/0/10678/coverbig.jpg?v=112fb774c74453e259d8be95adfa6aff)
Ayla Bianchi
Observo o homem de meia-idade alto, de olhos negros, assim como seus cabelos, pele branca, trajando um perfeito terno feito sob medida, seu sapato social muito bem engraxado me chamam a atenção.
Será que ele ira parar de falar se eu derramar acidentalmente café em seus sapatos ou terno? - Pergunto-me procurando um jeito de sair correndo dessa empresa.
Faz exatamente cinco meses que fui arrastada para esse país, que tem me feito recordar muitas coisas que gostaria de esquecer, faz cinco meses que estou pagando cada pecado que cometi no internato.
Bem que a Virgínia falava que um dia meus pecados seriam pagos. - Lembro-me das palavras duras da professora de religião.
Lia Silva, vulgo minha avó, me arrasta diariamente para essa empresa de engenharia civil que segundo ela é a empresa da família, a velha me faz assistir reuniões, visitar obras, concluir projetos e ainda me prende de forma que não consigo nem dizer um 'ai' sem que ela saiba, apesar que nos últimos dias pouco tenho a visto, mas tudo ela sabe, onde vou, o que faço, com quem falo.
Não entendo nada que o pessoal tenta me explicar, nada aqui me chama a atenção, a não ser a parte de decoração de interiores, coisa que me interessa, muito e além do mais, foi lá que conheci a única amiga que fiz nesse mausoléu de empresa.
Maria Rodrigues é uma mulher de vinte e cinco anos, loira, de corpo escultural, olhos verdes e um sorriso tão doce que foi até difícil acreditar que ela mora em um lugar asqueroso como o morro do Vidigal, uma favela aqui do Rio de Janeiro, dominada pelo tráfico, mas até que nos últimos meses Maria tem me mostrado as coisas boas daquele lugar, lógico que na primeira vez fiz um escândalo quando chegamos à pequena casa em que ela mora, mas meu coração amoleceu totalmente quando ela me levou a uma casa enorme no topo do morro, onde funciona uma creche para crianças especiais.
Imagina você odiar um país, odiar ter sido arrastada para o mesmo, odiar o tráfico e de repente descobrir que no meio de toda a sujeira, a uma ponta de bondade?
Maria realmente mudou um pouco do meu ponto de vista e fez meu ódio diminuir bastante ao mostrar o lado bom de algumas coisas.
- Senhorita Ayla. - Volto à realidade com a voz irritada do Sr. Thomás.
- Desculpa. O que dizia? - Indago irritada, eu não entendo nada que ele fala, parece até que ele esta falando escocês.
- Não sei nem, porque a Sr. Lia insiste em te ter na empresa, esta claro que você não entende nada do nosso trabalho e nem se quer esforça para aprender. - Disse parando de andar e me olhando nos olhos, deixando claro toda a sua irritação em me ter por perto.
- Sr. Thomás, não vai acreditar. - Maria sai de dentro de uma sala toda sorridente e ofegante, olhando para o seu chefe. - Lembra aquele projeto para a decoração do apartamento daquele advogado? Finalmente ele concordou com a decoração proposta. - Informa tão sorridente e ingênua que nem percebe a irritação do homem ao meu lado.
- Que bom que finalmente fez algo que preste. - Thomás responde fazendo com que o sorriso em seu rosto morra ao final de sua fala grosseira.
- Já que não a considera tão boa assim, porque não começa a fazer o seu serviço e deixa que ela me acompanhe em todas as reuniões, tenho certeza que ela será uma companhia muito mais agradável que você, se me der licença, minha nova acompanhante e eu, temos muito que fazer. - Digo deixando o homem sem palavras e saio arrastando a Maria comigo, para a pequena sala que a Lia teve a decência de desocupar para mim, ao entrar tranco à porta e vejo minha amiga se sentar com os olhos inundados por lagrimas.
- Não fique assim, você é ótima no que faz, tanto que preciso da sua ajuda. - Informo vendo sua expressão facial mudar de triste para desconfiada.
- Da última vez que precisou da minha ajuda, eu tive que mentir para a sua avó, gastei quase meu tanque de gasolina inteiro indo na praia só para tirar foto e ainda por cima ir ao shopping comprar batatas fritas que mal comemos tudo porque você inventou de ir novamente à ONG. - Sorri com a lembrança da minha primeira loucura.
- Mas você gostou. - Digo a vendo sorrir.
Passamos a tarde toda conversando sobre uma pequena reforma que pretendo fazer em meu quarto, já que a Lia quer tanto ver resultados, vou começar por aquele quarto sem graça, sem vida alguma que ocupo em sua casa, um lugar tão branco que dói até as vistas só de abrir a porta.
- Suponhamos que isso der certo, como pretende convencer a Sr. Lia de que foi você quem preparou todo o projeto? - Indaga. - Sem querer ofender, mas estão tão bem feito que até eu estou admirada. - Finaliza olhando mias uma vez a arte no computador.
- Assim você me ofende sabia? - Indago a fazendo sorrir. - Mas mudando de assunto, o que vai fazer esse final de semana? - Pergunto já planejando o final de semana inteiro.
- Fui convidada para ir a uma balada. - A olho incrédula.
- Balada? Esta louca? Já pensou se alguém te droga, te sequestra, estupra e depois te mata? - Falo lembrando de uma reportagem que vi a alguns dias atrás.
- Ai Ayla, para de drama. Eu conheço o cara que vou sair a praticamente um ano, somos amigos e ele é de total confiança, além do mais nunca exageramos na bebida e sempre observamos se não será alterada. - Fala se levantando da poltrona. - Você deveria sair mais, conhecer mais o país em que você vive, afinal de contas, pelo que você me relata, a Sr. Lia não pretende te deixar voltar novamente para a Itália. - Lembra o obvio.
Sei que ela esta certa, sei que esta fora de cogitação um dia voltar para a Itália, mas como se dar por vencida quando seus fantasmas do passado te assombram diariamente?
O passado é um maldito figlio di una cagna* que não me deixa seguir em frente.
Será que era isso que os meus pais tinham em mente para mim? Sobreviver o resto da minha vida no país em que os levou? Ou será que é como a Virgínia costumava falar, que para tudo tem um porque e nada acontece em vão?
Respiro fundo afastando esses pensamentos e olho para Milena que me encara, provavelmente esperando uma resposta.
- Vou nessa balada. - Digo a deixando surpreendida.
- Até que fim decidiu viver. - Responde sorrindo. - Mas agora vamos voltar ao trabalho ou eu estarei demitida antes do sol se por. - Fala sem desfazer o sorriso.
° figlio di una cagna - Filho da puta ou filho de uma cadela.