou no chão, tentando recobrar os sentidos.

Após aquele dia, Ana teve ainda mais medo de Carlos e suas ameaças, e passou a

apenas a abaixar a cabeça e aceitar os castigos que lhe eram impostos injustamente.

Mesmo que aquilo ferisse sua alma.

No período em que viveu o inferno com Carlos, Ana tentou pedir ajuda diversas vezes.

Contou para colegas, que contaram para seus pais, mas sempre que Carlos chegava, algumas palavras proferidas por ele, eram suficientes para que Ana saísse por louca, rebelde ou mentirosa.

Ninguém a levava a sério.

Ela tentou pastores de uma igreja. Os mesmos, nem a ouviram.

Então, ela passou a tentar fugir de casa, sumindo na hora da saída de sua escola.

Mas sempre alguém a encontrava e a levava para casa. E bem, a surra que ela levava no dia seguinte, quando Patrícia saia para trabalhar, era o maior lembrete de suas tentativas frustradas e a certeza de que, ela nunca sairia daquele inferno.

De tantas fugas mal sucedidas, o Conselho Tutelar foi acionado, o que deu alguma esperança para Ana, já que ela sempre ouviu falar que eles eram encarregados de proteger as crianças em situações de risco.

Mas infelizmente, para seu azar, bastou uma conversa de Carlos com o conselheiro designado, para que ela conhecesse a pior face daquele novo homem em sua vida, que agora, a via como Carlos queria.

Ele não precisou agredi-la fisicamente, como seu algoz fazia, suas palavras, olhares e postura, eram o suficiente para que ela urinasse em suas próprias roupas, de tamanho medo. Era um verdadeiro terror psicológico

Seu terror com aquele homem, só acabou quando sua avó paterna, Penélope, ameaçou o homem, após ver a reação que o mesmo causava em sua neta.

E isso, só ocorreu quando Patrícia ficou incomunicável por mais de um mês, após Carlos deixar Ana aos cuidados da avó para viajar com Patrícia para o interior.

Como um mês se passou e nenhuma notícia de Patrícia surgiu, Rodrigo e Penélope recorreram ao conselheiro e depois a polícia. Só então, receberam notícias de que Patrícia havia ficado muito doente em sua viagem e por isso o sumiço.

Apesar da preocupação com o sumiço da mãe, Ana nunca esteve tão aliviada por estar tanto tempo longe de Carlos, mas infelizmente, logo que voltaram, todos aqueles dias felizes longe dele, logo foram esquecidos, como se fossem apenas meros sonhos e seu looping infernal, voltou a todo vapor.

Ana demorou muito pra perceber que além do abuso psicológico, e físico, também havia sofrido abuso sexual.

Não se sabe, se ela no seu interior sabia, e não queria acreditar ou se era apenas inocente mesmo.

Aos seus 10 anos, Ana passou a ver seu corpo transformar. Seios começaram aparecer, e pelos também.

Carlos se dizia preocupado com Ana.

Apertava seus seios contra o tórax, dizendo que assim diminuiria seu tamanho e

crescimento.

Quando os pelos começaram a surgir, Carlos, logo se propôs a ajudá-la. E com o auxílio de uma gilete, ele a fazia deitar-se sem roupas e a depilava, dizendo se tratar apenas de uma preocupação com a higiene da mesma.

Por anos, Ana acreditou que aquela atitude, era apenas preocupação de Carlos, até

que um dia em terapia, ouviu a mais dura realidade:

-Ana, você foi molestada.

Para Ana, aquelas palavras, machucaram como se, de repente, chovesse canivete sob sua pele.

Então, as coisas já não eram ruins suficientes? O fardo era maior do que ela

acreditava?

Diversas vezes, Ana se pegou planejando o que faria com Carlos.

Meios de machuca-lo tão grandemente, quanto ele havia a machucado. Quase como

uma reprise ruim de filmes no estilo "Doce Vingança".

Ele havia destruído sua inocência, sua autoestima, seu relacionamento familiar e cada dia de paz e felicidade que ela poderia ter tido, de uma infância tranquila e feliz.

Ela havia passado por coisas que não desejava ao seu pior inimigo.

Mas ainda sim, quando conheceu uma dor maior do que toda aquela que ele havia lhe causado, ela foi capaz de olha-lo nos olhos e dizer:

"Eu te perdoo".

Não por ele, mas por ela.

            
            

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