Capítulo 4 Tradições

Aos 11 anos, o inferno de Ana, finalmente chegou ao fim.

Sua mãe acabou descobrindo quem era o homem com quem ela dormia todas as noites e o colocou para fora.

Colocando assim, um ponto final no inferno de Ana.

Desde então, Patrícia passou todos os dias tentando compensar o tempo perdido ao lado de sua filha.

Não que o relacionamento de ambas fosse perfeito, pois, nenhum relacionamento é, até mesmo para que ambos os lados possam aprender e evoluir nessa jornada que chamamos de vida.

Mas, ambas conseguiram encontrar um certo equilíbrio neste relacionamento de mãe

e filha.

Nele havia muita parceria, cuidado, incentivo, amor e risadas.

Sim, risadas.

Patrícia sempre foi uma mulher muito bem humorada.

Ela tinha uma risada contagiante e um coração tão grande, que até mesmo o universo seria apenas um mero átomo, se comparado ao tamanho de sua bondade, amor e compaixão para com as pessoas que tinham o prazer de cruzar o seu caminho.

Era o tipo de pessoa, que conquistava todos por onde passava.

Inclusive, Rodrigo, seu ex-marido, brincava, dizendo que ela era "igual lixo de

enxurrada: onde passa, para".

Com um senso de humor maravilhoso, ela mesma fazia piada de si própria.

Dizia que era " baixinha, gordinha, das pernas finas e tortas", quando não acrescentava dizendo que era uma princesa, como a Fiona, de Shrek, só que ela, era a "feiona".

Patrícia, controlava a narrativa de sua própria história, mesmo que as vezes, por

linhas tortas.

Ana achava sua mãe linda, apesar de todos os comentários depreciativos da mesma.

Admirava seu estilo, seu carisma, seu sorriso tão iluminado quanto o sol e principalmente, a maneira como a mesma não se importava como os outros a viam.

Ela era apenas ela, e isso, era o que a fazia ser tão única.

Ana invejava algumas coisas da mãe e desejava ser como ela quando crescesse, desejo esse que anos mais tarde, viria a ser um dos seus maiores orgulhos de ter se realizado e assim, ter herdado alguns dos traços tão marcantes de sua mãe.

Nos anos seguintes, elas viveram muitos momentos lindos, e outros nem tanto, pois por serem tão parecidas e ao mesmo tempo, com ideias tão divergentes, ambas brigavam muito, mas nada que um sundae com cobertura extra de chocolate, não resolvesse.

Se tinha algo que unia essas duas, era comida.

Idas a um restaurante no bairro aos sábados.

Viagens a feira de artesanato de Embu das Artes aos domingos.

Noites de comilança em frente a televisão, assistindo seriados criminais.

E o combinado máximo delas: idas ao shopping para tomarem sorvetes quando tivessem dias difíceis.

E como já dito anteriormente: sempre acompanhado de cobertura extra de chocolate.

Esse era o momento entre as duas que Ana mais amava.

Ela não sabia quando haviam iniciado aquela tradição, mas sempre que uma das duas havia tido um dia difícil ou estava triste por algum motivo, elas se vestiam e iam ao shopping, tomar sorvete e conversar sobre o que as atormentavam.

Uma dessas idas, era a lembrança mais marcante para Ana.

Em um sábado de Dezembro, Ana foi convidada para ajudar a organizar a festa surpresa de uma de suas melhores amigas.

Mas naquele dia deu tudo errado, e Ana se viu voltando para casa molhada da cabeça aos pés, com lágrimas que se misturavam com a chuva e o coração quebrado em milhares de pedacinhos.

Em meio a chuva, ligou para sua mãe, avisando que estava voltando para casa.

E quando dobrou a esquina, pode a ver lhe aguardando, com os olhos marejados.

Ana correu para seus braços e ali desabou, em meio aquele abraço quente e com gosto de casa.

Patrícia a fez entrar, tomar um banho quente, penteou seus cabelos e então, a levou para tomar aquele sundae com cobertura extra.

No fim do dia, quando encostou a cabeça no travesseiro, Ana só soube ser grata por ter Patrícia em sua vida, pois, com seu jeitinho de mãe, ela havia colado todos os caquinhos do coração de sua filha e a feito lembrar que mesmo se o mundo lhe virasse as costas, sua mãe sempre lhe estenderia os braços e a ninaria como quando bebê.

Juntas, elas tinham suas tradições.

Tradições essas, que anos mais tarde, Ana sentiria uma imensa saudade, e lutaria para tentar mantê-las.

Mas agora, com seus próprios filhos.

                         

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